10 meses de guerra que abalaram o mundo
10 efeitos de um conflito histórico
A véspera de Natal, 24 de dezembro, marca 10 meses desde que a Rússia de Putin lançou sua invasão da Ucrânia. Para o povo da Ucrânia, isso significou um inferno na terra, atualmente com um inverno escuro e frio com constantes ataques de mísseis.
Não há sinais de que as hostilidades estejam chegando ao fim. Pelo contrário, a maioria dos indícios apontam para novas ofensivas bélicas no início de 2023.
A guerra acelerou e aprofundou todas as crises do mundo. A fome, a militarização e o declínio econômico mais profundo seguiram seu rastro.
Aqui estão 10 efeitos da guerra.
1. O inferno na Ucrânia
De acordo com a ONU, 7,8 milhões de refugiados foram forçados a fugir da Ucrânia desde o início da guerra, e aproximadamente o mesmo número se refugiaram dentro das fronteiras do país. Isso é mais de um terço de uma população de 43 milhões de habitantes.
Acredita-se que mais de 100 mil pessoas tenham sido mortas. Os militares estadunidenses afirmaram que mais de 100 mil soldados foram mortos ou feridos de ambos os lados. O órgão de direitos humanos da ONU diz que quase 7 mil civis foram mortos, mas é provável que o número seja muito maior.
Mariupol, uma cidade com mais de 400 mil habitantes em fevereiro, foi totalmente destruída pela artilharia e mísseis antes da Rússia tomar posse em maio, após meses em que aqueles que não tinham tido tempo de fugir viviam em porões sem água, eletricidade ou aquecimento.
Em 10 de outubro, começaram os ataques regulares e agora dominantes da Rússia à infraestrutura e a alvos civis. Entre 50 e 100 mísseis são disparados diariamente. Várias vezes, metade da Ucrânia sofreu cortes de energia depois que usinas e instalações elétricas foram atingidas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 hospitais foram atingidos por ataques.
2. A Rússia em guerra
Durante o primeiro mandato de Putin no poder, a Rússia foi aliada das potências ocidentais, inclusive militarmente. Grandes empresas como IKEA, McDonalds, Toyota e Renault, assim como os principais bancos do mundo, todas se estabeleceram na Rússia. O gás e o petróleo russos dominavam a Europa.
2007 foi um ponto de inflexão, quando a OTAN declarou a Ucrânia e a Geórgia como países candidatos. Putin respondeu com uma guerra contra a Geórgia. Isto foi seguido por ataques à Ucrânia em 2014, e pelo apoio militar decisivo da Rússia ao regime de Assad na Síria. Enquanto isso, na Rússia, o descontentamento cresceu contra a crescente pobreza, cortes na saúde e uma repressão cada vez mais severa. A ação militar e a propaganda foram usadas para desviar o descontentamento.
A guerra de 2022 não tem apoio de massas. Os primeiros protestos contra a guerra em fevereiro-março foram, portanto, enfrentados com uma repressão brutal. A resposta das potências ocidentais – sanções semelhantes à guerra – foi indiscriminadamente dirigida também contra a população.
No entanto, a retração econômica resultante não foi de 30%, como pensavam alguns economistas, mas de 3,5%, já que as receitas de petróleo e gás continuaram a fluir. Mas o desemprego aumentou e a guerra está custando somas enormes, enquanto mais e mais indústrias estão sofrendo com a falta de tecnologia importada.
3. O grande fiasco de Putin
Da expectativa inicial de uma rápida vitória militar sobre a Ucrânia, o exército russo foi forçado a três grandes retiradas: das áreas ao norte de Kiev em março-abril, da região de Kharkiv em setembro e de Kherson em novembro.
No início da guerra, a ofensiva russa foi surpreendida pela resistência ucraniana. O moral de luta das tropas ucranianas era alto, ao contrário dos russos. A Ucrânia tinha a segunda maior artilharia da Europa – depois da Rússia – e quantidade soldados que haviam passado por um extenso treinamento desde 2014, muitas vezes sob a orientação de oficiais do Ocidente.
Tendo inicialmente aconselhado o Presidente Zelensky a sair do país, o imperialismo estadunidense e seus aliados agora intervieram diretamente na guerra. Isto se tornou crucial quando as munições originais da artilharia ucraniana começaram a se esgotar.
A resposta de Putin aos reveses militares foi primeiro os falsos “referendos” em quatro regiões que foram posteriormente declaradas como sendo russas “para sempre”. Isto foi seguido pela mobilização de mais 300 mil recrutas Isto, por sua vez, levou a novos protestos e a mais 100 mil pessoas deixando a Rússia. Putin está sob pressão de beligerantes, que não descartam o uso de “armas nucleares táticas”, enquanto o descontentamento da população em uma determinada situação pode levar a protestos de massas. O regime de Putin está muito abalado e, portanto, particularmente perigoso.
4. As linhas do front do inverno 2022-23
Depois de quase 10 meses de guerra, ela está longe de ter terminado. Muitos analistas, incluindo a liderança militar ucraniana, esperam uma ofensiva russa no primeiro trimestre de 2023. Tanto altos funcionários militares russos quanto o próprio Putin estão visitando Belarus em dezembro, possivelmente planejando usar o país como base para novos ataques.
Há mais de seis meses, lutas ferozes estão acontecendo em torno da cidade de Bakhmut, na região de Donetsk. Tropas russas lideradas pelo grupo semiprivado Wagner têm se aproximado lentamente da cidade.
Os militares da Ucrânia prefeririam continuar sua ofensiva para o sul, para cortar a rota terrestre da Rússia para a Crimeia. Mas as tropas russas têm múltiplas linhas de defesa na região, e o resultado é incerto. Os militares ucranianos advertem que a Rússia está treinando suas novas tropas mais rapidamente do que a Ucrânia.
Nenhum dos lados aceitará um acordo de paz neste momento. Zelensky reitera agora que o objetivo é retomar a Crimeia, onde uma grande parte da população aceitou o domínio russo como fato consumado, e diz que 95% da população ucraniana quer continuar até que as tropas russas sejam expulsas ou retiradas. Para Putin, não há possibilidade de admitir nem mesmo uma derrota parcial.
5. A segunda Guerra Fria
A guerra marca uma nova era, quando a rápida globalização do capitalismo está sendo substituída pelo aumento do nacionalismo e a desglobalização. De aliados econômicos do Ocidente, a Rússia e ainda mais a China evoluíram para os principais inimigos do imperialismo dos EUA. O conflito entre as grandes potências imperialistas é sobre economia, tecnologia, matérias-primas e poder, e está assumindo um caráter cada vez mais militar. Há uma corrida armamentista militar entre as alianças militares dos EUA, incluindo a OTAN, e a ditadura capitalista nacionalista da China.
Para o imperialismo estadunidense, a guerra ucraniana é uma oportunidade para punir e conter a Rússia, para advertir o imperialismo chinês e para assumir claramente a liderança militar sobre o bloco ocidental. É uma guerra para beneficiar o imperialismo estadunidense, mas sem soldados dos EUA no terreno. Os países da OTAN aumentaram suas despesas militares em centenas de bilhões de euros, só a Alemanha em 100 bilhões de euros.
A ditadura de Xi Jinping, que pouco antes da guerra proclamou uma aliança sem limites com a Rússia, está preocupada com o resultado militar até agora e com o risco de sanções em uma época de crises sem precedentes na própria China.
A guerra acelera o ritmo da divisão do mundo em dois blocos. Mas ao contrário da propaganda de que se trata de “democracias contra ditaduras”: na verdade, é uma luta pelo poder global na qual, como tantas vezes antes, os EUA não têm nenhum problema em se aliar a regimes autoritários.
6. A resposta do imperialismo ocidental
É neste contexto que deve ser visto o apoio militar estadunidense e ocidental da Ucrânia. De acordo com o Secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, a ajuda militar estadunidense entregue à Ucrânia até novembro totalizou 18,6 bilhões de dólares. Isso é mais de quatro vezes o próprio orçamento militar da Ucrânia. A ajuda total dos EUA à Ucrânia (incluindo assistência humanitária e financeira) até novembro foi de pouco menos de 50 bilhões de dólares, enquanto a ajuda da União Europeia (UE) em dezembro subiu para um total de 52 bilhões de euros.
Como Zelensky já assinalou muitas vezes, este apoio tem sido militarmente crucial. Mas o dinheiro também vem com condições: a UE defende regras econômicas rigorosas para a Ucrânia.
7. Catástrofes de fome
Com a Ucrânia e a Rússia sendo grandes exportadores de grãos, óleo de cozinha e fertilizantes, a guerra teve consequências devastadoras, apesar de um acordo para retomar exportações limitadas da Ucrânia. Os preços dos alimentos mais do que dobraram em vários países pobres. Especialistas advertem que mais pessoas podem morrer de fome do que em qualquer um momento dos últimos 50 anos. Na Somália, por exemplo, cerca de metade da população – 7 milhões de 16 milhões – precisa de ajuda alimentar para sobreviver. Mas as agências da ONU que deveriam distribuir alimentos cortaram as rações pela metade, já que os governos dos países mais ricos não investiram o dinheiro necessário.
8. Refugiados
Refugiados da Ucrânia foram recebidos de braços abertos pelo povo da Europa quando a guerra começou. A UE usou regras especiais para conceder autorização de residência. Mas, como em 2015, quando muitos refugiados chegaram à Europa, os governos e a UE agora estão cortando a ajuda. Em meio a uma crise econômica, aqueles que fugiram estão enfrentando condições cada vez piores – e as coisas estão ainda mais piores para aqueles que fogem de guerras e desastres na África, Ásia ou Oriente Médio.
9. Guerra ao clima
A guerra também está atingindo o clima e o meio ambiente, tanto na Ucrânia quanto globalmente. As importações de gás e petróleo da Rússia devem agora ser substituídas pelo aumento da produção no resto do mundo, incluindo a energia a carvão. Ao mesmo tempo, a guerra também tem ajudado por um tempo a reduzir a luta contra a crise climática.
10. O resultado da guerra
A guerra é um produto de crescentes contradições e crises no sistema capitalista. Seus políticos, exércitos e investidores carecem de soluções e se voltam uns contra os outros, mas ainda mais contra o povo trabalhador internacionalmente. O dinheiro que falta para acabar com a fome e os desastres ambientais, para recuperar a saúde e apoiar os refugiados, vai em vez disso para a guerra e para um punhado de pessoas extremamente ricas.
Um acordo de paz ou cessar-fogo para a Ucrânia proporcionaria algum respiro, mas também daria espaço a todos os lados para recarregar para uma continuação da guerra. Os trabalhadores e os pobres na Ucrânia, na Rússia e no resto do mundo pagariam o preço.
Na ausência de um movimento de trabalhadores independentes na Ucrânia, a vontade de combater a invasão tem levado até agora a um forte apoio ao governo de direita de Zelensky. Trabalhadores e jovens precisam construir um movimento independente para se defenderem contra a invasão, lançar um apelo de classe aos soldados russos que esmagadoramente não querem estar lá e se mobilizar contra os ataques do governo aos direitos sindicais, privatizações e muito mais. Na Rússia, é necessário um novo movimento democrático de trabalhadores e da esquerda contra a ditadura capitalista de Putin e contra a guerra, pelos direitos democráticos e contra os aumentos de preços. As potências dos EUA e do Ocidente não estão do lado dos trabalhadores em nenhum país.
O movimento de trabalhadores, a esquerda e os ativistas de base em todos os países precisam lutar juntos contra a guerra, a exploração e por melhores condições de vida. Isso significa uma luta contra o capitalismo e todas as potências imperialistas.