Grécia: Terremoto político leva a colapso dos partidos pró-austeridade
Entrevista com Andros Payiatsos, do Xekinima (seção do CIT na Grécia), após as recentes eleições na Grécia, em que dois terços dos eleitores votaram contra os partidos que defendem a política de austeridade e os partidos de esquerda fizeram grandes avanços.
Os resultados das eleições parlamentares na Grécia foram um terremoto político, um repúdio esmagador dos partidos pró-austeridade e à “troika” (Fundo Monetário Internacional, União Europeia e Banco Central Europeu). Isto depois de anos de medidas de austeridade que levaram a um colapso nos padrões de vida, 51% de jovens desempregados e pobreza crescente.
Os partidos da coalizão do governo anterior sofreram um colapso massivo em seu apoio. O partido conservador tradicional, a Nova Democracia, caiu de pouco mais de 33% em 2009 para 18,85% (108 deputados, que inclui o bônus de 50 deputados recebido pelo maior partido, de acordo com a lei eleitoral grega). O PASOK, o partido socialdemocrata tradicional, caiu de 43,9 % nas últimas eleições para 13,18% (41 deputados). Nas últimas três décadas, o voto combinado dos dois partidos “dominantes” variou entre 75% e 85%. Laos, o pequeno de direita que se juntou a Nova Democracia e o PASOK na coalizão de austeridade durante alguns meses, perdeu todos os seus deputados.
Os maiores ganhos foram para a Syriza (Coalizão da Esquerda Radical), que passou de 4,6% para 16,78% (52 deputados). O Partido Comunista (KKE) ganhou 8,48% (26 deputados). A Esquerda Democrática, que rompeu com Syriza em 2010 numa linha mais à direita, mas que também atacou os cortes de austeridade, obteve 6,1%.
Esse crescimento da esquerda mostra o enorme potencial para uma alternativa socialista audaz para a crise capitalista e os cortes de austeridade.
No entanto, o que dever servir como um aviso para o movimento dos trabalhadores, o partido neofascista Aurora Dourada, explorando o sentimento anti-cortes e o tema da imigração, obteve 6,97%. Pela primeira vez, este partido de extrema direita entrou no parlamento, com 21 deputados. O Gregos Independentes, uma recente cisão de uma ala da direita nacionalista da Nova Democracia, também entrou parlamento, com 10,6% (33 deputados).
Embora os resultados eleitorais revelarem uma polarização entre a esquerda e a direita, muitos trabalhadores e jovens não viram uma alternativa viável e simplesmente se abstiveram de votar em qualquer partido. A abstenção foi muito maior que o previsto, um recorde de 35%, e os votos em ”branco” e “nulos” foi de 2,4%.
Por que a Syriza ganhou tantos votos?
A Syriza ganhou apoio ao longo das duas últimas semanas da campanha eleitoral, principalmente apelando por um “governo de esquerda” contra o “memorando” (exigindo cortes em troca de empréstimos) da Troika.
Os militantes do Xekinima foram os primeiros a reivindicar uma “frente única” da esquerda e por um voto nos partidos de esquerda ao longo dos últimos meses. Ao contrário dos líderes da SYRIZA, o Xekinima não defendia uma “renegociação” das severas medidas de austeridade, mas sim que um governo de esquerda que levasse a cabo um programa para defender o povo trabalhador. Isso incluiria cancelar a dívida pública, suspender todos os cortes, nacionalizar os principais bancos e indústrias, sob controle e gestão democráticos dos trabalhadores, e lutar por uma Europa socialista, ao invés da União Europeia dos patrões – rompendo com os ditados pela Troika e pelo capitalismo em geral.
As outras forças principais da esquerda na Grécia, o Partido Comunista (KKE) e Antarsya (Cooperação da Esquerda Anticapitalista), ambos tomaram uma atitude sectária e rejeitaram a proposta da Syriza de “unidade da esquerda”. Se a esquerda tivesse formado um bloco eleitoral, eles iriam provavelmente estar agora em posição de poder formar um governo! Com o anseio de milhões de trabalhadores por um governo de esquerda ant-cortes, o KKE e Antarsya pagaram caro por sua postura nas eleições. Seus votos permaneceram praticamente estagnados: o KKE cresceu apenas 1% (menos de 19 mil votos) para 8,48% (26 deputados) e Antarsya terminou em 1,19%, sem deputados.
Vão conseguir formar um novo governo?
Sob a Constituição grega, a Nova Democracia, como o maior partido, foi dada três dias para tentar formar um novo governo. Mas seu líder, Antonis Samaras, anunciou na segunda-feira depois de apenas algumas horas que o seu partido havia falhado em sua tentativa de criar um “governo de salvação nacional”.
Dado o inequívoco veredicto anti-austeridade do eleitorado, nenhum partido que entraria em um governo de coalizão pode fazê-lo sem, pelo menos, se comprometer a renegociar o “memorando” com a Troika.
A Troika pode estar preparado para voltar a negociar sobre aspectos do memorando e fazer algumas concessões menores. Mas a Troika não vai concordar em acabar com as demandas centrais de pagamentos enormes da dívidas da Grécia, que só pode vir à custa de cortes ainda maiores às políticas de bem-estar social, empregos e padrões de vida. A questão da participação grega na zona do euro e até mesmo na UE, muito provavelmente, será rapidamente colocada em pauta.
A política grega está entrando em águas muito turbulentas. O convite para formar um governo passou para Syriza, como o segundo partido. Se ele falhar, a iniciativa vai ao PASOK, e se isso falhar o presidente grego pode tentar montar uma coalizão.
A força combinada no parlamento da Syriza e do KKE, mesmo em conjunto com a Esquerda Democrática, não é suficiente para formar um governo de maioria, e, até hoje, o KKE se recusou a aceitar a proposta do Syriza.
A falha em formar um novo governo levaria a novas eleições. A classe dominante tem razões adicionais para temer esta perspectiva, com a perspectiva provável da Syriza se tornando o maior partido parlamento.
O que a esquerda deve fazer agora?
Alexis Tsipras, o líder Syriza, disse que vai se esforçar para formar uma “coalizão de esquerda” para rejeitar as “bárbaras” medidas associadas com o acordo de resgate da UE/FMI.
Xekinima (seção do CIT na Grécia), apóia a convocação de um governo de coalizão de esquerda, mas deve ser um governo totalmente comprometido a se opor a todos os cortes de austeridade e à UE dos patrões, rejeitando o pagamento da dívida e implementando uma política em prol dos trabalhadores, não ‘renegociando’ ‘cortes mais leves’ e condições ‘mais generosas’ para o pagamento da dívida, que ainda significaria um rebaixamento do padrão de vida dos gregos. A liderança da Syriza deve se opor a qualquer coligação ou cooperação com os partidos dos patrões, o que seria uma armadilha desastrosa.
Há agora uma grande oportunidade para a Syriza apresentar um programa por um governo dos trabalhadores. É verdade que, de acordo com a aritmética parlamentar, a esquerda não tem deputados suficientes para formar tal governo. Além disso, a liderança do Partido Comunista Grego, até agora, se recusou a cooperar com o Syriza. Mas vai haver uma enorme pressão dos sindicalistas, dos ativistas de movimentos sociais e das bases do KKE e Syriza, insistindo que ambas as partes rejeitem qualquer sectarismo e ao mesmo tempo, qualquer política de ‘cortes amenos’ baseadas em austeridade ‘renegociada’. Ativistas do movimento dos trabalhadores querem unidade pra valer da esquerda, preparando o terreno para formar um novo governo da esquerda no futuro próximo.
Um programa para unir a Syriza e KKE em torno de uma oposição a todas as medidas de austeridade e os ditames da UE, pelo cancelamento da dívida e a nacionalização dos principais bancos e indústrias sob controle democrático dos trabalhadores e por uma mudança socialista, como a base para um governo dos trabalhadores, ganharia amplo apoio da classe trabalhadora, juventude e setores arruinados da classe média. Iria inspirar um ressurgimento da ação das massas nos locais de trabalho e comunidades.
Se for feita uma tentativa para formar mais uma coalizão pró-cortes, baseado no PASOK e ND, o movimento de esquerda e de trabalhadores, precisa organizar a oposição em massa, incluindo greves gerais e ocupações nos locais de trabalho, para impedir tais tentativas, que não têm mandato.
A eleição da semana passada deixa claro que um governo de maioria de esquerda é possível. Se novas eleições ocorrerem em junho, os partidos de esquerda terão uma grande oportunidade de ganhar uma maioria. Isto requer que os partidos de esquerda adotem políticas socialistas – rejeitando o pagamentos da dívida e lutando para romper com a UE dos patrões e o sistema de lucros. Significa, também, uma forte frente unida da esquerda e do movimento dos trabalhadores contra a ameaça dos neofascista e da extrema direita.
Se a esquerda não consegue oferecer uma alternativa socialista viável, a extrema-direita pode parcialmente preencher esse espaço e crescer, e a classe dominante também procurará implantar medidas mais autoritárias contra o movimento dos trabalhadores que resistem aos cortes.