Capitalismo em crise – uma explicação marxista
Construir uma alternativa socialista
Às comparações entre a queda do neoliberalismo e a queda do stalinismo falta levar em consideração um fator decisivo: a fraqueza atual da alternativa socialista e do movimento dos trabalhadores. Sem dúvida, essa crise é uma derrota ideológica para os defensores do capitalismo. Mas, enquanto não for colocada uma alternativa viável ao sistema, o capitalismo acabará se recompondo.
“O capitalismo consegue comprar um saída de qualquer crise”, comentou Lênin uma vez, “se faz os trabalhadores pagarem”.
Não há uma crise final do capitalismo; o sistema não cai de pobre. Ele precisa ser derrubado e substituído com uma alternativa viável, um sistema socialista, com a gestão democrática dos trabalhadores e uma economia planificada.
Quando o stalinismo caiu, a classe dominante no mundo inteiro foi para a ofensiva. O Wall Street Journal publicou uma edição com um título enorme simplesmente dizendo “Nós ganhamos”. Também foi declarado que a história tinha chegado ao seu fim, que o capitalismo liberal é a forma suprema de organização social humana.
Agora é a vez dos socialistas irem para a ofensiva, mostrando que durante as duas últimas décadas o capitalismo teve uma chance de ouro para mostrar a superioridade do seu sistema, mas que falhou no teste. O resultado foram enormes desigualdades e uma crise histórica.
Mas, neste momento, a esquerda ainda está fraca e fragmentada, e ainda não se recuperou dos efeitos da queda do stalinismo e da ofensiva neoliberal. Para poder avançar de novo dois elementos será necessário:
• A retomada de uma luta unificada por parte da classe trabalhadora, capaz de restaurar a confiança de que ela tem um grande poder. Essa sociedade só move com o trabalho dos trabalhadores. Mas a classe perdeu a noção de sua própria força, um efeito da atomização do trabalho, dos ataques contra as organizações dos trabalhadores, e da traição das antigas lideranças. Essa autoconfiança tem de ser conquistada em luta.
• Só a luta não é suficiente, se a classe trabalhadora não consegue se organizar e colocar um programa alternativo, capaz de mostrar um caminho fora dessa situação. Para elaborar esse programa, é preciso saber como funciona o sistema, estudar a lições das lutas dos trabalhadores e suas sínteses em forma dos trabalhos teóricos, desde Marx e Engels no século XIX, e acrescentar as experiências da luta e da crise de hoje.
Já no Manifesto Comunista, Marx e Engels colocam o que cabe aos comunistas: “1) nas lutas nacionais dos proletários dos diversos países, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns a todo o proletariado, independente da nacionalidade; 2) nos vários estágios de desenvolvimento da luta da classe operária contra a burguesia, representam, sempre e em toda a parte, os interesses do movimento em geral”.
Perspectivas para a luta
Os socialistas não são catastrofistas que desejam crises, achando que isso em si fará os trabalhadores e oprimidos se levantarem e derrubarem o sistema. Alguns com essa visão chegaram à conclusão de que a revolução poderia ser estimulada com ataques terroristas, mas a história provou que isso não é o caso.
Não há nenhuma ligação mecânica entre crise e luta. No primeiro momento, em uma crise profunda, o efeito pode ser o oposto, com o aumento do desemprego e a busca de sobrevivência levando a uma paralisia da classe. Mas quando a economia se recupera, os empregos voltam e isso pode levar os trabalhadores à autoconfiança para fazer exigências. Nos EUA, durante a grande depressão, foi só em 1934 que a luta surgiu, e em grande escala. Tudo isso depende de vários fatores; um fator decisivo é a força das organizações dos trabalhadores, e se eles não capitulam ideologicamente, e colocam uma alternativa conseqüente.
Mas o papel dos socialistas é mostrar que a única saída reside na luta coletiva dos trabalhadores, e dar apoio a cada luta. E em cada luta, tentar levantar os interesses gerais dos trabalhadores e a necessidade de coordená-las e ampliar a organização, como única maneira dos trabalhadores conseguirem força suficiente para enfrentar os patrões e seu sistema.
Ultimamente, trata-se de levantar a necessidade dos trabalhadores se unirem em uma organização política, que faça a luta geral contra o sistema, e também se unir internacionalmente. Uma lição dessa crise será a necessidade de lutar em nível internacional, já que o sistema e sua crise são mundiais.
E não há dúvida que surgirá uma nova geração que questionará o capitalismo, e que não estará marcada pelas derrotas das gerações anteriores. O questionamento do capitalismo já está presente, mesmo que incipiente. Uma pesquisa da Financial Times/Harris no início de outubro mostrou que 80% dos habitantes da União Européia acreditavam que os bancos são os culpados pela crise. Na Alemanha, 30% dizia que a crise era culpa do “fracasso do capitalismo”.
Temos de estar atentos que lutas podem estourar também no curto prazo, como vimos durante a crise asiática em vários países, ou no argentinazo em 2001.
Risco de nova extrema-direita?
Se não surgir alternativa à esquerda, há o risco que partidos de extrema direita, populistas, nacionalistas, racistas e autoritários etc, consigam explorar a ira e desviar parte dos trabalhadores de conclusões socialistas que podem desafiar o capitalismo. Na Europa, vemos o contraste entre a Alemanha, onde o novo partido anti-neoliberal “Partido de Esquerda” tem até 15% nas pesquisas, e a Austria, onde não existe um partido de esquerda expressivo, e a extrema direita racista ganhou 28% dos votos nas eleições em setembro.
Esse risco vai crescer à medida que os programas keynesianos fracassem e as lutas dos trabalhadores cresçam, fazendo com que parte da classe dominante fique mais aberta a saídas “radicais”. Durante a crise dos anos 70, mesmo em países como a Grã Bretanha, existia um debate sério por parte da classe dominante, ante a crise econômica e o ascenso de luta dos trabalhadores, se a saída não deveria ser um golpe militar.
Na Bolívia, vemos como a elite da “meia-lua” na luta contra a esquerda organiza bandos armados como a União Juvenil Cruzenha, com características fascistas.
No Brasil, vimos como a classe dominante se prepara para um período muito mais conflituoso, com uma política de criminalização dos movimentos sociais e ataques contra os sindicatos.
A idéias keynesianas já fracassaram
A fraqueza da esquerda socialista hoje faz com que a idéias que dominem o debate sejam idéias keynesianistas. Essas idéias de que medidas implementadas pelo estado, sem desafiar o sistema, são suficientes têm um apelo grande à direção das grandes organizações que ontem estavam com os trabalhadores, mas hoje apóiam o poder, como o PT e seus aliados, como por exemplo, a CUT. Isso porque podem dar uma aura de radical, ao mesmo tempo em que ressaltam o papel do burocrata, que salvará os trabalhadores. Tudo isso sem sentir um segundo de vergonha em ter apoiado toda a agenda neoliberal ontem.
Mas não existe espaço para grandes projetos keynesianos, e nem essas medidas darão uma saída ao sistema que não significa colocar o grande fardo em cima dos trabalhadores.
Porém, as nacionalizações e outras medidas dos “cristãos-novos” do keynesianismo servem para colocar o debate sobre quem deve controlar as grandes riquezas. Se vale nacionalizar bancos que estão falindo, por que não nacionalizar os que dão lucros, antes que entrem em crise, e usar esses lucros em prol de todos?
Se vale nacionalizar bancos em crise, por que não as grandes montadoras que também recebem bilhões de ajuda? Assim poderíamos garantir o emprego de todos, e, se usamos esses recursos de uma maneira planificada, podemos começar a mudar a forma de pensar o transporte, com motores mais limpos e priorizando o transporte público.
Se os grandes bancos são “grandes demais para quebrar”, por que algo tão vital para a sociedade é deixado nas mãos de uma pequena elite que provou ser tão imprudente?
Como construir um programa?
Como os socialistas traduzem tudo isso em um programa? O ponto de partida são as demandas imediatas, que mobilizam a luta, e que dialogam com o nível de consciência hoje. Mas isso não é suficiente. É necessário apontar para conclusões mais gerais, mostrar como os problemas específicos são ligados a todo um sistema de exploração e opressão. Precisa também apontar para saídas coletivas e uma luta cada vez mais ampla. Além disso, é necessário apontar para medidas que questionem o funcionamento do sistema capitalista e o poder dos patrões. Esse método, de fazer um programa que faça uma ponte entra a luta e consciência de hoje, apontando para a necessidade de romper com o capitalismo e construir uma alternativa socialista, é o que chamamos do Programa de Transição.
A crise não é nossa! Defender os postos de trabalho e os direitos dos trabalhadores
• Resistir aos planos de demissões nas empresas que perderam com a especulação e alegam sofrer as conseqüências da crise. Abertura das contas das empresas para os sindicatos e organizações de trabalhadores! Estatização das empresas que demitem sob controle dos trabalhadores!
• Bloqueio e confisco do capital especulativo e da remessa de lucros ao exterior. Punição exemplar aos especuladores que atentaram contra a economia popular.
• Reajuste automático de salários de acordo com a inflação. Aumento geral de salários. Congelamento de preços sob controle dos trabalhadores organizados!
• Redução da jornada de trabalho sem redução de salário. Não ao banco de horas e aos programas de demissão voluntária. Não trocamos direitos por emprego; queremos emprego, salários e direitos trabalhistas.
A crise não é nossa! Contra cortes no setor público
• Não aos cortes de gastos planejados pelos governos para os serviços públicos e investimentos!
• Taxar as grandes fortunas, rendas financeiras e salários altíssimos, não os trabalhadores.
• Auditoria e não pagamento da dívida pública para os grandes tubarões capitalistas. Reversão desses recursos para o desenvolvimento econômico e serviços públicos.
• Em defesa da aposentaria. Por uma previdência pública garantida a todos os trabalhadores. Contra as novas reformas privatistas da previdência. Chega de especulação com nossas aposentadorias. As aposentadorias não podem ficar à mercê do cassino global.
Salvar os trabalhadores, não os banqueiros!
• Crédito e salário aos trabalhadores e pequenos agricultores, não aos bancos.
• Acabar com o caos do sistema – nacionalizar os bancos e institutos financeiros sob o controle e a gestão democrática dos trabalhadores.
• Por uma regulamentação democrática da economia. Fim das privatizações, desregulamentações e especulações. Controle do fluxo de capital.
• Compensação para todos pequenos investidores e poupadores, mas deixe os grandes especuladores ir à falência.
Usar as riquezas para o bem de todos!
• Ao invés de usar centenas de bilhões para pagar a dívida pública aos especuladores e salvar os bancos, usar esses recursos para lançar um pacote de investimentos, sem fins lucrativos, em obras públicas, incluindo infra-estrutura, saneamento, moradia, meio-ambiente, educação, saúde e transporte público, para acabar com o desemprego e a miséria.
• Por uma Petrobrás 100% estatal e sob controle dos trabalhadores. Monopólio estatal do petróleo, incluindo as novas jazidas do pré-sal, e da exploração de recursos naturais de forma geral. Reestatização da Vale do Rio Doce, e todas as empresas que foram privatizadas pelos governos neoliberais.
• Reforma agrária ampla sob controle dos trabalhadores. Garantia de crédito e condições de produção para os assentados. Estatização com controle dos trabalhadores sobre as grandes empresas do agronegócio e reversão de sua produção para atender aos interesses da população como parte de um planejamento elaborado e gerido pelos trabalhadores organizados.
Por uma alternativa socialista!
• Reconstruir um movimento de trabalhadores combativo, democrático e socialista.
• Estatizar o sistema financeiro e as grandes empresas sob controle e gestão dos trabalhadores.
• Por uma sociedade socialista, baseada em propriedade pública e planejamento democrático para satisfazer as necessidades da grande maioria da população.
• Apoio à luta dos trabalhadores do mundo. Todo apoio à luta do povo boliviano contra o imperialismo e as oligarquias locais. Fora as tropas brasileiras e internacionais do Haiti. Unir as lutas na América Latina por uma alternativa anti-capitalista e socialista ao capitalismo neoliberal falido.