Avanço de Corbyn mostra o espaço para a esquerda combativa

O resultado das eleições britânicas é um novo terremoto político no contexto volátil que caracteriza a situação mundial, ainda marcada pelos efeitos da crise econômica que começou em 2007. A eleição confirma o cenário de polarização social, com um crescente espaço que para uma esquerda socialista. O manifesto radical de Jeremy Corbyn, do Labour (Partido Trabalhista) entusiasmou uma nova geração e sua campanha mobilizou milhares a grandes comícios, enquanto a premier conservadora, Theresa May, do Tories (Partido Conservador), recusava a enfrentar Corbyn nos debates.

Apesar de não ter ganho as eleições, o resultado do Labour mudou o cenário político. O aumento em 9,5% dos votos para Labour é o maior desde 1945. “Mr Corbyn revolucionou a esquerda britânica”, como diz a revista The Economist.

A tentativa da premier conservadora, Theresa May, de aumentar sua maioria no parlamento, através de eleições antecipadas, fracassou totalmente. Os Tories perderam sua maioria e só poderão continuar a governar com apoio de um pequeno partido reacionário da Irlanda do Norte, o DUP. Será um governo frágil, longe do “forte e estável”, que era o seu lema.

Theresa May contrariou sua promessas explícitas que não iria convocar eleições antecipadas, o seu mandato só terminaria em 2020. Porém, numa situação onde ela estava mais de 20% a frente do Labour nas pesquisas, ela decidiu lanças novas eleições na perspectiva de aumentar a sua maioria frágil de somente 12 mandatos, de um total de 650. O resultado foi o oposto.

A campanha de Theresa May era totalmente baseada em sua figura, a “forte e estável”, como se fosse uma campanha presidencial, e em cima do tema do Brexit (a saída da Grã Bretanha da União Europeia, votada em referendo no ano passado). Porém, seu programa eleitoral não tinha nada a oferecer ao povo trabalhador, cansado de cortes e austeridade.

Austeridade sem fim

Os Tories propunham novos ataques, como privatização do sistema de saúde, cortes na educação (com fim da merenda escolar, por exemplo) e uma taxa sobre o cuidado que idosos recebem em suas casas. Essa última proposta causou tanta revolta, que Theresa May teve de voltar atrás, após alguns dias. Segundo a proposta, os idosos que não teriam como pagar a taxa, ficariam devendo e essa dívida seria paga pelos filhos após sua morte, e se os filhos, por sua vez, não pudessem pagar, seria pago com a venda da casa do idoso!

Os Tories propunham também uma continuidade da política de arrocho salarial. A perspectiva é que os salários só voltarão ao nível pré-crise, de 2007, em 2022. Segundo uma pesquisa, a década 2010-2020 deve ser a pior para os salários no país em 210 anos, quer dizer, desde o começo do século XIX!

Os Tories calculavam com um aumento de votos com o declínio do UKIP, partido racista e de direita, que perdeu espaço após a vitória do Brexit. UKIP foi, de fato, praticamente apagado, recuando de 12,7% para 1,8%. Isso explica quase todo o crescimento dos Tories nessas eleições. Contavam também com que a divisão interna do Labour e que a barragem de ataques ao Jeremy Corbyn fosse o deixa-lo incapaz de responder e montar uma campanha eleitoral eficaz.

Efeitos reais do Brexit

Muitos da esquerda compartilhavam uma visão de hegemonia da direta, com uma leitura unilateral e superficial do que representou a vitória do Brexit. As seções do CIT na Grã Bretanha (Socialist Party na Inglaterra e País de Gales, Socialist Party na Irlanda do Norte e Scottish Socialist Party na Escócia), colocaram, desde antes do referendo sobre o Brexit, que havia um espaço para a esquerda, baseado na revolta contra a austeridade.

A esquerda, incluindo Jeremy Corbyn, se posicionou historicamente contra a União Europeia, uma união baseada na política neoliberal, para atacar os direitos dos trabalhadores. Essa oposição pela esquerda, contra o racismo e por um verdadeiro internacionalismo, ficou sem referência nacional no referendo, já que Jeremy Corbyn, pressionado pela direita do Labour, assumiu uma posição pelo “remain” (permanecer na União Europeia). Assim a direção “oficial”, construída pela mídia, da campanha pelo Brexit, ficou nas mãos da direita xenófoba do UKIP, e figuras dos Tories como Boris Johnson, ex-prefeito de Londres, visto como o “Trump britânico”.

Ainda assim, o resultado do Brexit não foi uma vitória da direita, pelo racismo e nacionalismo. Embora houvesse uma camada que tenha votado pela direita, o que foi seguido por um aumento de ataques racistas inicialmente, o fator mais decisivo foi a revolta contra a elite.

Por isso, quando alguns defendiam que a Grã Bretanha estava vivendo o que no Brasil se chama a “onda conservadora”, o CIT colocava que a derrota de Cameron (que era o premier dos Tories na época e que defendia permanecer na União Europeia) no referendo abriria para sua renúncia, as perspectivas para novas eleições e a possibilidade de vitória para Corbyn. Não só Cameron renunciou, mas também o líder do UKIP, e Boris Johnson não foi capaz a assumir a liderança dos Tories, que ficou com Theresa May.

Guerra civil interna no Labour

A direita do Labour, que tem a maioria dos parlamentares, tentaram um golpe interno e chamaram novas eleições, pensando que a vitória inesperada de Corbyn como líder do partido em 2015 era um acidente que não se repetiria, especialmente após a vitória do Brexit. Pelo contrário, novamente vimos uma onda de apoio a Corbyn, com uma nova onda de filiações ao Labour que o tornou o maior partido da Europa ocidental, especialmente de jovens que se engajaram para defender seu programa radical. O resultado foi uma nova vitória do Corbyn, agora com uma margem ainda maior contra o candidato da direita.

Porém, os vacilos de Corbyn e seus apoiadores colocou em risco sua situação. Ele ganhou a liderança do partido no voto direto entre os filiados, mas a estrutura partidária permanece nas mãos da direta do partido, que liderados por Tony Blair transformaram Labour em uma versão britânica dos Democratas estadunidense. Desde 2015, o partido vive uma guerra civil interna e atua com dois partidos na prática. Infelizmente, Corbyn não tem agido para derrotar definitivamente, através de uma democratização do partido, a ala de direita, que desde o começo conspirou contra ele. Um tema central seria reinstalar a possibilidade do partido local eleger quem será seu candidato nas eleições. Hoje, quem é parlamentar eleito, automaticamente tem o direito de continuar a se candidatar indefinidamente, mesmo sendo contra a linha partidária local, ou contra a política eleitoral do partido. Isso inclui por exemplo candidatos que abertamente declaravam que iriam votar contra Corbyn como premier se ganhasse!

Isso faz com que a direita permanece em controle do partido. Nos municípios, a maioria dos representantes de Labour continuam a fazer o trabalho sujo dos Tories, implementando a política de cortes no orçamento local.

Manifesto radical

Essa situação parecia confirmar a propaganda contra Corbyn que, entre outras coisas, acusava-o de ser “fraco” e “inapto”. Tudo isso mudou quando começou a campanha eleitoral e Corbyn lançou seu manifesto com propostas radicais. Entre as propostas estavam: salário mínimo de 10 libras por hora e fim do teto de 1% para aumento dos salários do funcionários públicos, contra privatização e cortes no NHS (Sistema de saúde público), contra cortes na educação, abolir as mensalidades nas universidades públicas (introduzidas pelo Labour!), renacionalizar as ferrovias e pagar os investimentos no setor público com taxação das empresas e dos 5% mais ricos.

Esse manifesto teve uma repercussão enorme e atraiu dezenas de milhares para sua campanha. Pela primeira vez, após décadas, os trabalhadores tinham uma verdadeira opção nas eleições.

Nem mesmo a tentativa de Theresa May de usar os ataques terroristas, para mostrar a necessidade de uma “mão forte” contra o terrorismo, teve efeito. Na mídia, houve uma constante campanha para tentar vincular Corbyn ao “terrorismo” de IRA, de maneira muito cínica. Corbyn sempre foi contra métodos terroristas e, na mídia, nada se fala do apoio dos governos dos Tories a ditaduras como de Pinochet e o regime da Arábia Saudita. Corbyn fui um dos poucos, mesmo dentro do Labour, de votar consequentemente contra as guerras e bombardeio o Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, etc., que gerou o ambiente para o crescimento do terrorismo. Também nada se fala agora do apoio que a Theresa May busca do DUP, profundamente ligada a paramilitares na Irlanda do Norte responsável pela morte de cerca de mil pessoas em ataques terroristas entre 1969-2001.

Apesar de achar que o programa tinha suas limitações, o CIT na Grã Bretanha apoiou e jogou peso na sua campanha, entendendo que uma vitória para Corbyn fortaleceria o apoio a uma alternativa socialista. O seu programa é um importante primeiro passo na direção certa, mas precisa ser complementado com a defesa da nacionalização das grandes empresas que dominam 70-80% da economia, atacar a fonte do poder da classe dominante.

O resultado eleitoral poderia ter sido melhor ainda para o Labour. Um problema grave é que, já que o sistema eleitoral não é proporcional, mas distrital, quem queria que Corbyn ganhasse tinha que votar em um candidato local do Labour, que muitas vezes era da direita do partido. Boa parte desses não defendiam as propostas de Corbyn, não usavam seu nome em suas campanhas ou o convidavam para sua campanha local.

Além disso, Labour não conseguiu tirar tanto proveito, como era possível, do grande recuo do Partido Nacionalista Escocês, que tinha ganho 56 dos 59 mandatos na Escócia nas eleições passadas, mas perdeu 21 desses nessas eleições. A direção da direita do Labour local pressionou para que o partido assumisse uma posição de linha dura contra um novo referendo sobre independência da Escócia. Uma posição com mais sensibilidade e defendendo o direito de autodeterminação teria garantido um apoio maior, dado que os trabalhadores escoceses viam com simpatia a postura anti-austeridade do Labour. Os socialistas podem defender uma Escócia socialista independente e ao mesmo tempo defender a unidade dos trabalhadores na Grã Bretanha e a favor de uma federação voluntária e socialista.

É possível derrotar o governo

É possível derrotar esse governo frágil, combinando uma oposição coerente no parlamento com mobilização dos sindicatos, da juventude e das comunidades. Os sindicatos devem, desde já, preparar protestos e greves pelos salários e em defesa do sistema de saúde pública. É possível que esse governo se torne insustentável e novas eleições sejam convocadas em um curto período. A classe dominante quer evitar isso, já que no dia 19 de junho já começam as negociações sobre o Brexit com a União Europeia e por que sabem que com novas eleições, a chance que o Labour conquiste uma maioria é grande.

O The Economist, uma revista histórica da direita britânica, diz que “a Era Blair realmente acabou no 8 de julho” e que “o Labour agora pertence a Jeremy Corbyn”. Infelizmente, isso é um exagero. Está certo que os críticos de Corbyn agora estão calados, mas não se renderam e ainda tem um poder no aparato partidário. Se Corbyn não se mover para completar a transformação do Labour, eles irão contra-atacar em algum momento. Por isso, é fundamental o tema da democratização do partido, além do direito de escolher os candidatos, com restauração da influência dos sindicatos e também abrindo para o retorno dos socialistas que foram expulsos do Labour pela direita, como os militantes do CIT, para ajudar nessa batalha.