Venezuela – por uma saída independente da classe trabalhadora!

A eleição presidencial de 28 de julho na Venezuela representou um episódio decisivo no aprofundamento da crise política, econômica e social no país. Para além da disputa em torno do reconhecimento ou não do resultado eleitoral anunciado, a questão de fundo é que nem a continuidade de Nicolás Maduro e suas políticas pró-capitalistas, nem, muito menos, a vitória da oposição de direita, reacionária e golpista, oferecem qualquer possibilidade de saída para os dilemas que afetam o povo venezuelano. A única saída possível passa pela construção de uma alternativa independente da classe trabalhadora armada com um programa socialista.

Nicolás Maduro foi anunciado vencedor das eleições venezuelanas pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) poucas horas após o final do pleito e o resultado foi ratificado em 22 de agosto pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). Esse resultado foi questionado pela oposição de direita, que alegou haver vencido a eleição com mais de dois terços dos votos, publicando na internet supostas Atas de locais de votação que comprovariam isso. Como o CNE não divulgou as Atas sob seu controle e não há como compará-las, os argumentos da oposição ganharam força.

A crise extravasou para as ruas, com manifestações em Caracas e várias partes do país, incluindo bairros populares que tradicionalmente foram base social do “chavismo”. Não há dúvida de que a direita buscou manipular essas demonstrações de insatisfação, mas não se pode dizer que essas primeiras manifestações espontâneas foram organizadas e dirigidas pela direita. Elas refletiram um inquestionável acúmulo de insatisfações entre as camadas populares com o governo Maduro.

Escalada repressiva

A resposta do governo foi uma escalada repressiva que, segundo as próprias autoridades, levou à detenção de 2,4 mil pessoas e 25 mortes.

Utilizando as sanções econômicas impostas pelo imperialismo estadunidense e as intentonas golpistas do passado como justificativas, o governo de Maduro vem há anos aplicando duríssimas políticas de ajuste fiscal, cortes nos gastos, privatizações e ataques aos direitos sociais, trabalhistas e às liberdades democráticas.

A maior demonstração da política anti-democrática de Maduro é o ataque deliberado e planejado contra qualquer manifestação independente de luta da classe trabalhadora e de uma esquerda que se recuse a simplesmente dizer ‘amém’ ao governo. 

Um exemplo disso é que a esquerda independente, nos seus diferentes matizes, foi atacada e impedida de apresentar uma candidatura e plataforma de oposição de esquerda nestas eleições presidenciais.

O enorme desgaste de Maduro, mesmo entre a base social histórica do ‘chavismo’, e sua profunda degeneração política é o que acaba abrindo espaço para uma recomposição da direita venezuelana. Construir uma alternativa de esquerda a Maduro é necessário para a luta efetiva contra a direita reacionária.

Reflexos da disputa interimperialista em território venezuelano

Ao se autoproclamarem vitoriosos no pleito, González e Corina Machado foram respaldados pelo governo dos EUA, União Europeia e governos de direita na América Latina. Por muito menos, esses mesmos países e autoridades protagonizaram, entre 2019 e 2022, a farsa em que o ex-presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, se autoproclamou presidente do país.

Durante esse período, as sanções e represálias econômicas contra a Venezuela se aprofundaram e novos intentos golpistas se sucederam, mas sem sucesso. O fracasso dessa ofensiva, o agravamento da crise de refugiados venezuelanos (mais de 5,4 milhões) e o novo cenário de crise energética decorrente da guerra na Ucrânia, acabou levando o imperialismo estadunidense a flexibilizar suas posturas. 

O resultado disso foi o levantamento temporário de sanções contra a Venezuela e as negociações que resultaram nos acordos de Barbados. Mas, isso não durou muito. Embora os EUA continuem admitindo licenças especiais no que se refere ao petróleo, as sanções voltaram a sacrificar o povo venezuelano.

Do outro lado da disputa, o reconhecimento da vitória de Maduro foi respaldado pelos governos alinhados ao campo da China e Rússia, como Irã, Cuba, Nicarágua, Honduras e Coreia do Norte. Além desses países, também a Turquia reconheceu a vitória de Maduro.

Assim como acontece com o imperialismo estadunidense e “ocidental” em geral, China e Rússia também querem proteger seus investimentos no país e garantir acesso privilegiado ao petróleo e minérios. Seus interesses econômicos e geopolíticos nada têm a ver com as necessidades da classe trabalhadora e do povo venezuelano.

A dependência econômica, política e militar da Venezuela em relação à China e Rússia aprofundou-se com as sanções econômicas impostas pelo “ocidente” tanto em relação à Venezuela como à Rússia. A China é o principal credor da Venezuela e seu maior comprador de petróleo, enquanto a Rússia tem fornecido apoio financeiro e militar decisivos a Maduro.

Diante do impasse entre Maduro e a oposição, os governos do Brasil, Colômbia e México se articularam para buscar uma saída negociada para a crise. Isso chegou a levar o governo dos EUA, que já havia reconhecido a vitória de González, a insinuar um passo atrás, apoiando as tentativas de negociação de Lula, Petro e López Obrador (AMLO). Essa movimentação, no entanto, fracassou. 

As posições de Lula foram alvo de duras críticas públicas por parte de Maduro e os dois governos, pela primeira vez de forma mais acentuada, entraram em rota de colisão. Gabriel Boric, do Chile, identificado em geral como parte do campo “progressista” na América Latina, foi ainda mais longe e alinhou-se completamente com a oposição de direita contra Maduro.

Os alinhamentos internacionais em relação à crise venezuelana refletem de alguma forma os campos geopolíticos em conflito na arena global com a disputa interimperialista entre EUA e China e os aliados de ambos os lados. A existência de um campo intermediário, que oscila entre os blocos e busca vantagens de ambos os lados colocando-se no papel de medidores, não descaracteriza a bipolarização existente, nem serve para constituir um suposto cenário internacional multipolar, como alguns caracterizam.

Por uma alternativa socialista independente

O exemplo da crise venezuelana é utilizado pela direita como um espantalho diante daqueles que insistem em defender uma saída pela esquerda na América Latina. A falta de respostas coerentes da esquerda para a crise venezuelana leva a todo tipo de confusão.

De um lado, temos aqueles que tentam diferenciar-se de Maduro fazendo apelos democráticos abstratos, nos limites da democracia burguesa formal. Em geral, fazem isso para não se complicarem diante de uma parte da “opinião pública” refém da narrativa dominante. Sejam eles Boric, Boulos ou Celso Amorim, ao permanecerem na lógica da “democracia” capitalista, secundarizam o combate à direita e não oferecem uma saída efetiva.

De outro lado, temos aqueles que pragmaticamente adotam a lógica de que “o inimigo de meu inimigo é meu amigo” e vão de mala e cuia para o campo de Maduro, fazendo todo tipo de contorcionismo para justificar as ações desse governo repressivo, corrupto e pró-capitalista.

Para a esquerda socialista não pode haver respostas efetivas para a crise venezuelana sem a construção de uma alternativa independente da classe trabalhadora. Uma alternativa que resgate o acúmulo da experiência de lutas e conquistas, mas também as lições dos erros e derrotas nas últimas décadas e reconstrua um projeto socialista consequente para o país.

A crise venezuelana não é o fracasso da implantação do “socialismo”, mas sim a crise da ausência de um projeto socialista consequente por parte das direções do movimento “chavista” desde os tempos de Chávez. Assim como aconteceu na Nicarágua, trata-se de uma degeneração completa do que antes foi um processo revolucionário que poderia ter sido vitorioso e derrotado os capitalistas dentro e fora do país e indicado um novo caminho para o conjunto da América Latina e do mundo.

  • Por uma saída independente dos trabalhadores à crise venezuelana!
  • Construir na luta, nas ruas e pela base uma oposição de esquerda, classista e socialista! Nenhuma confiança na direita golpista e pró imperialista, nenhuma ilusão no governo pró-capitalista e repressivo de Maduro! 
  • Defesa dos direitos e liberdades democráticas – não à repressão por parte do governo e não ao golpismo da direita! Pelo direito de organização política e sindical da esquerda e da classe trabalhadora!

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