Rússia: Regime usa o horror do metrô contra toda a oposição

Trinta e oito pessoas morreram e mais de 70 ficaram seriamente feridas quando duas bombas explodiram no metrô de Moscou durante a hora do rush na manhã do dia 29 de março. Essa não é apenas uma tragédia na qual trabalhadores morreram, mas um ato que tem a intenção de aterrorizar as pessoas, um ato que terá sérias conseqüências sociais e políticas. 

Mas quem quer que esteja por trás do ataque, está fazendo o jogo das autoridades russas. A elite dominante, quando sente o chão deslizar sob seus pés, sempre encontra algum inimigo que possa usar como um espantalho, para desviar a atenção das pessoas de seus problemas cotidianos. 

Naturalmente, as pessoas estão horrorizadas com as explosões e expressam choque e simpatia. Muitos exigem vingança. Elas estão bravas porque, quando o metrô fecha, os motoristas de táxi aumentam os preços em mais de dez vezes. Muitas pessoas se queixam das tentativas de “politizar” a crise. 

Em certo grau, isso é compreensível. As autoridades russas não são conhecidas por se responsabilizarem pela segurança de seus cidadãos, por admitir a culpa ou renunciarem. Mas elas rapidamente usam mesmo as tragédias mais horríveis para fortalecer sua posição. Contudo, para entender a tragédia e as condições que a causaram, é necessário compreender a situação política. 

Pano de fundo de um caos crescente

A Rússia atualmente está sofrendo as consequências da crise econômica na forma de aumentos de preços e cortes e atrasos nos salários. Milhares de pessoas, não obstante as tentativas da polícia de impede-las de protestar, estão começando a sair às ruas em cidades como Archangelsk, Orel e Kaliningrado para protestar. Ao mesmo tempo, uma divisão extraordinária está se desenvolvendo dentro das estruturas da ‘lei e ordem’. Cada vez mais os trabalhadores estão mostrando que estão preparados para resistir ao assédio arbitrário da polícia. Nas recentes eleições manipuladas, o partido dominante falhou em conseguir os votos que queria. Contra esse pano de fundo, essas explosões irão apenas aumentar o crescente sentimento de caos na sociedade.

Não surpreendentemente, dada a história passada da Rússia, as discussões na blogosfera em torno da questão de quem estava por trás dos ataques apresentou em sua maioria três opções – fundamentalistas islâmicos, a extrema direita ou o serviço secreto russo. Não surpreende que algumas pessoas acreditem que essas bombas possam ter sido feitas pelo estado. Afinal, acredita-se amplamente que um setor do serviço de segurança interno russo, o FSB, esteve por trás dos horríveis atentados terroristas de Moscou em 1999, que deram ao regime o pretexto de lançar sua segunda guerra chechena e que também viram Vladimir Putin obter a vitória na eleição presidencial seguinte. 

Contudo, parece pela gravação das câmeras do metrô que os realizadores foram mulheres-bomba suicidas. A mídia sugere que elas são “viúvas negras” – mulheres extremamente amarguradas do Cáucaso Norte, que perderam seus maridos, filhos e outros familiares durante as brutais guerras e “campanhas antiterror” da Rússia, e que foram então recrutadas por islamistas políticos para realizarem tais atos. 

O ataque ajuda o regime desviar as atenções

Mas quem quer que esteja por trás do ataque, está fazendo o jogo das autoridades russas. A elite dominante, quando sente o chão deslizar sob seus pés, sempre encontra algum inimigo que possa usar como um espantalho, para desviar a atenção das pessoas de seus problemas cotidianos. Sugeriu-se até que se não tivesse havido uma explosão, as autoridades teriam que inventar uma, para que possam aparecer como ‘protetoras’ do povo. 

Como manda o figurino, o presidente Medvedev e o Premier Putin, rangendo os dentes, prometeram aniquilar os terroristas. Os partidos da “oposição” leal ao Kremlin pularam neste vagão. Genaddy Zuganov, líder do “Partido Comunista”, exige que a moratória da pena de morte seja suspensa – como a ameaça de execução irá deter um homem-bomba suicida de se explodir não é explicado. O político populista de direita Sergei Abeltsev acha que os parentes e amigos dos suicidas deveriam ter todos os seus bens confiscados. Os políticos neoliberais, vários dos quais agora são frequentemente sujeitados à repressão policial, pedem a total cooperação com a polícia em nome da “solidariedade civil”. 

Os representantes do partido dirigente tem sido ainda mais diretos. O líder de sua ala jovem, Boris Yakimenko, pôs a culpa pela carnificina do metrô na oposição: “Aqueles que recebem doações do estrangeiro, fascistas, nacionalistas, ‘ativistas dos direitos humanos’, corruptos, frequentadores de bordeis e usuários de drogas” – fizeram tudo para romper a estabilidade. Irina Yarovaya, representante parlamentar, declarou: “As tentativas de romper a situação política, de criar sentimentos negativos na sociedade, criaram as condições para esses trágicos eventos… Hoje todas as forças políticas na Rússia devem parar e pensar cuidadosamente sobre todas as suas declarações e atividades”. 

Fica claro com essas declarações que a elite governante irá usar sua campanha para pôr no mesmo saco esses terroristas reacionários e a oposição política genuína. Isso já está começando em palavras, com a campanha contra o “extremismo”, supostamente mirando os terroristas e a extrema direita, que usa bombas e outros meios violentos, agora sendo empregado contra a esquerda e ativistas sindicais e também para massacrar os direitos democráticos. Após o massacre da escola de Beslan (setembro de 2004), a eleição para governadores regionais foi abolida. Depois de um ataque a bomba ao “Expresso Nevskii” (O trem Moscou-São Petersburgo) no último outono, foram aprovadas emendas à lei sobre o extremismo, tornando um “ato de extremismo” a tentativa de bloquear o tráfego nas ferrovias ou estradas, que é uma forma altamente efetiva de protesto, tradicionalmente usada pelos trabalhadores na Rússia.

Naturalmente, a extrema direita usa o ataque ao metrô para atiçar sua propaganda reacionária e terror contra os imigrantes. Já houve vários relatos de pessoas do Cáucaso sendo atacadas no metrô e jovens mulheres que usavam véu sendo surradas. Assim como depois dos ataques terroristas anteriores ou do começo da guerra com a Geórgia, sem dúvida haverá um aumento de ataques violentos e assassinatos realizados por neonazistas contra pessoas com cabelo e pele escuros. 

Desde já, haverá um fortalecimento do regime de vistos. Mas também há apelos para o uso de tecnologia israelense para se construir um ‘muro’ separando as repúblicas do Cáucaso Norte da Rússia, criando bantustões como a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. 

Cáucaso Norte – território sem esperança

Em parte, isso é uma consequência natural dos passos já tomados pelo governo após o ataque ao Expresso Nevskii. Sob o disfarce de uma “reforma administrativa”, a Região Federal Sul foi dividida em duas (a Rússia está dividida em sete Regiões Federais, cada uma governada por um ‘Governador Geral’ nomeado). As áreas muçulmanas da antiga Região Federal Sul (as repúblicas da Chechênia, Daguestão, Ingushetia, Kabardino-Balkar e Karachaevo-Cherkesiya), junto com a região de Stavropol russa, foram agrupadas na nova região Federal do Cáucaso Norte. Stavropol foi acrescentada, ao que parece, para dar uma base ao novo Governador Geral e, muitos acreditam, para que um Governador Geral ‘seguro’ (i.e. russo) pudesse ser nomeado por Moscou, evitando assim conflitos entre as elites nacionais em disputa sobre quem deve estar no cargo. Sem dúvida, Stavropol também será uma base relativamente segura para as forças militares necessárias para controlar a região. A criação de um novo ‘centro’ também ajudará as autoridades russas ao dar um contrapeso ao cada vez mais poderoso senhor da guerra transformado em presidente da Chechênia, Ramzan Kadyrov, que recentemente exigiu o direito de policiar suas repúblicas vizinhas.

Essas manobras mostram que mesmo o poderoso regime russo não acredita mais que possa realmente resolver os problemas da região. Ele descobriu que é difícil achar um candidato a Governador Geral, pois não apenas a aceitação ao posto equivaleria ao suicídio político, mas, dado o registro de assassinatos na região, isso na verdade daria ao candidato uma alta probabilidade de ser fisicamente eliminado. 

De muitos modos, dada a terrível situação social, econômica e de segurança no Cáucaso Norte, o surpreendente é que não tenha havido mais atos terroristas em Moscou (houve muitos em outras partes do país). 

A maioria da população do Cáucaso Norte tem dificuldade de alcançar uma existência igual ao da linha de pobreza da ONU de $2 por dia. Até o fim do ano passado, o desemprego em toda a região era de 20%, 56% na Ingushetia. Se, durante o último período de crescimento econômico, houve alguns sinais de estabilidade, especialmente porque o centro federal fornecia dinheiro para a reconstrução da Chechênia, agora a crise a atingiu de novo e se desenvolveu com força ainda maior do que antes. 

As atividades militares e policiais no Cáucaso Norte aumentaram consideravelmente nos últimos meses. Tão generalizados são os ‘expurgos’ permanentes (i.e. ações policiais que tem o objetivo de eliminar supostos ‘terroristas’), operações militares, explosões e assassinatos, contra o pano de fundo de extrema pobreza e desemprego, corrupção e repressão endêmicas, que não é difícil descrever a região como uma ‘zona de guerra’. 

Contra esse pano de fundo, as tentativas do Kremlin de estrangular os conflitos nacionais por medidas militares e policiais estão apenas aumentando a tensões. O fim do conflito checheno concordando-se com a imposição do domínio de senhores de guerra através do presidente Ramzan Kadyrev apenas conseguiu espalhar os restos do conflito para as repúblicas vizinhas. Os islamistas políticos encontram muitos recrutas dispostos entre os que perderam familiares durante os conflitos e que vivem em pobreza abjeta. É dessa camada extremamente alienada que as chamadas “viúvas negras” são recrutadas. 

Os ataques terroristas podem ser detidos?

Mesmo aqueles que exigem medidas repressivas mais duras não acreditam que elas serão efetivas. Muitas pessoas se queixam nos blogs que as ameaças de Putin e Medvedev de “destruir” os terroristas não as fazem se sentir mais seguras no metrô. A verdade é que o uso de ameaças, prisões e ataques vingativos, contra o pano de fundo de crescente pobreza e profundo medo pela segurança, ao longo dos anos, criou um problema que não pode ser resolvido da noite para o dia. A verdadeira causa do problema não está apenas na existência de organizações terroristas ou em suicidas-bomba dementes, mas na existência do capitalismo, que cria as condições de pobreza em massa, desespero e humilhação, e o sentimento de que não há saída. 

O único meio de acabar com os ataques terroristas contra civis inocentes é através da solidariedade dos trabalhadores e pobres, através de uma luta internacional contra a pobreza e a falta de direitos democráticos básicos, com a criação de empregos, com um salário decente, construindo moradias, escolas e hospitais decentes. Se queremos realmente acabar com o círculo vicioso de repressão e terror, não é suficiente mudar alguns burocratas ou mesmo todo o governo ou reformar as estruturas da polícia como muitos, incluindo muitos da esquerda, sugerem. Não há burocratas ou ministros que possam garantir nossa segurança enquanto as causas sociais e econômicas dos problemas não forem eliminadas, isto é, enquanto os patrões e seu aparato estatal explorarem os trabalhadores e empregarem a violência estatal para defender seus interesses de classe.

O meio mais efetivo de se acabar com todos os ataques terroristas é lutar para acabar com o sistema que dá origem à violência e ao terror, substituir o capitalismo gangster-parasitário por uma economia democraticamente gerida e planejada, baseada na propriedade pública. Isso, por sua vez, possibilitaria às nacionalidades que desejassem exercer a genuína autodeterminação para assim dar um fim à corrupção, desemprego, pobreza e autoritarismo que alimenta a violência e o terror. 

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