8 de março: a luta das mulheres é a luta da classe trabalhadora

Vivemos uma crescente ofensiva da extrema-direita no Brasil e no mundo. Nos Estados Unidos, Trump vem implementando políticas que restringem direitos reprodutivos e minam conquistas históricas das mulheres, por exemplo, com as ordens executivas de limitação ao acesso ao aborto e redução de financiamento para organizações que oferecem serviços de saúde reprodutiva, inclusive internacionalmente.

A revogação do direito à cidadania por nascimento e a reintrodução de políticas migratórias severas trará impactos devastadores sobre mulheres e crianças de todo o mundo. 

No Brasil, representantes da extrema direita frequentemente fazem alegações públicas ofensivas às mulheres, vide Jair Bolsonaro e seus conhecidos disparates sobre estupro e “fraquejada”. Ou o Deputado Federal Nikolas Ferreira proferindo declarações transfóbicas em pleno 8 de março durante uma sessão na Câmara dos Deputados. 

Os ataques também são pelos meios institucionais. Projetos de lei como o PL 1904/2024, provocam retrocessos no debate público que deve urgentemente  ser feito sobre garantir os direitos reprodutivos das mulheres. Além disso, os constantes desmontes dos investimentos nas áreas sociais, como estamos presenciando no governo Lula com seu arcabouço fiscal, mais uma vez trazem à tona que as mulheres não têm garantias do acesso aos seus direitos básicos como saúde e educação. Nos municípios, fechamentos de serviços de referência como os dos hospitais Vila Cachoeirinha, em São Paulo, e o Guilherme Álvaro, em Santos, são uma forma de, na prática, obstaculizar o acesso ao aborto legal. 

Em mais um  8 de março, essa data que celebra  o Dia Internacional das Mulheres, somos  convocadas a refletir sobre a história de lutas e o atual cenário que permeia a vida das mulheres no mundo.  Nós, mulheres, lideramos as batalhas contra os retrocessos e lutamos, juntas, pelas nossas vidas e direitos.

O primeiro dia de luta das mulheres foi em 1909 por iniciativa das mulheres socialistas, lutando pelo voto e direitos iguais. Em 1910 uma conferência internacional de mulheres socialistas lançou a ideia de um dia mundial, ainda sem data. O dia 8 de março foi definido com base na memória do papel das mulheres, operárias têxteis, em dar início à Revolução Russa em 1917.

Seguimos na linha de frente das lutas por nossos direitos e enfrentando a exploração do capitalismo. Defendemos os serviços públicos contra privatizações e cortes, já que somos maioria tanto entre usuárias quanto entre trabalhadoras desses setores e jogamos um papel crucial na resistência contra os ataques aos direitos da classe trabalhadora, ataques esses que seguem sendo intensificados pela crise econômica no capitalismo e atingem as mulheres de forma mais severa, tornando nossa luta ainda mais urgente e necessária.

Duramente atingidas pela exploração

No século XX, sob pressão das lutas da classe trabalhadora, o capitalismo em alguns países foi forçado a oferecer serviços como saúde, educação e creches e utensílios domésticos se tornaram mais acessíveis. No entanto, a realidade foi diferente para a maioria das mulheres na África, Ásia e América Latina, que continuaram a enfrentar condições exaustivas e com menos acesso a essas melhorias, e, mesmo em países mais desenvolvidos, muitas permaneceram excluídas dessas mudanças. 

Hoje, no contexto da crise capitalista em escala mundial, os avanços das mulheres trabalhadoras estão sob ataque e, onde foram conquistados, precisam ser cada vez mais fortemente defendidos.

O número de mulheres no mercado de trabalho atingiu níveis inéditos. Nos países capitalistas mais avançados, representamos metade ou mais da força de trabalho. Desempenhamos um papel instrumental para o capitalismo, servindo como mão de obra barata e sendo descartadas quando necessário. 

Salários baixos e dupla jornada

Dados de 2024 da Oxfam indicam que mulheres são maioria nos empregos mais precários e mal pagos, além de receberem salários inferiores aos dos homens independentemente do nível de desenvolvimento econômico do país. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que, em 2019, para cada dólar americano que os homens ganharam em rendimentos do trabalho, as mulheres ganharam apenas 51 centavos. 

A responsabilidade pelo cuidado doméstico e familiar continua a recair sobre nós, aumentando o peso da redução de renda e da alta nos preços de produtos básicos e afetando a saúde mental e possibilidades profissionais.

Ainda de acordo com a Oxfam, 42% das mulheres no mundo não conseguem ter um emprego remunerado devido à carga excessiva de trabalho de cuidados no âmbito privado ou familiar. As mulheres são responsáveis por mais de 75% de todo o trabalho de cuidado não remunerado no mundo. Isso representa, todos os dias, cerca de 12,5 bilhões de horas de trabalho de cuidado não remunerado, acrescentando pelo menos US$10,8 trilhões em valor à economia global, três vezes o valor financeiro da indústria global de tecnologia. O sistema capitalista se beneficia dessa divisão e exploração, fragmentando a classe trabalhadora por gênero, raça e sexualidade. 

Ainda mais marginalizadas, travestis e mulheres trans frequentemente não são sequer incluídas nas estatísticas. Mesmo quando conseguem estudar e obter formação, enfrentam discriminação no mercado de trabalho. Isso resulta em um cenário no qual grande parte dessas mulheres recorrem à prostituição como alternativa de sobrevivência.

Em tempos de guerra, fome, desastres ambientais e crises sociais, as mulheres são as mais impactadas. Em muitas regiões, as mulheres são as primeiras a ficar sem comer quando os alimentos são escassos, devido às responsabilidades domésticas e de cuidado que assumem. De acordo com o Escritório de Direitos Humanos da ONU, quase 70% das vítimas fatais verificadas na guerra de Gaza são mulheres e crianças.

No Brasil, temos sofrido ataques constantes aos direitos básicos e sociais para o conjunto da classe trabalhadora nos últimos anos, que se intensificaram no governo Temer, e tiveram continuidade com os brutais desmontes da extrema direita de Bolsonaro. O governo Lula, por sua vez, não reverteu esses ataques, e as atuais medidas econômicas de seu governo permanecem voltadas aos interesses dos grandes empresários. 

Lutar pelos direitos das mulheres significa também combater cortes, ajustes fiscais e o sucateamento dos serviços públicos essenciais, como saúde, educação e moradia. Os cortes públicos recaem principalmente sobre os mais pobres, aprofundando a precarização dos serviços públicos e impactando as mulheres, especialmente as negras, periféricas e camponesas.

Direito à autonomia

Ao longo da história, diversas formas de controle e restrição sobre os corpos e a liberdade sexual das mulheres foram impostas. Nos últimos anos, ataques aos direitos reprodutivos e ao aborto têm mobilizado mulheres ao redor do mundo, levando à organização de movimentos em resposta a tentativas de governos de restringir o acesso a esses direitos. Essas ofensivas incluem mudanças legislativas, cortes na saúde e uma forte influência de setores reacionários e religiosos.

No Brasil, embora o aborto seja praticado em todas as classes sociais, as mulheres pobres são as mais afetadas pela criminalização, muitas vezes sem acesso aos serviços previstos em lei, sendo perseguidas ou levadas à morte.  Nós, socialistas, defendemos o direito das mulheres de decidir sobre a maternidade, com acesso livre a contraceptivos, aborto seguro e gratuito, tratamentos de fertilidade e condições econômicas dignas, como creches e moradia, para que decisões sobre ter filhos não sejam limitadas por fatores econômicos.

Esse debate se insere em um contexto global de polarização, com o avanço da extrema direita e levantes na América Latina. O desemprego, a precarização do trabalho e a falta de acesso a benefícios sociais tornam a decisão sobre a saúde reprodutiva ainda mais difícil, ampliando a clandestinidade e os riscos do aborto inseguro.

Governo Lula não assume a defesa do direito ao aborto

Não temos visto avanços por parte do atual governo Lula em abrir um diálogo realista sobre a complexidade desse tema. Pelo contrário, a questão do aborto segue sendo um tema de hesitação e pouco aprofundamento nas políticas públicas. 

Um exemplo disso foi a polêmica em torno da Resolução 258, apresentada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) ano passado, que foi aprovada, inicialmente, com 15 votos favoráveis de entidades da sociedade civil e 13 contrários de representantes do Governo Federal. 

A resolução regulamenta o aborto legal para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas, entre outras medidas. Além de enfrentar resistência do Governo Federal, a resolução passou por um pedido de suspensão impetrado pela senadora de extrema direita, Damares Alves (a mesma que mobilizou apoiadores contra o aborto legal de uma menina de 10 anos, vítima de estupro cometido pelo tio em 2020), o que resultou na suspensão dos efeitos da resolução pela Justiça Federal. 

Movimentos feministas e organizações da sociedade civil apoiaram a resolução e criticaram a postura do governo. Em janeiro de 2025, o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares recorreu da decisão de suspensão e sua implementação acabou sendo autorizada por meio de medida cautelar. O embate e as dificuldades encontradas até a autorização da resolução são mais exemplos que escancaram o tabu a respeito do tema e a impossibilidade de resolução por parte da institucionalidade. 

Os  movimentos feministas desempenham papel central na defesa de conquistas nesse campo.  Ano passado vimos a proposição do PL1904/2024, em que, novamente, os poucos direitos já garantidos para realização do aborto no Brasil foram duramente atacados, além de escancarar como a extrema-direita minimiza e ridiculariza a realidade da violência sexual contra as mulheres e meninas no país. 

Aborto legal sob ataque

Há poucos dias o Conselho Regional de Medicina de São Paulo aprovou a prática de encaminhar vítimas de estupro com mais de 22 semanas de gestação para o pré-natal e não para a realização do aborto legal garantido nesses casos. O PSOL e outras organizações acionaram o STF em resposta, solicitando que o CREMESP seja impedido de requisitar prontuários médicos nesses casos. 

O próprio Conselho Federal de Medicina, em 2024, havia atentado contra o direito ao aborto legal das mulheres em gestações acima de 22 semanas, medida que também foi contestada legalmente a partir de arguição movida pelo PSOL e suspendida via STF. 

Esses ataques constantes também nos mostram como a mobilização popular é fundamental para assegurar nossos direitos. Foi a tomada das ruas em diversos Estados, por parte dos movimentos feministas, contra o PL 1904, que garantiram um recuo do andamento de urgência da proposição. As diversas tentativas institucionais dos Conselhos de Medicina também têm sido enfrentadas por parte dos movimentos e nas ruas, e as ações recentes da Regional São Paulo abrem um cenário que aponta, mais uma vez, para a necessidade da nossa mobilização coletiva, não apenas em resposta aos ataques, mas em busca da garantia e ampliação dos nossos direitos.    

 Devemos nos inspirar em exemplos como o das companheiras Argentinas. A conquista do direito ao aborto no país nos mostra como a mobilização popular gera resultados. A luta na Argentina se intensificou a partir de 2003, quando a Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito foi criada, reunindo diversos setores da sociedade em torno da defesa da saúde pública e da legalização do aborto. 

Movimentos como “Ni Una Menos” desempenharam papel crucial, denunciando a violência de gênero e ampliando a conscientização sobre a necessidade de políticas públicas que garantissem os direitos das mulheres. E essa pressão culminou na aprovação da Lei em 2020, que legalizou o aborto até a 14ª semana de gestação.

Em momentos como os que enfrentamos, diante do crescimento de políticas reacionárias, é ainda mais crucial a organização das mulheres. A luta por mais direitos e pela autonomia sobre o próprio corpo não pode ser desidratada ou adiada, é uma batalha que deve se intensificar, sem concessões, sem recuos. 

Mulheres em todos os cantos do mundo têm demonstrado, com sua coragem e persistência, que não há retrocesso possível quando se trata de avançar na luta pela igualdade e liberdade reprodutiva. É esse nosso caminho.

 A luta das mulheres avança junto com a luta da classe trabalhadora!

Uma das pautas atuais de reivindicação da classe trabalhadora é o fim da escala de trabalho 6×1, que busca reduzir a jornada sem corte de salários. Essa demanda desafia a lógica da superexploração imposta pelo capitalismo. 

O fim da escala 6×1, substituída por um regime de 4×3 com jornada máxima de 36 horas semanais, representaria um avanço significativo, especialmente para as mulheres nessa realidade de opressão e dupla jornada com os cuidados domésticos. A conquista dessa demanda pode significar um passo importante para transformar as condições de vida das mulheres e da classe trabalhadora como um todo.

Diante das condições materiais e sociais que vivenciamos, seremos inevitavelmente levadas a enfrentar tanto os desafios que atingem toda a classe trabalhadora quanto aqueles que afetam especificamente as mulheres. É somente através da compreensão de como e por que as mulheres são oprimidas e das condições para desempenharmos um papel pleno em uma luta unificada contra o capitalismo que podemos conquistar libertação.

Nosso objetivo é superar a condição das mulheres como meros instrumentos da produção, submetidas a baixos salários, à sobrecarga do trabalho doméstico e não remunerado, e à reprodução das relações capitalistas. Essa luta é parte da construção da revolução socialista, um processo concreto e urgente. 

A única saída é romper com este sistema

Enquanto a sociedade permanecer centrada no lucro, na acumulação de capital e na manutenção dos privilégios de uma minoria, problemas como feminicídios, violência, desemprego em massa e miséria continuarão a se aprofundar.

Iremos às ruas neste março de 2025 e sempre que necessário para denunciar e resistir à ofensiva do capital sobre nossas vidas. A única saída é romper com este sistema. 

Continuaremos enfrentando os ataques com resistência e nos mobilizando em lutas como o fim da escala 6X1, pela melhoria das condições de vida e trabalho das mulheres, por direitos reprodutivos e de aborto seguro, para barrar o pacote de ataques do governo e garantir o acesso às políticas sociais, pelo respeito à vida e dignidade das mulheres trans, pela luta socialista internacionalista das mulheres trabalhadoras!

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