O povo afegão enfrenta o resultado amargo da ocupação dos EUA

Enquanto os talibãs capturam Cabul, os governos dos Estados Unidos, Reino Unido e outros estão evacuando seus cidadãos. Vinte anos após a invasão dos EUA no Afeganistão, o imperialismo enfrenta a humilhação

Vinte anos após invadir o Afeganistão em 2001, as tropas dos Estados Unidos estão saindo junto com outras forças aliadas. Milhares de soldados estadunidenses e aliados foram mortos em uma guerra sem fim com o Talibã, dezenas de milhares foram feridas enquanto centenas de milhares de afegãos perderam suas vidas ou foram feridos.

A imprensa capitalista cita muitos diplomatas e “oficiais ocidentais” sem nome dizendo que Biden cometeu um erro grave ao ordenar essa retirada. Eles apontam que o Talibã, extremamente reacionário, está mais forte do que em qualquer outro momento desde a invasão dos Estados Unidos. O Talibã agora controla a capital do país e quase todo o território. O presidente fugiu do país no domingo em quanto as forças do Talibã chegavam na cidade. Uma crise de refugiados em massa começou com a fuga de pessoas desesperadas à medida que o Talibã avançava. Em cenas chocantes, pessoas desesperadamente tentam entrar em aviões de qualquer maneira possível, até chegando a se agarrar à fuselagem de aviões em movimento. Uma estimativa é de que 300 mil pessoas fugiram de suas casas desde janeiro.

A velocidade em que as posições dos militares treinados pelos EUA se desmancham, parece ter sido um choque para os líderes ocidentais. O Talibã conseguiu assumir o controle do país em meses, mas os acontecimentos atuais também podem ser o início de uma guerra civil prolongada.

Após 20 anos, o esforço dos EUA na “construção da nação” terminou previsivelmente num fracasso total. Não há provas de que manter as forças dos EUA no Afeganistão por mais 20 anos poderia ter mudado o resultado. O governo Biden foi forçado a aceitar o enfraquecimento do imperialismo dos EUA na região e está a abandonar o Afeganistão para poder prosseguir mais vigorosamente os seus interesses na Ásia Oriental.

Uma vitória do Talibã terá implicações desastrosas para os direitos dos cidadãos comuns no Afeganistão, especialmente das mulheres. Quando estavam no poder nos anos 90, o Talibã não permitiram que meninas frequentassem escolas e a sua ideologia defende a completa subjugação das mulheres.

No entanto, a crítica à retirada da maioria dos comentarista capitalistas baseada na preocupação com o que irá acontecer aos afegãos comuns é pura hipocrisia. Os EUA não estiveram no Afeganistão para ajudar as mulheres ou as massas trabalhadoras em geral.

A verdadeira razão para tanto desespero é que o resultado desta guerra representa uma derrota humilhante para o imperialismo estadunidense, possivelmente a mais grave desde a derrota no Vietnã em 1975. É um duro golpe para seu muito valoroso “prestígio” e cria uma abertura para seus rivais, a China e a Rússia.

Os socialistas não se importam nem um pouco com o prestígio dos belicistas e criminosos de guerra e nós saudamos o fim dessa aventura imperialista sem sentido. Entretanto, nós precisamos olhar atentamente para como isso aconteceu e para o que está por vir para o povo afegão.

A verdade sobre os 20 anos da ocupação dos Estados Unidos

Os Estados Unidos invadiu o Afeganistão sob o pretexto de que seu objetivo era acabar com o papel do país como “porto seguro” para a Al-Qaeda, organização terrorista que estava por trás dos ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos. Naquela época, o Afeganistão era controlado pelo Talibã. Tanto eles quanto Al-Qaeda eram extensões dos Mujaheeden, patrocinados pela CIA, que lutaram contra os soviéticos no Afeganistão durante a década de 90. Nesse sentido, a CIA jogou um papel direto na criação da força que voltou para massacrar milhares de pessoas em Nova Iorque no 11 de setembro.

A verdadeira razão da invasão do Afeganistão foi que a classe dominante via o horror do 11 de setembro como uma oportunidade para reafirmar o imperialismo dos EUA no Oriente Médio e para superar a “síndrome do Vietnã” na população estadunidense, ou seja, a relutância em apoiar as aventuras militares depois de uma derrota histórica. Resumindo, foi uma tentativa de reverter o declínio a longo prazo do poder dos EUA. A mesma lógica aplicada à invasão ainda mais desastrosa do Iraque em 2003 com o elemento a mais de controle das enormes reservas de petróleo daquele país.

Embora a capacidade militar do Al Qaeda tenha sido reduzida muito rapidamente depois de 2001, os EUA permaneceram e suas metas de “missão” seguiram mudando para incluir a construção de um Estado afegão estável a serviço dos interesses capitalistas do Ocidente. Um trilhão de dólares foi gasto neste esforço, sendo uma maioria esmagadora no conflito militar com o Talibã. Isto foi uma bonança para os fabricantes de armas e empreiteiros militares, mas com muito pouco benefício para o povo afegão. O regime apoiado pelos EUA, apoiado no passado por vários senhores da guerra local, tem sido incrivelmente corrupto e suas forças armadas têm sido tão brutais como os dos talibãs. Mas, repetidamente, foi proclamado que a “maré estava virando” e que o Talibã poderia ser derrotado, se mais tropas fossem enviadas ou mais dinheiro fosse gasto para treinamento das forças locais.

Os “Afghanistan Papers”, como ficou conhecido um conjunto de documentos secretos do governo trazidos à luz aproximadamente dois anos atrás, expuseram a campanha massiva de enganos do público estadunidense durante décadas. Como resumimos em um artigo na época, ele mostrou:

“… décadas de contínua disfunção, instabilidade, e violência generalizada em todo o Afeganistão como resultado direto da intervenção nos EUA. A estratégia de contrainsurgência foi descrita por um entrevistado como ‘colonial’ em sua falta de preocupação com afegãos comuns. Outros entrevistados descrevem uma tolerância generalizada a lógica dos ‘senhores da guerra’, dezenas de bilhões gastos em “ajuda ao desenvolvimento” com pouco para mostrar exceto a sua corrupção massiva, e uma total falta de qualquer estratégia coerente a longo prazo”.

O futuro do Afeganistão

Como foi dito anteriormente, mesmo que o Talibã, historicamente com uma forte base nas áreas pashtun no leste e sul do país, não obtenha sucesso em tomar o controle do Afeganistão em um curto prazo, há um período real de guerra civil travada entre divisões étnicas. Isso porque o Estado central afegão, que era liderado pelo presidente Ashraf Ghani, tinha quase nenhuma autoridade. O poder real por trás do Estado vinha pelos senhores da guerra semi-feudal étnicos, muito deles tão brutais quanto o Talibã e totalmente corruptos. Parte do apelo do Talibã nos anos 90 quando chegaram ao poder após uma guerra civil perversa, era em torno de ser menos corrupto do que esses elementos e muitos esperavam que ele trouxesse ordem. Hoje há menos ilusões no Talibã, embora eles ainda tenham apoio significativo em setores da população.

O imperialismo global e regional tem contestado há muito tempo a influência e controle do Afeganistão que se encontra em um ponto central no Oriente Médio, que faz fronteira com muitos países. O Talibã tem sido historicamente apoiado pelo Paquistão, que procura usar o Afeganistão como um contrapeso ao seu arquirrival, Índia. Mas o regime chinês está também intervindo, recebendo representantes do Talibã recentemente e extraindo a promessa de não intervir nos assuntos chineses em troca de um reconhecimento de fato. Os chineses querem que o Talibã não ajude às minorias étnicas muçulmanas como os uigures, que enfrentam uma repressão brutal. A Rússia enviou tropas para o Tadjiquistão enquanto refugiados afegãos fugiam através da fronteira.

Solução socialista

Dada a história recente do país e a fraqueza do movimento da sua classe trabalhadora, pode ser difícil enxergar qualquer saída para os trabalhadores, camponeses, e juventude do Afeganistão a curto prazo.

O que está claro é que nem a intervenção imperialista nem o governo dos fundamentalistas islâmicos oferecem um caminho para as massas. Nenhum dos problemas do país, incluindo a pobreza generalizada, corrupção, falta de direitos democráticos básicos, e opressão de minorias nacionais, pode ser resolvido com base no capitalismo.

O que é necessário é um movimento de massas baseado na oposição à intervenção de todas as forças imperialistas, visando criar um governo democrático dos trabalhadores e camponeses, que explicitamente defenda a libertação das mulheres. Tal movimento precisaria unificar com a classe trabalhadora do Paquistão e de outros países vizinhos, apontando para uma federação socialista na região, baseada no respeito ao direito da autodeterminação de diferentes nacionalidades.

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