O “Podemos” é o Syriza espanhol? – Os perigos da moderação e domesticação

A eleição do governo do Syriza na Grécia encorajou forças da esquerda anti-austeridade na Europa assolada pela crise e além. Em lugar algum isso é mais claro que na Espanha, onde uma força vista como o “Syriza espanhol”, o Podemos, não para de crescer.

Pesquisas de opinião tem repetidamente colocado o Podemos como primeiro ou segundo colocado, com mais de 20% das intenções de voto, ameaçando a sobrevivência do sistema bipartidário espanhol, baseado no direitista PP e no ex-social-democrata PSOE, que juntos não somam 50%. Mais de 100 mil pessoas encheram as ruas de Madrid na “marcha pela mudança” do Podemos, numa impressionante demonstração de força em 31 de janeiro.

Num ano em que haverão muitas eleições no estado espanhol, certamente o Podemos será uma força a ser considerada. Eleições regionais na Andaluzia em março verão sua primeira erupção como uma das forças principais, seguidas pelas eleições locais e regionais em maio, possíveis eleições catalãs em setembro e eleições gerais em novembro. O plano do Podemos para esse ano é ver seu crescimento ao longo destas eleições, atingindo o clímax com a chegada ao poder em novembro. Enquanto a possibilidade de uma maioria absoluta, nessa altura, parece pequena, o crescimento do Podemos pode forçar os dois principais partidos espanhóis – o PP conservador e o PSOE ex-social-democrata – numa “grande coalizão” para conter seu avanço. Sem dúvidas tal jogada só iria acelerar a decadência destes partidos, sobretudo o PSOE.

O Syriza espanhol?

Numa maneira similar ao Syriza, o Podemos é identificado por milhões como uma ferramenta em potencial para acabar com o pesadelo da austeridade na Espanha e conquistarem uma vida digna, após 6 anos de ataques. O capitalismo espanhol colocou todo o “regime de 1978” (a democracia burguesa formada após a ditadura de Francisco Franco) em questão, refletido não apenas no colapso dos partidos tradicionais, mas na crise territorial e nacional do estado espanhol, especialmente em relação à Catalunha. O crescimento do Podemos reflete esta tendência à mudança, mas será que poderão cumprir com as expectativas?

O Podemos apareceu bastante no último comício da campanha eleitoral do Syriza na Grécia, com seu líder Pablo Iglesias se juntando a Alexis Tsipras no discurso final, aos cantos de “Syriza, Podemos, venceremos” pelas multidões em Atenas. No entanto, o Podemos difere do Syriza quanto à sua origem. Enquanto os últimos se formaram como uma aliança de grupos de esquerda, o Podemos se formou como um novo movimento, separado dos partidos tradicionais da esquerda.

Raízes nas falhas das lideranças de esquerda e sindicais

De fato, pode-se dizer que o sucesso do Podemos é um produto das falhas das organizações tradicionais da esquerda e dos movimentos dos trabalhadores. As lideranças destas organizações, em especial da Esquerda Unida (IU) e dos principais sindicatos, falharam em reconhecer que a crise trouxe um novo período de intensa luta de classes e mudança radical. Elas continuaram com as velhas e fracassadas políticas de colaboração e acordos com o sistema e com os partidos dos patrões. Isto foi demonstrado especialmente pela desastrosa política da liderança da IU de se coligar em governos com o PSOE, ligando a organização à implementação da austeridade – ainda que numa forma mais “leve”.

Os mesmos líderes também recusaram a abrir suas organizações, promovendo uma unidade mais concreta das lutas e respondendo à demanda por mais participação e controle democrático pela base, que caracterizou os mais importantes movimentos e lutas dos últimos anos. Isto fortaleceu em várias camadas de lutadores a impressão que as organizações tradicionais dos trabalhadores eram estruturas políticas rígidas e fortaleceu o apelo do Podemos pela “nova maneira de fazer política”. Apesar de muita pressão da base, a liderança da IU se recusou a organizar primárias abertas, permitindo que sua periferia de ativistas nos movimentos sociais participassem de suas tomadas de decisão e isso foi uma importante parte do apelo do Podemos quando deslancharam nas eleições européias.

Isso significou para milhões daqueles enfrentando o “regime de 78” – especialmente aqueles vindos do movimento dos “Indignados” – que a esquerda tradicional e os sindicatos pareceram mais como parte do regime do que uma força que lutava contra ele. Isto abriu caminho para que algo novo se desenvolvesse e preenchesse este vazio.

Em resumo, o controle da burocrática ala direita sobre a IU e sindicatos, com sua insistência nas equivocadas políticas de colaboração de classe após o estouro da crise, criaram uma situação na qual os setores ativos e radicalizados da classe trabalhadora estavam mais à esquerda, mais radicais que seus supostos líderes e organizações. Como Alberto Garzon, da esquerda da IU e seu novo candidato principal para as eleições gerais desse ano disse: “Pode-se dizer que a sociedade mudou mais rápido que nossa própria organização internamente”. Isto é fundamental para compreender tanto a crise da IU e dos sindicatos quanto o sucesso do Podemos.

“Podemos é o povo”

O Podemos surgiu como uma força alternativa com uma agenda de esquerda anti-austeridade e um programa de repudiar a dívida ilegítima e desfazer a austeridade dos últimos anos. Utilizou muito a fraseologia e reivindicações dos indignados e outros movimentos sociais e não possuía a “bagagem” de ter administrado o sistema no passado, o que o tornava atraente para uma nova geração.

Perigos da “moderação” e da domesticação do Podemos

Lideranças do Podemos, refletindo sobre os efeitos da Syriza, também giraram para a direita, dado que seu apoio tem crescido. O programa inicial do Podemos foi um programa radical de esquerda, que prometeu uma renda universal decente para todos, o direito à habitação, o aumento dos salários, bem como a nacionalização dos setores estratégicos da economia, entre outras medidas radicais. No entanto, nos últimos meses, seus líderes têm moderado sua fala, recuando em promessas-chave, tais como a idade de aposentadoria de 60 anos e o não-pagamento da dívida. Considerando que o seu programa inicial enfatizou a necessidade de uma ruptura com o regime e status quo, os seus dirigentes têm descrito recentemente o seu programa como “social-democrata” e comparou os seus planos para os de Lula no Brasil. Este, por sua vez, foi realizado em nome de “realismo” e um “contexto” internacional que faz com que essas medidas sejam impossíveis na atual conjuntura econômica mundial.

Se alcançar o governo, o Podemos acabará sendo julgado pelas medidas em que ele pode satisfazer as demandas da classe trabalhadora. Essas demandas, embora modestas – pão, empregos e casas, como exigidos pelo 2 milhões na forte “Marcha pela Dignidade” do ano passado – são inaceitáveis para a classe dominante no contexto da atual crise capitalista, como vemos na Grécia. Um governo genuinamente de esquerda teria que estar preparado para enfrentar a chantagem do capital e perseguir os interesses da maioria de uma forma determinada. Isto significaria virar para baixo a Troika e impor uma política de sacudir o peso da dívida ilegítima e tomar o controle dos bancos e da riqueza para financiar uma recuperação real na qualidade de vida. Tentando conciliar os interesses das pessoas com o que é aceitável para a Troika e o capitalismo espanhol, isso só pode terminar em crise para um governo de esquerda e decepção em massa.

É claro que é verdade que existe um “contexto” que age contra as medidas necessárias para acabar com a miséria dos trabalhadores. Este contexto é a dominação continuada das empresas e banqueiros multinacionais, cujos mercados e instituições (nacionais e europeus) atuam contra qualquer governo que tente governar em favor do povo. No entanto, em vez de aceitar esse “contexto” e adaptando programa para o que é possível dentro dela, são os movimentos de massas da classe trabalhadora contra a austeridade que precisam lutar para transformar este contexto! Somente a organização e mobilização da classe trabalhadora e um governo de esquerda, com uma política socialista revolucionária para substituir a ditadura dos mercados pela democracia dos trabalhadores com base na apropriação democrática e pública das riqueza, é que pode enfrentar esta tarefa. Tal governo poderia articular-se com os trabalhadores da Grécia, Irlanda, Portugal e toda a Europa e construir uma federação socialista a partir das cinzas da UE capitalista.

A criação de um pólo revolucionário genuíno de esquerda e do movimento operário, de resistir à ameaça de “domesticação” e lutar por uma política socialista revolucionária, é uma tarefa central para qual a Socialismo Revolucionário (CIT na Espanha) é dedicado.

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