A Esquerda na Alemanha – novo partido, velhos erros
Ocorreu a fusão entre dois partidos de esquerda, Partido de Esquerda (L.PDS) e WASG (Alternativa Eleitoral por Trabalho e Justiça Social). Em 16 de junho de 2007, ocorreu o primeiro congresso conjunto que lançou, formalmente, A Esquerda (Die Linke) – nome que o novo partido adotou.
Desde então, o novo partido cresceu em 14% nas pesquisas de opinião criando ondas de tensão por todo o establishment e especialmente para o Partido Social Democrata (SPD). O SPD geralmente está abaixo dos 30% nas pesquisas de opinião e entrou em uma nova fase de sua prolongada crise. Aproximadamente 3 mil novos membros ingressaram no A Esquerda desde o congresso de junho, incluindo 60 sindicalistas, muitos deles oficiais, que ingressaram coletivamente. Isto reflete o potencial que existe para um partido de esquerda e anti-capitalista que está do lado dos trabalhadores e desempregados nas lutas contra os ataques a direitos sociais, aos empregos e as condições de trabalho.
O líder do partido, antigo líder do SPD e ex-Ministro de Finanças Oskar Lafontaine, dá o tom com discursos radicais demandando “liberdade por meio do socialismo” e o direito a chamar por greve geral (oficialmente as greves na Alemanha são legais apenas como parte de negociações coletivas). Lafontaine também reivindicou o fim do envio de tropas alemãs para o Afeganistão, a reversão dos cortes aos benefícios para o desemprego – conhecidos como a legislação Hartz – e o crescimento da idade de aposentadoria de 65 para 67 anos.
O lançamento deste partido e demandas como estas criam, obviamente, apoio e esperanças entre setores da classe trabalhadora. Pela primeira vez em vários anos, surgiu uma força parlamentar que não participa do coro neoliberal dos partidos pró-capitalismo. O novo partido tem a oportunidade de se basear no fato de que depois de anos de ataques agudos contra a classe trabalhadora é, mais do que nunca, necessário um autêntico e combativo partido anti-capitalista capaz de unir o povo da classe trabalhadora e ativistas dos sindicatos, movimentos sociais e diversos grupos de esquerda.
Mas, tal como foi visto com novos partidos de esquerda em outros países, o futuro deste novo partido não está assegurado. Na realidade, por trás dos discursos radicais de Lafontaine está uma situação muito mais complicada e contraditória. É questionável se o novo partido pode sobreviver às esperanças e expectativas que existem entre uma camada. Já existe ceticismo diante de A Esquerda, entre um setor da esquerda, ativistas sindicais e setores amplos de trabalhadores e da juventude.
Isto ocorre porque o componente dominante do novo partido, o L.PDS, não tem um histórico de lutar seriamente em defesa dos interesses da classe trabalhadora. Desde a reunificação da Alemanha, o PDS (Partido do Socialismo Democrático), descendente do antigo partido dominante na stalinista Alemanha Oriental, participou de governos regionais e locais junto com o SPD na região leste do país. Ele apoiou cortes sociais, privatizações, destruição de empregos e outras medidas contra a classe trabalhadora. Isto foi parte de uma estratégia geral dos líderes do PDS que enxergam a participação em governos de coalizão com o SPD como uma parte central de sua política. Agora esta política foi levada para o interior do novo partido, algo que possui graves perigos. No passado, esta abordagem resultou em uma aguda queda do PDS, até que ele foi resgatado por sua aliança eleitoral com o WASG em 2005.
Agora existe uma contradição óbvia entre a propaganda do A Esquerda em um nível nacional e as políticas que ele implemente nos níveis locais e regionais na Alemanha Oriental. O novo partido terá a chance de construir uma base substancial entre a classe trabalhadora apenas se ele não ingressar na lógica neoliberal em qualquer nível e se posicionar firmemente ao lado das massas e não conduzir a política do “mal menor”.
Infelizmente esta fusão começou com o WASG descartando o seu princípio mais importante, o de oposição a qualquer participação em governos que realizam cortes sociais ou privatizações. Muitos membros do WASG sabem que isto significou um giro à direita e somente uma minoria dos membros do WASG votaram a favor desta fusão em um referendo do partido. Esta é uma razão porque o lançamento de A Esquerda não produziu um partido dinâmico com debates internos lívidos e um acelerado crescimento de membros, tal como foi no caso da fundação do WASG em 2004. O SAV (Alternativa Socialista – CIO na Alemanha) foi contra esta fusão por causa das bases políticas em que foi conduzida. Nós argumentamos pela unidade de esquerda sobre uma base de princípios de políticas socialistas e da classe trabalhadora e reivindicamos que o WASG apresentasse como condições mínimas que serviriam como base para uma fusão com o L.PDS ser contra cortes, privatizações e medidas ofensivas à classe trabalhadora.
O novo partido será dominado pelo aparato de liberados e grupos parlamentares do antigo L.PDS na Alemanha Oriental e no Bundestag (parlamento nacional). O burocratismo limitará o apelo do A Esquerda para novos setores da classe trabalhadora e da juventude. Votar no A Esquerda é uma coisa, mas ingressar e se tornar ativamente envolvido é outra. Este é um outro fator que torna difícil ganhar uma maioria para idéias socialistas no A Esquerda e deixa um ponto de interrogação sobre o futuro do partido.
Lafontaine
Inicialmente o impacto público de A Esquerda foi formado pelos discursos radicais de seu principal líder público, Oskar Lafontaine. Em muitos discursos ele apresenta a “Questão da Propriedade e do Sistema”. Atualmente ele é a única grande figura na Europa defendendo o Socialismo.
Mas ele não é consistente e não está defendendo um claro programa socialista para romper com o capitalismo. Enquanto argumento que “as áreas chaves da economia devem estar sujeitas ao controle democrático e social” e reivindica que o setor energético deve ser propriedade estatal, Lafontaine não defende claramente a nacionalização dos principais monopólios e do setor bancário da economia. Ele também defende a continuação de uma economia de mercado.
De diversas formas, Lafontaine defende um retorno aos chamados anos dourados do capitalismo pós-guerra. Ele não se opõe fundamentalmente à propriedade privada dos meios de produção ou a uma economia baseada no mercado com a produção para o lucro. Esta política baseia-se no keynesianismo clássico. Isto significa uma política de forte intervenção estatal sobre a economia e de “fortalecimento do poder de compra da população trabalhadora”. Ele espera que por meio de uma economia alemã mais regulada ocorra um retorno aos tempos de grande crescimento econômico, elevação de salários e de padrões de vida. Na era atual de globalização capitalista, queda capitalista e aguda competição mundial, é uma ilusão pensar que seja possível voltar ao período de crescimento da economia pós-II Guerra Mundial com a elevação duradoura de padrões de vida. Sem a perspectiva de romper com o capitalismo, os políticos pró-keynesianos, ao fim, participam de políticas contra a classe trabalhadora de cortes sociais e de privatização quando eles estão em governos capitalistas.
Mas o efeito decisivo do papel de Lafontaine no momento é o de ele ter impulsionado o debate público na Alemanha para a esquerda. Por causa disto, e do crescimento de A Esquerda nas pesquisas de opinião, ele foi sistematicamente atacado pelos políticos mais consolidados e por setores amplos da mídia.
Isto já criou atritos dentro da direção do novo partido. Elementos dominantes na direção do setor do L.PDS da Alemanha Oriental já vem aceitando, por um longo período, a lógica neoliberal e está preparado para participar em quase todos os ataques sobre a classe trabalhadora nos níveis locais e regionais. Porém, o setor em volta de Lafontaine tende, ao menos nas palavras, a fazer oposição a cortes enquanto defende políticas de estilo keynesiano.
Isto pode resultar em algumas diferenças de opinião abertas. Porém, as afirmações de Lafontaine deixam claro que em questões como a coalizão SPD/L.PDS em Berlin e a participação em governos em geral não existem diferenças fundamentais entre ele e a elite do L.PDS. Lafontaine periodicamente aparece com afirmações críticas sobre as políticas do governo da cidade de Berlin, mas na situação decisiva das eleições regionais de setembro de 2006 ele se recusou a apoiar os candidatos anti-cortes do WASG de Berlin. Ao invés disso, Lafontaine chamou voto no L.PDS e apoiou a continuação de um governo de coalizão com o SPD.
Lafontaine também afirma claramente que o seu objetivo é formar um governo estadual junto com o SPD local em Saarland depois das próximas eleições federais em 2007. Até o momento ele não apresentou nenhuma condição para tal aliança regional.
Mas nacionalmente Lafontaine criou certa movimentação quando ele ofereceu apoio ao SPD se este rompesse com a sua coalizão federal com o CDU (Democratas Cristãos) e formasse um governo em torno de uma série de condições. Estas condições incluíam a remoção das tropas alemãs do Afeganistão, a retirada das mais duras “reformas” contra desempregados e a introdução de um salário mínimo. Mas estas condições ainda abriam espaço para várias interpretações divergentes e não afirmavam claramente o que o antigo WASG sempre afirmou: participar de um governo é somente uma opção se isto não levar a quaisquer cortes sociais, privatizações, etc.
Todavia, Lafontaine é visto por muitos como alguém que está à esquerda da direção do velho L.PDS. Estes ativistas o apoiarão, criticamente se necessário, quando surgirem conflitos entre ele e forças mais à direita.
Efeitos nos sindicatos
O novo partido foi formado durante um tempo de crescentes tensões de classe e um aumento de greves pelos trabalhadores alemães. O último ano viu o maior número de dias de trabalho “perdidos” por greves desde 1995, apesar de que os números ainda são reduzidos em comparação com outros países.
Porém, as políticas das direções sindicais levaram as mais recentes batalhas para derrotas ou compromissos podres. Este foi o caso com a greve dos trabalhadores da Telekom. A direção sindical concordou com um “acordo” de diminuição de 6,5% dos salários e um prolongamento das horas de trabalho de quatro horas a mais por semana. A política de “co-gestão” entre patrões e funcionários sindicais são cada vez mais questionadas pelas bases dos sindicatos, assim como a ligação entre os sindicatos e a social democracia. Esta não é uma ligação formal, tal como na Inglaterra, entre sindicatos e o Novo Trabalhismo, mas uma ligação política que se manifesta no fato de que a maior parte dos líderes sindicais são membros do SPD e de reuniões regulares entre as direções sindicais que ocorrem no “conselho sindical” do SPD. Esta ligação está se tornando cada vez mais frágil, na medida em que sindicalistas reivindicam por uma política do SPD mais combativa e com o crescimento de vários quadros médios sindicais que se tornaram membros do WASG e agora estão no A Esquerda.
Este efeito que o WASG e A Esquerda tiveram sobre os sindicatos, reflete o caráter contraditório do novo partido. O seu programa, a sua estratégia, a sua estrutura partidária e a composição de sua direção tornam improvável que este partido evolua para uma posição mais a esquerda. Também não é provável que ele se torne uma verdadeira alternativa para trabalhadores e jovens, atraindo uma nova camada de ativistas e setores mais amplos da população. Ao mesmo tempo, neste momento, ele é a única alternativa política viável para a esquerda dos partidos burgueses e consolidados. Entretanto, está claro que ele terá ganhos, ao menos, no nível eleitoral. Junto com isto, na Alemanha Ocidental o novo partido não está envolvido em qualquer governo federal ou local e, portanto, é mais visto como uma força de esquerda e de oposição. É possível que uma camada de ativistas no Oeste apóie A Esquerda e chegue mesmo a ingressar nele.
Desde a fusão, 3 mil novos membros ingressaram no partido, apesar de não estar claro qual é a origem deles. Alguns podem estar procurando por posições ou mesmo carreiras, enquanto outros serão ativistas genuínos dos sindicatos e dos movimentos sociais. Outros poderiam ter vindo do SPD e do Partido Verde. Isto provavelmente mostra que há uma camada de ativistas e trabalhadores que têm esperanças no A Esquerda. Porém, este crescimento no número de membros não é especialmente grande se comparado, por exemplo, com as dezenas ou centenas de milhares que ingressaram no antigo SPD, quando este ainda era um partido com trabalhadores em sua base, no início dos anos 70 e 80. O crescimento inicial de A Esquerda também é pequeno se comparado com os 6 mil que rapidamente ingressaram no WASG após o seu lançamento em 2004 – quando ele não tinha atuação parlamentar e Lafontaine não estava envolvido.
Entretanto, os membros do SAV responderão de uma forma flexível e de acordo com a situação, levando em conta as esperanças que alguns possuem no A Esquerda. Isto significa que os membros do SAV não ingressaram no A Esquerda em Berlin e na Alemanha Oriental, já que o partido tem poucos membros ativos devido às medidas anti-classe trabalhadora que ele ajudou a implementar em dois governos regionais e vários governos locais. Junto com isto, ele não participa, em geral, das lutas dos trabalhadores ou de movimentos sociais mais amplos. No Ocidente, os membros do SAV em geral ingressaram no novo partido e defendem um programa socialista e políticas de luta para o partido.
Junto com outras forças anti-capitalista e de oposição interna e externa à A Esquerda, o SAV está participando de um chamado de uma conferência nacional da oposição em 14 de outubro. Esta conferência discutirá a construção de uma rede das forças dentro e fora do novo partido. Nós entendemos que A Esquerda é uma força que não pode ser simplesmente ignorada por causa da política de sua direção. Esta rede de oposição precisa discutir propostas para campanhas e políticas dirigidas tanto para os membros de A Esquerda e setores mais amplos que o apóiam. Tal rede de oposição deve ser claramente anti-capitalista e estar preparada para apoiar claras alternativas de esquerda no nível eleitoral como uma alternativa ao A Esquerda. Isto pode ser necessário onde A Esquerda já, como participante de governos locais ou regionais, atacou os interesses da classe trabalhadora.
A seção alemã da Tendência Socialista Internacional (IST, cuja maior organização é o Partido Socialista dos Trabalhadores na Inglaterra), Linksruck, teve um papel negativo no WASG durante os últimos dois anos. Começando com a posição de que era um equívoco mencionar o “socialismo” como um objetivo, o Linksruck terminou apoiando politicamente os elementos mais à direita do WASG. Isto se transformou em uma aliança aberta com as forças mais burocráticas, na medida em que Linksruck defendeu a linha da direção. Isto incluiu apoio total para medidas administrativas como a tentativa de expulsar o “rebelde” comitê regional do WASG de Berlin em 2006. Eles chamaram as pessoas para votar no L.PDS nas eleições regionais de Berlin e ficaram completamente subordinados a Lafontaine com a esperança de ganhar com o perfil de “esquerda” deste. Eles foram recompensados por isto ganhando uma posição no Comitê Executivo Nacional do A Esquerda para sua principal porta-voz, Christine Buchholtz. O Linksruck nunca foi uma força de oposição no WASG.
Atualmente o Linksruck oficialmente se dissolveu como organização independente e defende que todas as forças devem se concentrar na construção do partido A Esquerda. Esta decisão reflete um processo de liquidacionismo político nesta organização. Porém, eles não se dissolveram realmente, mas apenas afrouxaram – e certamente continuarão a afrouxar – as suas próprias estruturas. Isto não apenas resultará em uma situação na qual a tomada de decisões se tornará ainda menos democrática, mas também à inexistência de verdadeiros núcleos de base – o que poderia, em teoria, controlar a direção e influenciar o curso da organização.
Linksruck lançou uma nova revista, “Marx21”, e defendeu a construção de uma nova “rede marxista” dentro do A Esquerda. A sua abordagem nisto não é sériá. Primeiramente, Linksruck sempre apresentou-se como uma “rede” (então, o que há de “novo” nisto?) e, em segundo lugar, eles lançam uma revista em que eles publicam um rascunho de manifesto para a nova rede e um convite para um primeiro congresso público no outono, antes de chamar outras forças para discutir a construção de uma verdadeira rede.
Berlin
A organização regional do WASG em Berlin não participou da fusão dos dois partidos. Depois de suas candidaturas independentes em Setembro de 2006, que receberam mais de 50 mil votos e da eleição de 14 conselheiros (algo próximo do que seriam os vereadores no Brasil, N. do T.), todas as tentativas da direção nacional e da minoria pró-fusão em Berlin de ganhar uma maioria entre os membros do WASG em Berlin falharam.
Porém as forças da maioria também foram fragilizadas com alguns indivíduos formando pequenos grupos ou abandonando a atividade política, ainda que os grupos políticos mais influentes e membros do WASG (SAV é um dos grupos anti-capitalistas e a maioria do comitê regional) lançaram uma nova organização política para Berlin chamada BASG (que defende a Alternativa de Berlin para a Solidariedade e a Luta). Na primeira reunião pública do BASG em meados de Junho, diversos líderes sindicais participaram, incluindo o líder do Conselho dos trabalhadores públicos de Berlin e dois importantes representantes sindicais dos maiores hospitais de Berlin. Isto reflete algumas raízes e a autoridade criados pelo WASG Berlin e que foram aproveitados pelo BASG.
O BASG é a continuação política do WASG Berlin. Foi fundado a partir de um programa de ação contra cortes sociais, privatizações, etc., por uma semana de trabalho de 30 horas, sem redução de salário, por um salário mínio de 10 euros/hora e também demandas como oposição ao envio de tropas alemãs para o exterior e um “Não” à constituição da União Européia. O BASG realizará um debate sobre o seu programa político nos próximos meses, no qual os membros do SAV defenderão um claro perfil anti-capitalista para esta nova organização.
A permanente política anti-classe trabalhadora do governo berlinense do SPD/A Esquerda dará as bases para movimentos e lutas de oposição dos trabalhadores contra esta administração. Estas também serão as bases do BASG, ficando ao lado do histórico de campanhas do antigo WASG Berlin e tendo a vantagem da popularidade de Lucy Redler, (membro da direção do SAV) e outros para construir essa organização, ter um papel na esquerda e nos movimentos sociais na cidade e preparar uma lista eleitoral de esquerda para as próximas eleições.
O SAV em Berlin já se fortaleceu com lutas anteriores junto com vários e novos membros ativos e com uma crescente influência em alguns locais de trabalho. O SAV construirá a sua própria organização e, junto com isto, auxiliará na construção do BASG como uma alternativa de esquerda ampla em Berlin, ao mesmo tempo em que ficará atento para os desdobramentos nacionais dentro e em torno do A Esquerda.