Educação de São Paulo em crise: militarizar escolas não é solução

O governo de João Doria (PSDB-SP) se utilizou de maneira oportunista do triste caso de violência escolar ocorrido em Carapicuíba (SP) – caso recorrente comprovado por pais, alunos e professores de todo o país – e traz agora uma proposta “educativa” para inserir no corpo pedagógico escolar uma política de ensino disciplinar liderada pela Polícia Militar do estado.

Há policiamento nas escolas. Embora não ocorra em todas elas, é uma política recorrente em todos os estados do país, embora possam ser aqui ou ali ineficientes. Mesmo que esporadicamente, faz parte de sua normalidade. Quando há roubos, quando há tráfico dentro e nas imediações do ambiente escolar, ou em momentos em que se debate sobre o problema das drogas, por exemplo. No entanto, o governo Dória pretende inserir a PM como um ator pedagógico regular, ao lado de professores, pais e alunos. Segundo o governo seria esta a melhor medida para a promoção da paz e da disciplina no cotidiano escolar. 

De fato a questão é tanto necessária, quanto verdadeira e difícil. Afinal, como educar nossa juventude em um ambiente muitas vezes marcado pela violência e pela exploração desde o seu fundamento? E num momento complicado como o que estamos vivendo, este é só mais um problema que aparece muitas vezes envolvido em mitos, más impressões e interesses das elites em esconder tais feridas profundas da sociedade brasileira com as famosas gambiarras neoliberais – superficialidades que não vão à profundeza do problema, levando-nos a considerar esta solução bolso-tucana aparentemente como a mais fácil, imediata e infalível, mas que, veremos, é simplória, enganosa e demagógica. 

Simplória porque não vai à raiz do problema da violência escolar e não o caracteriza corretamente, simplificando-o e reduzindo à fatos vistos na TV ou nas redes sociais. Segundo pesquisas da Apeoesp (sindicato dos professores de SP) em 2015, o índice de violência nas comunidades escolares de SP era de (44%). Em 2017 esse número se encontrava por volta de 51% de professores que sofreram algum tipo de violência – um aumento certamente preocupante pela natureza do assunto. 

Mas para começar precisamos entender que violência é algo amplo. Na comunidade escolar, temos a mais conhecida forma de violência que é a de agressão física (5% de todos os casos). Embora seja esta uma forma das mais preocupantes da violência escolar, ela não representa a totalidade do problema. Não se trata de uma guerra corporal como se crê, mas não podemos ignorar tal problema, porque, por sua natureza e em se tratando de um ambiente escolar, certamente deve ser combatido. Mas nas escolas há também a discriminação (9%), bullying (8%), furto/roubo (6%), agressão verbal (44%) (confira em https://glo.bo/2ZgBdLA). Ou seja, o buraco é mais embaixo e o governo e seus comparsas põem o debate de maneira enviesada e distorcida, para encaixar sua postura nefasta e colher disso frutos econômicos e político-eleitoreiros. 

Por isso esta política é também enganosa. É uma farsa porque propõe uma solução a partir de uma abordagem parcial do problema. Não mostra que a violência escolar é produto de um conjunto de fatores socioeconômicos e escolares que tem a ver com a precarização da vida geral e da vida escolar especificamente. 

O governo do estado não aponta em nenhum momento que escolas particulares, assim como escolas municipais e estaduais consideradas de elite (em geral localizadas em bairros abastados inseridas em melhor infraestrutura urbana), dificilmente vivenciam problemas graves de violência escolar sobretudo contra professores (ver pesquisas em https://bit.ly/312pqki, sobretudo pp. 470 em diante). Por isso que tais cenas são vistas sempre em bairros periféricos, de pobreza acentuada e marcada pela ausência de aparelhos públicos para a juventude e para a comunidade local. Quantos são os casos de violência escolar em escolas do Jardins em São Paulo, por exemplo? A resposta é óbvia e verdadeira: onde há miséria, desigualdade, violência social, além de escolas sem estrutura e equipamento pedagógico adequado aumentam as possibilidades de uma convivência violenta, isto é a não convivência. 

Vemos assim que o governo visa consertar o telhado mas as estruturas sociais e econômicas continuam as mesmas, apodrecidas e doentes. Afinal, em uma sociedade onde a competição pelo lucro e a luta pela sobrevivência individual é o esporte mais praticado, em um estado federal no qual o armamento familiar é visto como saída e o desemprego e desigualdade são a lição diária, o que podemos esperar? Seres humanos conscientes capazes de promover a paz e a solidariedade? Embora a escola seja uma instituição educativa, o processo educativo também acontece na família e na vida social. Assim como os estudantes levam seu aprendizado para casa e para a sociedade, trazem dessas esferas para ambiente escolar seu aprendizado. 

A fragilidade econômica é forte geradora de desestruturação econômica de uma família de estudantes. O desemprego desestrutura a coesão e o bem-estar familiar, levando muitas vezes ao alcoolismo e a violência doméstica. Evidente a influência desse fator na vida escolar. O sistema atual de trabalho, baseado em jornadas extenuantes e um sistema de transportes desumano simplesmente impede os trabalhadores de acompanhar o processo de formação dentro e fora da escola, que por sua vez recebe na forma da violência àquele sentimento de rejeição e escazzes tanto na esfera afetiva, econômica, quanto de acompanhamento pedagógico por parte de pais e responsáveis. 

Mas aqui se trata de baratear os “elevados custos” (pesado investimento público) necessário à formação cidadã de seres humanos, inserindo um funcionário cuja função principal é combater criminosos de todo tipo, travestindo a PM de arauto da educação disciplinar que na verdade esconde um processo de militarização escolar, como já ocorre em Goiás. Diante dos dados acima, qual seria o papel da PM na ação pedagógica de um caso de bullyng, por exemplo, visto que sua ocorrência é maior que a agressão física? E como fazer com os 9% de discriminação de variada natureza sobretudo os casos de LGBTQfobia e os casos de racismo. Ignorar crimes hediondos como o de natureza racial ou quem sabe uma aula, atividade ou debate com a PM de SP (!) sobre o racismo no Brasil e como podemos superá-lo, por exemplo? Não seriam estas questões que deveriam ser resolvidos por professores?

Esta política é demagógica porque surfa na atual onda de naturalização da saída violenta, social e estatal, agradando os “pit-bulls” do bolsonarismo, mas de um modo mais refinado e inteligente que o original, construindo-se como opção de direita mais civilizada para as disputas eleitorais vindouras sem deixar de criminalizar jovens e crianças, colocando-os entre as opções de estudar em um sistema educativo sem recursos e sem apoio e serem potenciais criminosos. “Coincidentemente”, tais alunos são em geral negros e filhos de uma ocupação econômica precária, com baixos salários e condições de vida precárias. A que situação trouxemos nossos jovens! 

Crianças e jovens são seres humanos em formação, que precisam ser cuidados e ensinados com todos os recursos pedagógicos e investimentos necessários para que se possa coloca-los no caminho da autonomia e do aprendizado saudáveis. Mas as escolas estaduais estão hoje abandonadas em sua estrutura profissional pois na maioria das unidades não há um corpo de profissionais para além dos professores – que não nos esqueçamos ganham salários baixos – para atender as diversas demandas que surgem da realidade escolar. Está destruída em sua estrutura predial aparentando muitas vezes um cenário carcerário e na dispensa básica do cotidiano pedagógico falta quase tudo menos trabalho em excesso e salas superlotadas, o que faz do clima escolar uma verdadeira panela de pressão cujo resultado é muitas vezes violento. 

No fundo, não é possível resolver esses problemas definitivamente se não começarmos uma luta por outra sociedade. Mas o que fazemos enquanto esta transformação não chega? Como fica a situação imediata das escolas nesse caso? 

Nós do coletivo nacional Luta Educadora acreditamos que para a educação, além de infraestrutura material o elemento humano, bem formado e bem pago é crucial para uma educação de qualidade, muito mais que computadores e lousa digitais. O investimento maciço nas relações humanas de qualidade, pedagogicamente orientadas, são o grande trunfo para sairmos dessa situação. 

Por isso, precisamos juntos pressionar o governo estadual com uma pauta de reivindicações concretas que atendam as demandas imediatas da comunidade escolar nesse sentido precisamente, em que o Estado promova forte política de investimento na educação, incluindo forte aumento imediato de salário dos professores, reorganização funcional interna e contratação através de concurso público de profissionais especializados como coordenadores de alunos, inspetores escolares, bibliotecários, professores mediadores, além de garantir o reforço escolar permanente, o retorno das salas de leitura, apoio psicológico e práticas esportivas e artísticas permanentes no contra turno em todas as escolas estaduais. Além disso, é preciso fortalecer os conselhos escolares e criar dispositivos e leis que permitam aos pais que trabalham acompanhar com mais tempo e mais de perto a formação pedagógica e a evolução da cidadania de nossas crianças e adolescentes. E isso para termos alguma melhora sensível da atual situação. Ainda assim, sua eliminação depende de uma revolução na estrutura social e de poder na qual vivemos, pondo fim a divisão de nossa sociedade em classes. Sem uma transformação na base da sociedade, não haverá saída verdadeira para a violência social (que se manifesta também dentro das escolas) e os governos de plantão sempre apresentarão os caminhos desesperados para garantir a ordem e o dinheiro, sempre sobre as costas dos trabalhadores e de seus filhos, pois sempre será mais fácil e barato tratar a vida escolar como caso de polícia.

Você pode gostar...