O “marxismo errático” de Varoufakis não é a resposta

É necessário esclarecer as ideias sobre as quais as lutas vitoriosas da classe trabalhadora europeia serão conduzidas.

O ministro da fazenda grego é uma figura chave no governo liderado pelo Syriza que foi eleito a partir de uma plataforma radical antiausteridade. Ele se descreve como um “Marxista Errático”. O que ele defende então? E qual programa poderia fazer avançar a luta dos trabalhadores gregos?

Yanis Varoufakis, o elegante ministro da fazenda do novo governo grego liderado pelo Syriza tem desempenhado um importante papel no drama vivido pelo povo grego já calejado por uma brutal austeridade e pelas demandas cruéis da União Européia preocupada em enfiar goela abaixo mais do mesmo. O posicionamento aparentemente desafiador do primeiro ministro Alexis Tsipras ao cobrar um alívio temporário para a Grécia tem conquistado a atenção e o apoio da classe trabalhadora grega e europeia. Tsipiras tem sido fortalecido por um Varoufakis que percorre os cantos da Europa sem gravata e em suas botas de motoqueiro, para encontrar seus colegas da União Européia, como o almofadinha George Osborne.

Reflexo disso pode ser visto nas pesquisas de opinião, com 36 por cento de votos para o Syriza na eleição geral e agora, de acordo com o Observer, “nas pesquisas de 25 de fevereiro, o apoio ao Syriza saltou para 47,6%… Na última semana, o ministro da fazenda Yanis Varoufakis — um rebelde entre seus colegas — foi saudado calorosamente pelos seus eleitores enquanto desfilava na praça Syntagma”. Até mesmo a classe média e empresários proeminentes saudaram o governo por este se levantar frente às demandas “imperiais” da Troika e da Europa: “Eles nos trouxeram a voz de volta. Pela primeira vez há a sensação de que temos um governo que defende nossos interesses.” (Observer, 1º de março)

Isso é a expressão da resistência mordaz do povo grego ao status virtual neo-colonial a que foram relegados pela Europa “rica” — os capitalistas, banqueiros, etc, que dominam a União Europeia. Porém a crise não acabou, tampouco as demandas para futuras medidas brutais de austeridade. A realidade é que o governo está com a faca no pescoço podendo ser assolado por demandas humilhantes e acabar derrotado em questão de meses. Ou, por outro lado, pode apelar ao povo Grego, num primeiro caso à classe trabalhadora e não menos importante à classe trabalhadora europeia e mundial e por solidariedade e ação comum.

Nesse contexto, o Guardian publicou em 9 de março: “O governo anti-austeridade grego trouxe à tona a perspectiva de futuras lutas políticas em uma Grécia já assolada pela crise ao afirmar que consideraria a possibilidade de apelar a um referendo, ou novas eleições…”. O governo também aumentou os riscos em uma manobra propagandista ao anunciar suas intenções de processar o capitalismo alemão pelos crimes dos nazistas cometidos na segunda guerra mundial contra o povo grego em um valor de 341 bilhões de euros, mais do que o necessário para cancelar a dívida grega!

O Marxista Errático

Perante a chantagem da Europa capitalista, buscar fortalecer seu mandato é realmente uma opção, mas com que base, sob qual programa? Isso nos coloca outra pergunta: quais serão os princípios norteadores e as perspectivas do governo, particularmente suas figuras principais? Se nos guiarmos pelo discurso de Varoufakis em 2013 que por sua vez tornou-se um longo artigo no Guardian em 18 de fevereiro de 2015 parece remota a expectativa de uma mudança fundamental para a classe trabalhadora. Felizmente isso pode não ser decidido por ele e nem pelo governo se as massas partirem para a ação determinadamente, em uma situação dinâmica e volátil para arrancarem medidas urgentes tais como a nacionalização democrática dos bancos e instituições financeiras. Isto seria o mínimo necessário para se prevenir contra a sabotagem dos capitalistas que já está ocorrendo, refletida na fuga diária de bilhões de euros da Grécia.

O mesmo valeria para o cancelamento das escandalosas propostas de liquidação e privatização, a prevenção de despejos, etc, prometidos por Tsipras e Syriza antes das eleições. Nem é de se desconsiderar a possibilidade de que as massas, que estão generosamente dando tempo para o governo implementar seus programas, terão sua paciência esgotada e decida agir través de um novo movimento Ocuppy não só das praças, mas também das fábricas e locais de trabalho.

Varoufakis se declara em seu discurso como um Marxista Errático. Sua análise é certamente errática e nem um pouco consistente com as demandas da classe trabalhadora e o movimento dos trabalhadores na Grécia. Há fragmentos de ‘Marxismo’ em suas análises advindos de escritos econômicos marxistas, por exemplo, que não estão completamente corretos. Mas ainda mais alarmente, dado a sua posição proeminente no governo, é a sua conclusão de que é necessário resgatar o Capitalismo europeu de “si mesmo.”.

Ele escreve: “Em 2008 o capitalismo teve o seu segundo espasmo global.” No entanto, 2008 marcou o começo de uma crise mundial do capitalismo. Não foi um espasmo. Caracterizamos isso desde início — enquanto a crise do setor imobiliário nos Estados Unidos se desdobrava em 2007 — não como um evento econômico episódico como muitos visto antes, mas como o começo de uma prolongada, devastadora e generalizada crise econômica mundial. Essa situação já havia sido determinada por todos os fatores, incluindo uma série de bolhas financeiras — que analisamos e descrevemos ao longo de seu boom desigual. Além disso, argumentamos que o capitalismo não seria capaz de se desemaranhar facilmente dessa crise desoladora. Isso por sua vez exigiu a classe trabalhadora e o movimento dos trabalhadores adotasse um claro programa de ação socialista para defender os padrões de vida e a mudança da sociedade.

Varoufakis tira conclusões completamente diferentes deste evento seminal: “Devemos encarar essa crise do capitalismo europeu como uma oportunidade para substitui-lo por um sistema melhor? Ou deveríamos estar preocupados a ponto de embarcar em uma campanha para estabilizar o capitalismo europeu? Para mim a resposta é clara. A probabilidade da crise europeia de dar fruto a uma alternativa superior ao capitalismo é muito menor que a de liberar perigosas forças regressivas que poderiam levar a uma carnificina humanitária extinguindo a esperança de qualquer progresso para as futuras gerações.”

E ainda, se o capitalismo não está maduro – de fato podre — para ser substituído por um sistema mais igualitário e humano durante uma crise violenta, então quando seria oportuno para se pensar e lutar por uma solução socialista?

A traição socialdemocrata

No começo da primeira guerra mundial esse tipo de filosofia política — revisitada por Varoufakis – levou diretamente à traição perpetrada pelos social-democratas e ao naufrágio da onda revolucionária subsequente. Os pérfidos social-democratas alemães argumentaram que a primeira tarefa era a de resgatar a “civilização”, “salvando” o capitalismo – porém não tão abertamente como Varoufakis defende em seu artigo. Eles demonstraram isso ao votar a favor dos créditos de guerra para o regime do Kaiser, mantendo o socialismo, na medida que permanecia como objetivo, relegado a um tempo distante mais “favorável”.

Varoufakis faz o mesmo: “Lamento que provavelmente não viverei para ver uma agenda mais radical ser adotada.” Como ele pode predizer a rapidez ou a lentidão do avanço da consciência da massa dos trabalhadores gregos, principalmente sob o açoite de uma situação objetiva e economicamente pré-revolucionária? Mesmo o grande marxista Lenin, nas vésperas da Revolução Russa no final de 1916 se perguntou se a sua geração viveria para ver a revolução socialista. No entanto, somente um ano depois em outubro de 1917 ele presenciou a mais importante revolução da classe trabalhadora, o maior evento da história humana até agora. Acontece que enquanto ruminava os prospectos futuros para o socialismo, Lenin estava incansavelmente preparando e mobilizando as forças da classe trabalhadora através do Partido Bolchevique para que pudesse tomar a iniciativa e conquistar o poder. A classe trabalhadora grega pode ainda iniciar um processo similar para a Europa, certamente o Sul da Europa, e talvez para o mundo.

Em contraste, a perspectiva dos socialdemocratas alemães e aqueles que seguiram seus passos os levou a procurar resgatar o capitalismo ao compor governos capitalistas manchados de sangue. Em seguida, quando a revolução alemã estourou em 1918 eles declaradamente apoiaram os partidos capitalistas. Quando estes partidos estavam desacreditados eles defenderam o capitalismo através de governos em que possuíam uma maioria. Dessa maneira eles agiram como o principal obstáculo institucional à tomada de poder pela classe trabalhadora. Já Rosa Luxemburgo define a escolha última da classe trabalhadora e da humanidade enquanto “socialismo ou barbárie”.

Sua abordagem mostrou-se totalmente correta. A derrota da revolução de 1918 a 1923 e as oportunidades revolucionárias que existiram de 1929 à 1933 foram perdidas devido ao papel criminoso dos líderes dos partidos dos trabalhadores de massa, os social-democratas e os do Partido Comunista que se recusaram a organizar uma resistência unitária contra os nazistas. As consequências de tal postura são bem conhecidas: a chegada ao poder de Hitler e a subsequente destruição do poder organizado da classe trabalhadora que levou aos horrores da segunda guerra mundial com suas milhões de vítimas. É certo que hoje nós não estamos de frente à perspectiva imediata de socialismo ou barbárie na Grécia ou na Europa como um todo. Mas há elementos suficientes de barbárie na Grécia – o sofrimento e a fome vergonhosos, o crescimento do partido neo-fascista Aurora Dourada, etc. — para indicar que, a não ser que a classe trabalhadora e suas organizações estejam preparadas para levar a cabo uma mudança fundamental na sociedade, esses elementos podem se tornar dominantes com o tempo.

Salvando o capitalismo europeu

A experiência histórica e também contemporânea da socialdemocracia — para ser mais exato, a “ex-socialdemocracia” — nos mostra que esta não pode prevenir isso. Não pode nem sequer levar a cabo uma reforma fundamental duradoura de dentro do capitalismo europeu assolado pela crise. Reformas duradouras hoje são somente possíveis como um subproduto de lutas radicais e até mesmo revolucionárias.

Isso foi corroborado pela atuação dos governos social-democratas em poder na Europa e percebido nas experiências de Varoufakis: “Após retornar à Grécia no ano 2000 eu apostei no futuro primeiro ministro George Papandreou, na esperança de impedir o retorno ao poder de uma direita ressurgente que queria empurrar a Grécia em direção a uma xenofobia tanto na esfera doméstica quanto na da política externa… [no entanto] o partido de Papandreou não só não conseguiu combater a xenofobia como, ao final, dirigiu virulentas políticas neoliberais que abriram o caminho para os chamados resgates financeiros da zona do euro e assim causando despropositalmente o retorno dos nazistas às ruas de Atenas.”

Devemos lembrar que, ao menos nas palavras, o partido socialdemocrata grego Pasok, no passado, nem sempre se comportou tão covardemente. Os “reformistas” nem sempre traíram. Eles presidiram grandes melhorias, algumas substanciais, nas condições das massas. Pasok também se moveu à esquerda algumas vezes, adotando inclusive demandas “revolucionárias”. O advento da crise grega, europeia e mundial mudou tudo isso, particularmente quando esteve no governo. Como seus primos no Reino Unido, na França, Itália, etc, Pasok não tinha intenção alguma de romper com os vícios do capitalismo doentio, terminando por executar os desejos da troika. Com isso criaram-se condições para que a Aurora Dourada florescesse. O mesmo destino seria encontrado por qualquer governo que seguisse as prescrições políticas e econômicas de Varoufakis que se encaminham, como ele mesmo admite, à salvação do capitalismo.

Ele escreve: “Se isso significa que somos nós, os marxistas devidamente erráticos que devemos tentar salvar o capitalismo europeu de si mesmo, então que seja. Não por amor ao capitalismo europeu, pela zona do euro, por Bruxelas ou pelo Banco Central Europeu, mas só porque queremos minimizar as desnecessárias casualidades humanas que advém dessa crise. Uma saída da Grécia, de Portugal ou da Itália da zona do euro logo levaria à uma fragmentação do capitalismo europeu.” Mas a Europa, tanto dentro quando fora da zona do euro já está fragmentada como uma consequência do estabelecimento do euro. Ao invés de criar um novo internacionalismo como seus apoiadores argumentam, sua criação aprofundou os antagonismos nacionais que levaram ao crescimento do ora virulento capitalismo nacionalista.

Contradições da zona do euro

Desde o começo a criação do euro se deu em meio a imensas contradições. Foi uma tentativa do capitalismo — refletindo o crescimento das forças produtivas (ciência, técnica, a organização do trabalho) que buscam organizar numa escala continental e mundial — de superar os limites, a camisa de forças do estado nação. Isso foi, como já argumentamos de forma consistente, uma tarefa impossível numa base capitalista, ainda que as fissuras nacionais fossem escondidas, disfarçadas de alguma maneira pelo grande crescimento econômico que desmoronou espetacularmente em 2007-08.

A formação de uma moeda comum e a zona do euro gerou ilusões — entre a esquerda e o movimento dos trabalhadores, até mesmo em círculos “trotskistas” como o Secretariado Unificado da Quarta Internacional — de que o capitalismo poderia superar as constradições nacionais, o que resultaria na emergência de um ‘Capitalismo Europeu”. Isso poderia levar, argumentaram eles, à crescentes possibilidades de unificação da classe trabalhadora em uma escala continental. Entretanto nós antecipamos que as divisões nacionais — estados separados, exércitos, etc, — que não deixaram de desaparecer completamente se reafirmariam barbaramente no contexto de uma crise econômica. E isso é o que aconteceu. De fato, conflitos nacionais e suas resultantes divisões raciais venenosas, o crescimento da extrema direita, é muito maior agora do que nos tempos de criação da zona do euro.

Isso quer dizer que devemos adotar uma abordagem estritamente nacionalista, com cada país procurando a solução para seus problemas econômicos dentro de suas respectivas esferas nacionais? Pelo contrário, as forças produtivas estão implorando para serem organizadas em uma escala Européia e até mundial. Porém, a única força que pode cumprir essa tarefa histórica é a classe trabalhadora. Por isso nosso slogan “Não à Europa dos patrões; Sim à confederação socialista europeia.” Lutas conduzidas num plano nacional são organicamente conectadas à esfera internacional — em primeira instância, dentro da própria Europa. Isso é reconhecido instintivamente pela classe trabalhadora grega, como se pode ver no sentimento da solidariedade e pertencimento com os trabalhadores da sul da Europa, particularmente Espanha, Portugal e Itália e vice versa. Testemunha disso é a presença dos líderes do Podemos nos grandes comícios na Grécia antes da eleição.

Varoufakis não entendeu o Reino Unido

Varoufakis em suas análises, procura apoiar-se fortemente nas experiências do movimento dos trabalhadores britânico — ele viveu lá na década de 1980 — e também na Grécia. Infelizmente ele revela um pessimismo orgânico semelhante à ala eurocomunista do Partido Comunista da Grâ-Bretanha que se reunia no periódico Marxism Today, que provavelmente o influenciou. Essa tendência capitulou completamente às ideias do neoliberalismo e, como consequência desapareceu enquanto uma grande tendência. Tornou-se um apêndice da decadente social democracia, apoiando pela liderança do Partido Trabalhista Britânico de Neil Kinnock em sua contrarrevolução política contra os Marxistas — levando à expulsão dos apoiadores do Militant (os predecessores do Partido Socialista) — e o abandono formal da meta do socialismo pelo Partido Trabalhista.

Isso foi feito sob a retórica de “modernizar” o marxismo, se adaptando à suposta situação contemporânea. Tratou-se, na realidade, de um abandono da perspectiva de classe. Varoufakis tenta algo similar em seu artigo e ainda acusa falsamente Karl Marx de errar por não antecipar como suas ideias poderiam ser usadas erroneamente no futuro, como por exemplo o Stalinismo. Entretanto, Marx declarou sobre os impostores “Se isso é marxismo, então eu não sou marxista.”

Varoufakis também declara: “Essa determinação em ter a história completa, fechada, ou modelo, a palavra final, é algo por qual eu não posso perdoar Marx”. Mas o marxismo não é um sistema fechado. É um método flexível de análise, testado e verificado perante à experiência. Nas mãos de um bom trabalhador pode ser uma ferramenta útil e necessária, mas com um mal trabalhador produz um mal resultado. Além do mais, dogmáticos que têm pouco em comum com o marxismo genuíno podem interpretar ideias a partir de um só lado, de uma maneira não dialética. Nós deixamos claros no Socialism Today que não concordamos com aqueles que buscam impor mecanicamente algumas supostas leis da realidade — tais como a tendência das taxas de lucro caírem, o que não explica a atual crise. Apesar de defendermos as proposições básicas de Marx sobre a tendência da taxa de lucro cair, nós discordamos profundamente que essa seja a única explicação, como muitos fazem, para a crise atual do capitalismo.

Culpar Marx pelo stalinismo, como Varoufakis claramente insinua, é errado. O stalinismo foi originalmente o produto do isolamento da revolução russa e a sua degeneração, no entanto, ele tem sido usado para representar de forma errônea e deturpar as verdadeiras ideias do marxismo. É um ato completamente a-histórico culpar a Marx pelo criminoso mal-uso de seu método e ideias. Entretanto, Marx de fato antecipou os problemas da burocracia e a adoção de procedimentos antidemocráticos dentro do movimento dos trabalhadores e mesmo em um estado dos trabalhadores. Daí seus escritos com Friedrich Engels sobre a Comuna de Paris em 1871, em que o exemplo vivo de uma democracia dos trabalhadores foi contemplado por Marx sobre como um estado democrático de trabalhadores seria construído: a eleição de funcionários, nenhum representante recebendo mais do que o salário de um trabalhador, o direto de revogabilidade, etc.

Varoufakis escreve sobre a sua experiência no Reino Únido: “Mesmo quando o desemprego dobrava e depois triplicava sob as intervenções neoliberais radicais de Thatcher eu continuei a guardar esperanças de que Lenin estava certo: ‘As coisas têm que piorar antes que elas melhorem’. Enquanto a vida se tornava mais dura, mais brutal e, para muitos, mais curta, eu percebi que eu estava errado de maneira trágica: as coisas poderiam piorar eternamente, sem nunca mais melhorarem… A cada aperto do parafuso da recessão, a esquerda se tornou mais introvertida, menos capaz de produzir uma agenda progressista convincente e, enquanto isso, a classe trabalhadora estava sendo dividida entre aqueles excluídos da sociedade e aqueles cooptados pela mentalidade neoliberal. A minha esperança de que Thatcher iria inadvertidamente trazer uma nova revolução política era falsa. O que resultou do thatcherismo foi uma extrema financeirização, o triunfo do shopping center sobre a loja da esquina, a fetichização da moradia e Tony Blair.”

Ele continua: “Sim, eu adoraria seguir apresentar uma agenda radical como essa. Mas não, não estou disposto a cometer o mesmo erro duas vezes. O que de bom conseguimos no Reino Unido no começo dos anos 1980 ao promover a agenda de uma mudança socialista que a sociedade britânica rechaçou enquanto mergulhava de cabeça na armadilha neoliberal de Thatcher? Absolutamente nada. O que de bom acontecerá hoje se apelarmos para o desmantelamento da zona do euro, da própria União Europeia quando o capitalismo europeu está fazendo o seu máximo para minar ele mesmo a zona do euro e a União Europeia.

Varoufakis revela que não compreendeu o que de fato aconteceu na Grã-Bretanha. Thatcher não triunfou quase sem resistência, como ele parece sugerir. Ela provocou a greve dos mineiros — uma Guerra civil sem armas — que, além disso, exerceu um efeito poderoso na Grécia da época, haja visto as suas próprias lutas heroicas contra a direita. Tivemos também a batalha épica em Liverpool na qual nosso grupo anterior Militant, junto com a câmara municipal de Liverpool e seus 47 vereadores imortais do Partido Trabalhista, viram a derrota de Thatcher. Ela também foi derrotada na luta dos poll tax [semelhante ao IPTU] quando o Militant liderou uma campanha de não pagamento em massa com 18 milhões de pessoas que terminou derrubando o imposto e a própria Thatcher como ela mesma admite posteriormente em sua biografia.

Nem era predestinado que a vitória de Thatcher era inevitável. Houve oportunidades que, se aproveitadas, poderiam ter resultado na vittória do movimento dos trabalhadores. A traição aos mineiros pelos dirigentes dos sindicatos em conjunto com a apodrecida liderança de Kinnock no Partido Trabalhista, que também traiu a câmara de Liverpool, foram essenciais para o sucesso de Thatcher. Por acaso pensa Varoufakis que se os trabalhadores britânicos tivessem evitado conclusões socialistas e ficassem restritos ao seu programa minimalista progressivo eles teriam tido mais êxito?

Tentando ganhar tempo

A abordagem de Varoufakis vem direto da opinião capitalista liberal, incluindo aqueles como Will Hutton e sua Resolution Foundation assim como o líder trabalhista, Ed Miliband. Os co-pensadores espanhóis da liderança do Syriza, o Podemos, estão num processo de substituir o equivocadamente chamado Partido Socialista (PSOE) como a maior força na esquerda, isso porque o PSOE foi desacreditado por se ajoelhar ao capitalismo espanhol. Essa capitulação ocorre durante um grande boom e, no entanto, o PSOE perdeu as eleições. Do que mais precisaria um governo socialdemocrata para ser desacreditado numa crise?

Vejamos o caso da França onde o líder do Partido Socialista, François Hollande, chegou ao poder prometendo cobrar severos impostos sobre as fortunas do capital e um pacote de reformas que beneficiariam a classe trabalhadora para logo depois recuar e começar a implementar um programa neoliberal. Isso causou um forte embate entre ele e seus apoiadores com o que restava da esquerda no partido, assim como as outras forças de esquerda fora do parlamento e a classe trabalhadora. As consequências são que milhões de trabalhadores que votaram no Partido Socialista estão passando por um processo de forte desilusão que tem levado a alguns a votarem na extrema-direita, a Frente Nacional de Marine Le Pen.

Apesar de não colocar de forma explícita como Varoufakis, Hutton e Milliband são críticos dos partidários da austeridade como David Cameron e a presente coalisão dos conservadores com os democratas. Eles postulam em vez disso, um capitalismo “melhor” e no caso de Miliband até “menos predatório”. Mas Miliband também defende junto com os Tories (Partido Conservador), cortes nos gastos públicos apesar de prometer que eles seriam levemente menos severos. Qual o provável resultado político desse processo? Descontentamento político massivo e desilusão dos antigos apoiadores do Partido Trabalhista. Mesmo se um governo trabalhista de Miliband conseguisse chegar ao poder, seja como uma minoria ou compondo algum tipo de coalisão, ele não poderia implementar o seu programa mínimo sem ir contra aos ferozes defensores do sistema.

Justificando o que ele claramente considera como uma abordagem diferente, Varoufakis fala de “um repugnante capitalismo Europeu cuja implosão apesar de suas muitas mazelas deve ser evitada a todo custo. [Essa] é uma confissão que tem como intenção convencer aos radicais que temos uma missão contraditória: frear a queda livre do capitalismo europeu para ganhar o tempo que precisamos para formular uma alternativa.” Ainda assim por que ele e outros marxistas críticos não analisaram os processos que ocorreram no capitalismo anteriormente para mostrar que, antes a 2008, ele estava se encaminhando para uma grande crise? Essa foi a posição do CIT e sua sessão grega, Xekinima, que combinou essa análise com um programa para defender a classe trabalhadora num contexto de catástrofe econômica. Isso estava conectado com a ideia de aproveitar o momento de oportunidade que surgiria para levantar a alternativa socialista como a única saída para a classe trabalhadora e seus aliados. Por que esperar então a crise estourar e daí então pedir tempo para formular uma alternativa?

Falsas Esperanças

Infelizmente, a posição de Varoufakis reflete a do Syriza e sua liderança: uma recusa em esboçar uma linha clara de seu posicionamento e das demandas sistemáticas para preparar a classe trabalhadora para um choque inevitável entre o governo de esquerda e o capital, tanto nacional quanto internacionalmente. Ao invés disso o que se ouviu foram frases genéricas sobre a “justiça” do posicionamento da Grécia e a razoabilidade de um governo de esquerda formado para “convencer” as forças capitalista articuladas contra o Syriza para “entender” a situação grega e, portanto, fazer concessões.

Os marxistas de Xekinima e outros criticaram essa posição como sendo politicamente ingênua, um exemplo grave de falsa esperança — a doença mais perigosa na política, particularmente se pensada num contexto de crise aguda. Na situação que a Grécia enfrentou antes e durante as eleições e particularmente agora, é necessário que façamos a análise mais realista possível. Neste quadro podemos reconhecer a intenção inevitável do capital internacional em naufragar um governo radical que pode ser um risco para a própria existência dos capitalistas, seja na Grécia, Espanha ou em qualquer lugar.

A posição da esquerda de fato, num movimento influenciado pelo marxismo, deveria ser a de usar as dificuldades do capitalismo como a oportunidade para o movimento dos trabalhadores fazerem avançar um profundo processo de mudança socialista. Em seu centro estaria, primeiramente tomar controle dos principais bastiões econômicos – os bancos e as instituições financeiras — para se prevenir contra as sabotagens e a chantagem dos capitalistas contra o governo liderado por Syriza.

Isso se reflete na desesperadora fuga diária de capital privado da Grécia que começou até mesmo antes da eleição. Portanto o mínimo do mínimo necessário para se fazer e controlar todos as entradas e saídas — se necessário, ganhar tempo para a classe trabalhadora ser mobilizada e convencida da necessidade das medidas seguintes. Isso incluiria a estatização do setor financeiro e dos bancos sob o controle e gestão democráticos dos trabalhadores.

Varoufakis apresenta um cenário totalmente diferente. Com uma honestidade desarmada ele escreve: “Vendo tudo isso, você pode ficar um pouco encucado de me ouvir dizer que sou marxista… enquanto um marxista convicto, eu acho que é importante resisti-lo apaixonadamente em muitas maneiras. Ser, em outras palavras, errático no meu marxismo.” A justificativa para essa posição? Disfarçar suas reais visões marxistas — Varoufakis admite. Ele escreve: “Um teórico radical pode perseguir… a construção de teorias alternativas àquelas do sistema, com a esperança de que sejam levadas a sério.” Mas essa posição é clara: “Meu ponto de vista nesse dilema sempre é o de que as forças que existem nunca são perturbadas pelas teorias que partem de pressupostos diferentes dos seus.

E para sustentar a sua abordagem ele invoca o apoio do próprio Marx, porque veja bem, Marx se apoiou nos grandes economistas burgueses Adam Smith e David Ricardo, para mostrar que o capitalismo era um sistema contraditório. Nessa base, Marx entendeu o funcionamento do capitalismo, que produziria uma crise econômica e uma classe trabalhadora, o coveiro do próprio sistema, que levaria para a sua derrocada inevitável. Seu público esperado, no entanto não era o burguês, mas a classe trabalhadora e suas organizações.

Varoufakis parece argumentar algo diferente, trabalhando no ponto de vista da economia burguesa para mostrar as inconsistências de seu sistema para os próprios burgueses. Sua conclusão busca remediar os males econômicos que nos afligem — a classe trabalhadora e seus aliados — ao promover soluções “razoáveis” que podem ser aceitas pelo capitalismo. Toda a essência da situação atual, no entanto, é a de que reformas reais não são possíveis ou duradouras em um sistema assolado pela maior crise desde a década de 1930.

Nessa conjuntura os olhos da classe trabalhadora europeia estão voltados para a Grécia. Se os trabalhadores gregos conseguirem se afirmar nessa situação, ainda que parcialmente, será um grande alento para todo o movimento. Mas se os trabalhadores gregos irem pelo caminho da derrota, isso irá colidir com o andamento da luta em uma escala europeia, ao menos temporariamente. Nós esperamos fervorosamente que a primeira opção seja a que prevalecerá. É por essa razão que é necessário esclarecer as ideias centrais sobre as quais as lutas vitoriosas da classe trabalhadora europeia serão conduzidas. É nesse espírito que oferecemos nossas análises da situação e recebemos com agrado e incitamos as discussões sobre o tema de como melhor ajudar as lutas dos trabalhadores gregos no estágio atual.

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