Novos tremores abalam os mercados financeiros

Problemas financeiros da China e dos ‘PIGS’ mostram que a pior crise capitalista em 80 anos está longe de acabar

 

Em 12 de fevereiro, pouco depois que os mercados financeiros da China fecharam para o ano novo lunar chinês, o banco central (PBoC) anunciou outro aumento de 0,5% nas exigências de reservas, atingindo o patamar de 16% para os maiores bancos do país. Esse aumento, que passa a valer em 25 de fevereiro, foi o segundo em um mês e pegou os observadores econômicos desprevenidos.

“Embora os esforços da Grécia dominasse as manchetes na maior parte da semana, um maior vento contrário veio da China na sexta, à medida que o Banco Popular da China elevou sua exigência de porcentagem de reservas em 50 pontos pela segunda vez esse ano”, escreveu o Financial Times (12 de fevereiro).

Mais uma vez, os acontecimentos na China são um grande fator por trás de uma nova onda de incertezas e pessimismo entre os especuladores que governam o mercado. Dado o enorme peso da China, que deve ultrapassar o Japão esse ano como a segunda maior economia, isso aumentou as preocupações entre os comentaristas econômicas sobre a fragilidade do capitalismo global e o medo de um “duplo mergulho” de volta à recessão.

A outra principal causa de incerteza tem sido o crescente medo de uma crise da dívida européia, focada nos chamados ‘PIGS’ (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), e especialmente o risco de um não-pagamento da dívida soberana (pública) da Grécia (teme-se que o país não possa continuar a pagar sua dívida nacional, que está chegando esse ano a 124% do PIB). Os trabalhadores gregos do setor público ensaiaram greves contra os cortes brutais nos pagamentos e aposentadorias feitos pelo governo “socialista” a fim de reduzir a dívida. Como os marxistas e o CIT previram, a “saída” dos capitalistas das medidas de estímulo dos últimos 18 meses significaria novos e massivos ataques à classe trabalhadora internacionalmente. Na Irlanda, os servidores públicos estão enfrentando cortes salariais de 10% e em Portugal o governo quer congelar os salários por cinco anos! À classe trabalhadora e aos pobres está sendo apresentada a conta do “combate à crise” ao mesmo tempo que os grandes bancos e especuladores que causaram a crise global estão mais uma vez anunciando enormes lucros e pagamentos de bônus.

Os últimos problemas na China não são tão diferentes daqueles que cercam a ‘eurozona’ de 16 nações e seus elos mais fracos – os ‘PIGS’. Os problemas atuais estão enraizados em uma massiva expansão do crédito, que surge das tentativas governamentais de superar as limitações e as crises do capitalismo, e a dívida que isso criou. No caso da China, o problema é mais recente, com uma enorme injeção de empréstimos bancários, especialmente em 2009 como resposta ao colapso das demandas além-mar em meio à crise capitalista global que começou em 2007. Apesar do crescimento estimulado do PIB em 8,7% no ano passado, que muitos saúdam como “impressionante” dada a recessão global, a economia chinesa enfrenta sérios problemas. Confirmando o que o chinaworker.info disse sobre a crise global e a resposta política do regime chinês (enormes gastos de estímulo), o South China Morning Post comentou recentemente: “… a conta da meta de crescimento do último ano está prestes a chegar a Beijing.”

Desde o começo deste ano ficou claro que a China está sofrendo de “extrapolamento de sua capacidade financeira”. Novos empréstimos bancários totalizaram 9,6 trilhões de yuans ano passado, que equivale a impressionante 29% do PIB. Em janeiro deste ano, o ritmo dos empréstimos se acelerou, com 1,39 trilhões de yuans em novos empréstimos aprovados. Isso foi superior ao montante dos três meses anteriores juntos. Também representou quase um quinto de toda a meta de empréstimos do governo central para 2010, de 7,5 trilhões de yuans. Muito disso foi o resultado da corrida dos bancos por novos negócios antecipando uma iminente linha dura do governo. Não foi nenhuma surpresa, portanto, quando o governo impôs uma série de medidas de enrijecimento que tornam a China a primeira economia a começar a “sair” das políticas de mega-estímulo adotadas globalmente desde o fim de 2008. A ação posterior às vésperas do Ano Novo, com mais aumentos na exigência de reservas (a parte do capital de um banco que precisa ser mantida de reserva) indica que o Banco Central acha que os novos empréstimos estão aumentando rápido demais.

Contudo, ao invés da política de câmbio assinalar “missão cumprida”, essas políticas, que incluem controles mais rígidos sobre os bancos e medidas para congelar o setor imobiliário, são guiadas pelo medo de uma bolha de ativos fora de controle. Esse foi o conteúdo do alerta do Banco Mundial mês passado. O especulador americano James Chanos, que previu a implosão da companhia de energia Enron em 2001, também alertou que a China está à beira de uma enorme bolha financeira – “Mil vezes Dubai – ou pior” (Dubai foi vista como uma “economia-milagre” até sua bolha imobiliária estourar em novembro de 2009, forçando um socorro dos Emirados Árabes Unidos). O governo chinês teme que os contínuos empréstimos em excesso dos bancos piorariam a supercapacidade, acelerariam a inflação e levariam a uma irrupção de dívidas podres.

Dados oficiais nos mostram que os preços de novas casas subiram 24% nacionalmente em 2009. Mas é quase certo que o dado subestima a verdadeira situação. Dados independentes das companhias imobiliárias mostram que o aumento dos preços das casas nas maiores cidades e áreas desenvolvidas foi em torno de 60%-70% no ano passado. Algumas cidades e províncias mais ricas registraram aumentos ainda maiores: 129% na província de Zhejiang, 95% em Shenzhen e 88% em Beijing.

Vários fatores diferentes explicam o enorme surto nos preços e a divergência entre os dados do governo e os das companhias imobiliárias. Um fator é o aumento dos chamados “contratos yin-yang” no mercado de casas de segunda mão, onde compradores e vendedores concordam secretamente com um preço diferente (maior) do que o preço oficial a fim de evitar impostos. Outros fatores incluem as concessões governamentais introduzidas no final de 2008 para reanimar o mercado imobiliário, como grandes descontos nos empréstimos a compradores de primeira viagem, e incentivos de empréstimos para donos de segunda e terceira casas.

Mas outros fatores também abasteceram a especulação imobiliária em nível municipal e provincial, como o anúncio de que Shanghai terá uma Disneylândia e a escolha da província de Hainan como um “Destino Turístico Internacional” pelo governo central. Isso levou a mais de 100 bilhões yuan de ‘dinheiro quente’ correndo para o mercado imobiliário de Hainan em três meses (novembro de 2009 – janeiro de 2010). Em algumas áreas, o preço dos imóveis dobrou no espaço de 2-3 dias. Na capital provincial de Haikou, os preços do setor imobiliário ‘popular’ alcançaram 15.000 yuans por metro quadrado, o que é 140% do rendimento médio anual (11.600 yuans) da população urbana de Hainan. Mas, segundo os dados oficiais, apenas 20 bilhões de yuans entraram em Hainan.

O Banco da China (BOC), um dos “quatro grandes” bancos comerciais, cortou sua taxa de descontos a hipotecas a compradores de primeira viagem como parte das novas restrições a empréstimos excessivos, e outros bancos podem logo segui-lo, elevando os custos dos empréstimos para famílias que já estão em risco financeiro. As inadimplências hipotecárias (pessoas incapazes de pagar empréstimos bancários) já estão subindo, embora nenhum dado global tenha sido liberado. A Fitch Ratings, uma agência de avaliação de créditos global (que classifica o risco de crédito de diferentes instituições, incluindo bancos) emitiu vários alertas sobre os efeitos de uma bolha imobiliária no sistema bancário da China. Ela alertou recentemente que os bancos chineses enfrentam os maiores riscos de bolhas entre seus colegas asiáticos.

“A agência acredita que a explosão no gasto de investimentos e no crescimento do crédito são insustentáveis. Se mal orientado, isso pode levar a sérios perigos financeiros a médio prazo, com implicações na nota de risco do país,” alertou a Fitch em 14 de janeiro. 

Como os marxistas explicaram, as políticas de estímulo do regime chinês e suas contrapartidas internacionais têm sido de benefício marginal aos trabalhadores e pobres. 85% das famílias das cidades não podem comprar uma casa hoje. Para esses trabalhadores e alguns membros da nova classe media não é segredo que o mercado imobiliário está sendo dirigido primariamente por ricos especuladores. Burocratas e especuladores corruptos controlam dezenas e até centenas de propriedades para propósitos puramente especulativos e de luxo pessoal. Um exemplo notório é Wen Qiang, antigo vice-chefe da polícia em Chongqing, que está sendo processado por proteger gangues ao estilo da máfia, suborno e estupro. Vazou a informação de que ele possuiria 16 propriedades de luxo, incluindo uma vila de 8,9 mil metros quadrados.

Igualmente, o investimento na economia mais ampla é em grande parte caótico, sem planejamento e de natureza especulativa. Isso levou a um enorme excesso de capacidade em setores como aço, cimento, vidro, coque, geradores de vento e construção naval (Lista do Conselho de Estado, setembro de 2009). A Câmara Européia do Comércio na China alertou em um relatório ano passado que “se aproxima um dilúvio” pela capacidade extra de cimento. Isso levanta grandes dúvidas sobre o que a China tem a mostrar por todo esse gasto em estímulos – que devem ser reembolsados a menos que os bancos sejam jogados de volta a uma crise como a do fim dos anos 1990. Enorme execesso de capacidade significa menores lucros já que as companhias são levadas a uma guerra de cortes de preços. Isso reduz sua capacidade de investir em pesquisa e desenvolvimento e aprimoramento da produção de maior valor agregado, prolongando a excessiva dependência tecnológica da economia chinesa ao capital estrangeiro. O excesso de capacidade também força as empresas a resistir aos aumentos salariais, que por sua vez significa menos consumo, outro grande problema para a economia chinesa.

A alternativa socialista a essa loucura é um planejamento democrático da produção, com todas as principais companhias sob o controle e gestão democráticos da classe trabalhadora, e a economias rural sob o controle de cooperativas de camponeses democraticamente dirigidas e subsidiadas pelo estado. Com organizações democráticas e independentes dos trabalhadores supervisionando a eleição de todos os funcionários e diretores sujeitos à revogação, e assim eliminando implacavelmente a corrupção estatal e corporativa, seria possível canalizar os enormes recursos liberados nos últimos 14 meses para a produção socialmente necessária. O socialismo democrático significaria o massivo financiamento da infraestrutura rural, água potável segura, estradas e eletrificação, habitação pública, novas escolas sem taxas, assim como uma grande expansão dos serviços e pesquisas em nova tecnologia. Significaria o fim de mais centros de compra vazios, siderúrgicas esbanjadoras, hotéis sete estrelas, escritórios governamentais de prestígio e trens de alta velocidade disponíveis apenas para os ricos.

 

Você pode gostar...