França de 1968 – Mês da Revolução – Lições da Greve Geral
O ponto de inflexão
“A classe operária espera por uma iniciativa por parte de suas organizações. Quando ela chegar à conclusão de que suas expectativas eram falsas – e este momento talvez não esteja muito distante – o processo de radicalização irá ser interrompido e transformado em manifestações de desencorajamento, apatia e explosões isoladas de desespero”. (Trotsky, Aonde vai a França?)
Em meio à especulação da imprensa sobre se estava-se à beira da guerra civil, os servidores públicos se perguntavam como o poder seria transferido para os seus comitês, como estavam certo que seriam! Trabalhadores da projeção civil, agências de notícia e editoras uniram-se à greve. Donos de galeria publicaram uma declaração que a “Arte não é comercializável”!
Estava se tornando óbvio que o referendo de De Gaulle não aconteceria. Nenhuma gráfica pôde ser achada na França, Bélgica ou no sul da Inglaterra para imprimir as cédulas e o Comitê Constitucional incrivelmente o declarou “inconstitucional”! Isto é o equivalente ao Conselho Privado(5) ou a Câmara dos Lordes na Grã-Bretanha declarando as ações do governo ou seu chefe legal – o Monarca – inconstitucionais.
Para este órgão, uma ala não insignificante da burguesia francesa, recorrer a tal oposição aberta aos planos de de Gaulle, a situação deveria ser considerada desesperadora. Sua decisão não tinha nada a ver com a “propriedade constitucional”, mas tudo a ver com o medo da burguesia de que os planos de de Gaulle se voltariam contra ele e o capitalismo como um todo. Uma rejeição de sua proposta pelas massas teria inflamado a situação, já em um tom febril. Melhor esperar por um refluxo – no momento, era necessário tentar lidar com as correntezas da revolução. O rio inchado estava, portanto, a ponto de transbordar. Tinha rompido suas margens. Ações de solidariedade estavam ocorrendo por toda a Europa. Houve relatos de estivadores italianos se recusando a descarregar navios da França que chegavam a Gênova, Livorno e Civitavecchia. The Times falou de ação solidária de trabalhadores britânicos em empresas francesas. Estivadores nos Países Baixos se recusavam a descarregar navios que vinham da França. Gráficos belgas se recusavam a imprimir o L’Express. Não havia a menor questão de uma França revolucionária sendo deixada isolada. Trabalhadores espanhóis já estavam quebrando as próprias fundações do regime do general Franco. Em Portugal, o ditador Salazar estava em seus últimos suspiros. Um apelo aos trabalhadores do mundo, vindo de um vitorioso proletariado francês teria significado o fim do capitalismo.
Qual foi a atitude das camarilhas à frente dos estados operários deformados? Até 5 de junho a burocracia soviética não tomou partido. A China demagogicamente acusou a União Soviética de ter ajudado de Gaulle ficando em silêncio! Jornalistas do Observer comentaram: “A última coisa que o Kremlin quer é uma revolução na França que privaria a Rússia do considerável apoio que deriva da política externa do General de Gaulle”. Mas o que estava em jogo era o próprio futuro das burocracias dirigentes tanto em Moscou quanto em Pequim. Se tivesse se desenvolvido, o movimento revolucionário na França teria varrido não apenas o capitalismo na Europa mas também as elites burocráticas à frente dos estados stalinistas.
Estas considerações sem dúvida alguma devem ter influenciado a perspectiva dos dirigentes do Partido Comunista na França, entre eles Georges Séguy. Por sua passividade, ele ficou sob fogo em um programa de rádio: “Em todo lugar os trabalhadores estão dizendo que “Irão até o fim”: O que isto significa para você?… Os estatutos da CGT declaram seu objetivo ser a derrubada do capitalismo e sua substituição pelo socialismo.E sobre isto?” Séguy admitiu que isto “fundamentalmente” era o objetivo da CGT, mas… “ainda está para se ver se todas as camadas sociais envolvidas no atual movimento estão prontas para ir tão longe”. Uma vez mais os líderes decidiam que as massas não estão “prontas”, tapavam os olhos com as mãos e afirmavam que não viam nenhuma situação revolucionária! Em meados da última semana de maio qualquer outro comentador podia ver isto, incluindo Guy Mollet, que, em nome do governo em crise de 1958, convidou de Gaulle a voltar ao poder.
Ao declarar que “a situação tem um caráter verdadeiramente revolucionário”, Mollet não teve que sacar qualquer conclusão difícil em termos de sua própria ação. A ala direita de seu Partido Socialista foi desacreditada e sua influência minguou consideravelmente. Mas Mollet, com sua longa experiência da política francesa, como todos os observadores sérios, não falhou em registrar o que estava se desdobrando ante seus olhos. Apenas os míopes políticos que lideravam o Partido Comunista Francês ainda pretendiam que não era uma revolução que viam ante eles.
A economia francesa freou e parou. Alguns trabalhadores em uma ou duas fábricas experimentaram recomeçar a produção sob seu controle, mas geralmente havia um reino de paz por toda a indústria e na sociedade como um todo. A Bolsa de Valores e o Banco da França estiveram fora de ação por algum tempo. Servidores públicos criaram um comitê para supervisionar os altos funcionários e o ministério das finanças. Mas nos últimos dias de maio pouco estava acontecendo também nesta frente. The Economist comentou que “no extravagante tumulto há um silêncio dos detentores do poder” e “As organizações patronais estão quietas, como seus membros”!
Em 29 de maio , todos os batalhões pesados da classe trabalhadora se declararam contra quaisquer acordos – os mineiros do Norte, os operários da Renault, da Citroën, da industria aérea, da fábrica de caminhões da Berliet, trabalhadores da Rhodiaceta fibres, os trabalhadores dos aeroportos de Orly e Le Bourget. Isto apensar do fato que muitas ofertas foram ainda maiores do que as acordadas na Rue de Grenelle. Na Bretanha, novas greves de pequenas empresas estalaram. Caen é bloqueada pelos estudantes e trabalhadores. Concessões massivas foram oferecidas para salvar o capitalismo; agora até estas medidas desesperadas pareciam ter falhado. O Evening Standard comentou que “a greve geral, longe de mostrar sinais de esgotamento, está assumindo mais e mais um caráter insurrecional e abertamente político. Centenas de comitês de ação nas fábricas ocupadas estão exigindo um “governo do povo”.
Na manhã de 29 de maio, uma reunião do Gabinete deveria ocorrer. Ela nunca ocorreu! De Gaulle, a encarnação do próprio estado, tinha feito as malas. Ele comentou ao novo embaixador americano, Sargent Shriver, naquela manhã: ‘Quanto ao futuro, sr. Embaixador, ele depende não de nós, depende de Deus!” Prontamente, ele deixou Paris de helicóptero. Dizem que antes de ir embora ele entregou a um alto servidor público a chave para um cofre no qual estava seu testamento político. Ele não apareceu em sua casa de campo, Colombey, e parecia literalmente ter desaparecido da face da terra. Nas poucas horas subseqüentes, teve que calcular se poderia depender que os líderes das organizações operárias não seriam forçados a desafiar o poder. Ele poderia reunir as forças necessárias para derrotá-los?
“A França não tem governo efetivo”, declarou o Evening Standard. Os trabalhadores ainda esperam por uma iniciativa de suas organizações. Existia uma situação como a da revolução francesa de 1848, descrita por Engels, quando: “As massas proletárias, mesmo em Paris depois da vitória, estavam ainda absolutamente no escuro sobre o caminho a ser tomado. E ainda o movimento estava lá, instintivo, espontâneo, irreprimível. Não era esta a situação na qual uma revolução teria que acontecer?” (Introdução à Lutas de Classe na França).
Tudo o que era necessário era um programa para conectar os comitês e para a tomada do poder. Um artigo na edição de junho de 1968 do Militant explicou: Em cada loja, fábrica e local de trabalho os conselhos de trabalhadores seriam naturalmente a forma dominante de organização. Estabelecidos a nível local eles iriam reunir-se nos distritos e a nível nacional os setores organizados seriam atraídos até terem abarcado todos os trabalhadores – o Parlamento das massas – onde sua vontade e suas demandas seriam exercidas; a verdadeira democracia, oposta à falsa democracia dos trapaceiros na Assembléia Nacional. Levantando as demandas dos trabalhadores, camponeses e da classe média, seria possível juntá-los, sentindo a necessidade comum para uma drástica mudança, a necessidade de uma sociedade socialista. Uma vez no poder, os conselhos operários, onde todos os funcionários seriam eleitos e sujeitos à revogação imediata, de instrumentos da luta pelo poder, se tornariam então os órgãos de gestão e controle das próprias massas. É isto o que a classe trabalhadora francesa está procurando às cegas, como os estrategistas do capital entendem tão astutamente. A única coisa que se coloca entre estes e a extinção são os líderes das organizações de massa.
Os chefes do Partido Comunista tinham por objetivo precisamente impedir os comitês de se ligarem uns com os outros. Não havia nenhum Comitê Nacional de Coordenação – nenhum Conselho Operário Central – e os trabalhadores continuaram isolados. O Evening Standard (31 de maio) descreveu o comitê central do Partido Comunista como tendo todas as chaves do poder em suas mãos, “e ainda eles não querem tomar o poder!”, exclamou. E o correspondente do The Economist em Paris relata na mesma data: “Neste exato momento, a única questão vital em Paris é o poder – quem o mantém ou quem o tomará?” O Partido Comunista sustentou depois que “nunca, por um momento, houve um vácuo de poder”!
Naquela noite, bem mais de meio milhão de trabalhadores se manifestaram atrás das bandeiras da CGT em Paris. Cartazes declaravam: “A Sexta República: somos nós!”, “Governo do Povo”. Os trabalhadores do Metrô tinham uma mensagem especial: “De Gaulle – para baixo da terra”! O jornal do Partido Comunista Britânico, o Morning Star, sustentou que o Partido Comunista Francês tinha “por toda a crise atual, lutado sistemática e determinadamente pela substituição de de Gaulle por um governo do povo”! Se foi assim, porque não se livrar do general e toda o seu sistema podre naquele momento? Seria fácil como um cavalo espantando uma mosca irritante!
Shakespeare escreveu: “Os negócios humanos apresentam altas como as do mar: aproveitadas, levam-nos as correntes à fortuna; mas, uma vez perdidas, corre a viagem da vida entre baixios e perigos”. De novo, o movimento por uma ação veio e foi embora, e os líderes operários não fizeram nenhum chamado para a transformação da sociedade. Tais períodos críticos não podem durar muito.
Poder dual
Uma greve geral, mesmo uma numa escala tão monumental como esta, não dá automaticamente o poder à classe trabalhadora. Ela apenas põe a questão do poder ante os trabalhadores e suas organizações.Dois estados disputam pelo domínio da sociedade. De um lado está o enfraquecido estado burguês, rodopiando com os golpes da revolução. A fuga de de Gaulle foi a mais viva expressão de como estava frágil a confiança do estado burguês. Foi similar à fuga do Kaiser Guilherme pela fronteira enquanto a revolução de 1918 engolfava a sociedade alemã. De outro lado, está o embrião de um novo estado operário. Este reside nos comitês e se mostra no controle de ferro exercido pelos operários sobre as fábricas. Mas o poder não cai no colo da classe trabalhadora como uma fruta madura de uma árvore! Ele tem que ser tomado. A História mostra que uma greve geral que não leva à tomada do poder é como uma manifestação com braços cruzados. A greve geral precisa ser o ponto de partida do qual se deve organizar, coordenar, ratificar o que a massa da classe trabalhadora já começou – o planejamento concreto para o estabelecimento de um novo estado dos trabalhadores.
O principal papel do partido revolucionário nesta situação é imbuir as massas com o sentimento de seu próprio poder, tornar consciente o que já estava inconscientemente em funcionamento na mente das massas. A menos que um sistemático e inabalável plano para a conquista do poder seja preparado e executado a tempo, um refluxo irá se manifestar inevitavelmente. As massas perdem a confiança, começam a cair na indiferença, e as forças da contra-revolução começam a levantar suas cabeças. Se o movimento não avançar até uma revolução, ele irá retroceder, e permitir à reação virar o jogo.
De Gaulle voltou à Paris na manhã de 30 de maio. No fim do dia ele falou à nação por quatro minutos e meio. Com um súbito e miraculoso acesso de forças, declarou que o referendo seria abandonado, a Assembléia seria dissolvida, e uma eleição geral iria ocorrer na terceira semana de junho. Ele lançou o medo vermelho; “O país, ele disse, “está ameaçado com uma ditadura comunista”. Sua frase favorita, “Eu ou o Caos”, foi trazida à público e reciclada, ecoando o grito tradicional dos tiranos franceses Bourbon – “Depois de nós, o dilúvio”. Ele fez um chamado aberto por uma “ação civil” através dos renomeados Comitês Republicanos e ameaçou o uso de “outros meios” se e quando necessário.
O carretel da revolução estava destinado a se desenrolar, mas mesmo agora a questão não estava ainda decidida. Tateando de volta ao terreno seguro, todos os velhos elementos reacionários na sociedade começaram a se esgueirar das tocas. Até um milhão, predominantemente velhos e classe médias, foram trazidos em ônibus de todo o país para marchar pelas ruas de Paris no dia do retorno de de Gaulle:
“Mal tinha o general terminado, seus apoiadores afluíram para sua própria manifestação. Os assustados, os frustrados… que se enraiveciam com indignação durante as últimas semanas, estavam enchendo a Place de la Concorde, prontos para marchar até o Champs Elysées rumo ao Arc de Triomphe … provavelmente não tantos quantos os manifestantes de 13 de maio, mesmo se a policia, olhando com lupa, para variar, falasse em milhões… Era a união sagrada de todas as variantes da direita. Antigos colaboradores de Vichy(6) marcharam com veteranos da França Livre(7); homens carregando a bandeira dos Estados Unidos caminhavam atrás de ministros e deputados gaullistas, auto-proclamados lutadores contra a ‘hegemonia americana’, defensores da libertação colonial marchavam lado a lado com fanáticos da Algérie Française, e liberais hipócritas com bandidos fascistas. (Daniel Singer, Prelude to Revolution)
Com os líderes dos trabalhadores falhando em fornecer uma mão firme no leme para guiar a revolução adiante, todo o velho entulho foi trazido à superfície. Este “Partido do Medo” representava muito pouco na sociedade – poeira humana de uma classe decaída que teria sido varrida por uma revolução juvenil. Agora que a maré revolucionária estava refluindo estes pequeno-burgueses frenéticos gritavam histericamente: “O comunismo não passará!”, “França para os franceses”, “Cohn Bendit para Dachau(8)”, “Mitterand para o poste”, entre outros slogans igualmente infames e chauvinistas. Caminhões lotados de soldados apareceram a apenas quatro quilômetros do centro de Paris. Tanques circulavam nos anéis rodoviários. Dois mil homens sob ordens de marchar – dois regimentos – foram vistos se movendo perto da fronteira francesa. A moral estava sendo restaurada, e as ordens seriam obedecidas.
De Gaulle, isto ficou claro, tinha “desaparecido” para Baden-Baden, para negoviar com os chefes do exército francês, incluindo o general Massu, comandantes dos 70 mil soldados franceses na Alemanha. Era o último recurso para o general. Ele podia pensar apenas em termos de manobras militares e no emprego de tropas. “Como a figura na literatura clássica que precisa tocar o chão para restaurar sua força, ele precisava voltar às suas raízes – que era o exército”, como seu chefe de policia pontuou. O correspondente de Paris do Evening Standard, Sam White, revelou depois que de Gaulle exigiu a lealdade incondicional do exército ao regime, e então disse a Massu que, em caso de uma revolução em Paris, o Presidente da República estabeleceria o governo no lado oeste do Reno.
Uma característica notável da situação era que os únicos líderes políticos a receber noticias do que estava sendo preparado em Baden-Baden eram os comunistas. O exército francês, através de canais à disposição sua, deixou os líderes comunistas franceses saberem algo das intenções de de Gaulle. Ao cair da noite de 29 estava claro que a calma reinava em Paris e que o General poderia retornar a salvo e em triunfo.
Ele negociou com Massu, o “açougueiro de Argel”, comprando sua lealdade na execução de qualquer tarefa que o presidente pudesse determinar. Em troca, o general Raoul Salan, antigo chefe da OAS, o assassino exército secreto que tinha se dedicado a manter a Argélia francesa, seria solto da prisão (No mês seguinte, ele e outros líderes da OAS eram homens livres). A promessa de ajuda militar restaurou parcialmente a moral do general de Gaulle, mas a opção militar sem dúvida era considerada como a última jogada desesperada de dados, se tudo o mais tivesse falhado. Embora de Gaulle possa ter sonhado em jogar o papel de um moderno Gallifet – o general que afogou a Comuna de Paris em sangue – qualquer tentativa de usar o exército teria resultado em seu desmoronamento em suas mãos.
Contudo, o fator mais decisivo para de Gaulle foi o pérfido papel dos líderes dos partidos Comunista e Socialista. Um estrategista sério do capital como de Gaulle, mesmo conhecendo o papel covarde destes líderes operários, não poderia ter previsto que, com o poder completo pronto para ser tomado, eles pudessem, como dândis entediados, declinar afetadamente da oferta!
Os deputados na agora dissolvida Assembléia pareciam completamente confusos, senão dementes. Os da “Esquerda” decidiram cantar a Internacional – a primeira vez naquele santo recinto! Mas isto era mero gesto – eles não tinham nenhuma explicação para o que tinha acontecido e foram apenas levados por eventos além de seu controle.
Dentro de 24 horas de Gaulle tinha retornado. Qual era a explicação? “Quando ele declarou que o estado ainda estava lá, os comunistas pareciam quase aliviados”, escreveu o The Economist (1 de junho de 1968). Eles poderiam ter tomado o poder; ele seria colocado em suas mãos pelo poderoso movimento operário, mas se recusaram a tomá-lo. Foram eles que permitiram que de Gaulle recobrasse a iniciativa.
Para este a questão ardente do momento era como descarrilar a revolução, como expulsar os trabalhadores das fábricas. Era preciso a todo custo guiar a sociedade francesa para fora dos mares tempestuosos da revolução para as águas calmas das eleições parlamentares. Os cretinos parlamentares que lideravam o Partido Comunista Francês, assim como os do Partido Socialista, abraçaram avidamente esta proposta.
De Gaulle agora entrava na campanha eleitoral livrando-se de vários ministros que ainda não tinham renunciado, e agiu para por em prática sua virulenta campanha anti-comunista, levantando o espantalho de uma ditadura stalinista para reprimir qualquer idéia de reforma radical. Mas ele poderia ter sucesso? Sua sorte iria durar? Não seria ele varrido pela eleição e um governo comunista-socialista chegaria ao poder?
O Partido Comunista entrou avidamente na campanha. Ao invés de tentar tomar o poder, saudaram as eleições como uma oportunidade para o povo dizer o que queria – como se ele já não tivesse deixado seu desejo absolutamente claro! Eles renunciaram a uma vitória segura e começaram a tentar desmobilizar as tropas. Chamaram os trabalhadores a negociar os melhores acordos possíveis e retornar ao trabalho, mesmo se outros setores continuassem a entrar em greve.
Alternativa comunista
Em sua campanha eleitoral eles rebaixaram qualquer aspecto socialista de seu programa. Antes, eles tentaram forjar um acordo com a Federação de Esquerda sobre um Programa Comum que incluiria nacionalização progressiva – dos bancos, finanças, industria de armas, espacial, aérea e transporte aéreo, um banco nacional de investimentos e comitês para o poder e controle dos trabalhadores. Quando isto falhou, eles entraram na campanha parecendo mais moderados ainda que os Socialistas. Mascateavam frases sem significado como “Modernização democrática das estruturas econômicas, sociais e políticas”. Pior de tudo, tentaram desfilar nas roupas do inimigo – patriotismo, decência, respeitabilidade. Com o slogan “inspirador”: “Contra desordens, contra a anarquia, vote comunista”, eles empenharam-se em posar como um partido da “lei e ordem” alternativo ao de de Gaulle. Adotaram a bandeira da República Francesa burguesa em detrimento da bandeira vermelha do movimento operário internacional. Comunistas na Grã-Bretanha até organizaram uma marcha à embaixada francesa sob bandeiras vermelhas e tricolores da França!
Ao invés de defender uma democracia operária com base na nacionalização dos monopólios sob a controle e gestão democrática dos trabalhadores como o único caminho para garantir menos horas, melhores condições de vida, novas casas para as famílias dos trabalhadores, etc, defendiam uma “Nova democracia que abrirá o caminho para o socialismo”. Quanto tempo os trabalhadores teriam que esperar? Isto significava que haveria duas etapas para a transformação socialista ou uma lenta e gradual construção até os capitalistas apenas desistirem? Ou ambos?
No fim de 1968, o comitê central do PCF verbalizou isto:
“O melhor método de abrir o caminho para o socialismo em nosso país é organizar a luta das massas contra o poder pessoal, por uma democracia avançada, enfraquecer a posição do capital de larga escala na vida da nação, provocar tal movimento do povo para o socialismo que os monopólios serão forçados a entregar suas posições sem serem capazes de recorrer à guerra civil para se opor ao desejo popular”.
Que ilusões na boa vontade do inimigo capitalista! Que pensamento confuso, completamente anti-marxista!
Para assegurar a vitória nas eleições de junho de 1968, o Partido Comunista deveria ter defendido um governo comunista-socialista com um programa para nacionalizar as empresas das 200 famílias mais ricas. Deveriam ter contraposto a “ordem” da economia planificada contra a “anarquia” do mercado capitalista – a democracia socialista contra a “conspiração cosmopolita do capitalismo”, como Marx a chamou. Poderiam apresentar um programa para atrair o pequeno camponês, o lojista e o pequeno comerciante, incluindo o cancelamento das dívidas, o fornecimento de crédito e auxílios baratos, o que teria reunido estes setores atrás da bandeira do partido operário. Ao invés, eles tentavam competir com de Gaulle em seu próprio terreno.
O Partido Comunista da França falhou em reconhecer uma das mais importantes lições dos eventos franceses. As camadas médias na sociedade serão ganhas por uma ação corajosa para a mudança por parte da classe trabalhadora, não pela moderação e tentativas de introduzir idéias de classes estranhas para o programa do partido operário.
Resultados eleitorais
O resultado da eleição provou que, quando as classes se tornam polarizadas, como o foram dramaticamente no curso da greve geral, então os partidos que expressam mais claramente seus interesses de classe ganham mais. O pequeno partido centrista PSU, que falava de “poder dos trabalhadores” e descrevia a situação no fim de maio como “favorável para a instalação do socialismo como nunca antes”, dobrou seus votos de 495.412 em 1967 para 874.212. Mas devido às excentricidades do sistema eleitoral francês, ele também perdeu seus três deputados.
O Partido Comunista perdeu 604.675 votos e metade de seus deputados (em 1967 eles tiveram 5.039.032 votos). A Federação de Esquerda perdeu um número similar de votos, 570.107, mantendo apenas 57 assentos contra os 118 anteriores. Isto representou a pior queda de votos para os socialistas em sua história. No fim do ano a Federação de Esquerda dispersou-se e no ano seguinte o restante do SFIO (Partido Socialista) pôde conseguir apenas 4% dos votos!
Os gaullistas ganharam quase exatamente o número de votos que a Esquerda perdeu – 1.214.623. Como isto pôde acontecer? O Partido Comunista afirmou que um grande número de gaullistas que não votaram por 20 anos se mobilizaram em torno do general. Mas houve 10 milhões de grevistas e nem todos votaram nos partidos de esquerda contra de Gaulle! Como se pode explicar isto?
Fácil! Os Partidos Comunistas do mundo declararam em uníssono que estes resultados simplesmente “provavam”, além de qualquer sombra de dúvida, que a situação na França nunca foi revolucionária! Os comunistas estavam certos em não tentar uma revolução. Obviamente os trabalhadores não estavam prontos, senão como poderiam ter permitido a de Gaulle tal triunfo? Mais uma vez tentaram desviar sua própria culpa para a classe trabalhadora. O que as eleições provaram foi que o chamado partido “revolucionário” – o Partido Comunista – falhou em convencer 15 milhões de trabalhadores da França, suas famílias e a classe média de que o socialismo poderia funcionar! Durante a greve, todas as dúvidas nas mentes dos trabalhadores sobre se eles podiam mudar a sociedade evaporaram. Se o resultado da greve tivesse sido diferente, eles poderiam ter provado a eles mesmos e ao mundo do que eram capazes. Mas quando o movimento começou a retroceder, quando eles mais uma vez tiveram que se curvar ao jugo, estas dúvidas inevitavelmente voltaram a aflorar. O medo do desconhecido é explorado pela propaganda da contra-revolução. A menos que seja energeticamente contida pela propaganda da revolução, ela causará um efeito.
O sistema eleitoral gaullista foi, é claro, enormemente predisposto contra as áreas da classe trabalhadora na França e especialmente contra a juventude. Os 5 milhões de 16-21 anos na França que se tornaram rapidamente politizados não tiveram voz na eleição. Mesmo os 200.000 que alcançaram a idade de votação de 21 anos nos últimos três meses foram excluídos porque foram usadas as velhas listas. Os milhões de imigrantes e suas famílias também não votaram. O material eleitoral não circulou entre as forças, fora o dos gaullistas.
O peso do eleitorado a favor das áreas rurais era tal que cada deputado comunista teve que ter uma média de 135.000 votos para ser eleito, onde os gaullistas precisaram de apenas 27.000! Não obstante, apenas poucos meses antes dos eventos de maio, a expectativa era que os gaullistas perdessem as próximas eleições. Apesar do sistema eleitoral tendencioso, depois de tal onda de intranqüilidade, eles deveriam estar destinados a uma derrota ignominiosa e permanente. Ao invés disso, inteiramente graças à posição covarde adotada pelo Partido Comunista, não apenas o gaullismo, mas de Gaulle e o próprio capitalismo se recuperaram – por um período, pelo menos. Até um milhão de eleitores, face à escolha entre as pretensões de “lei e ordem” dos comunistas e as de de Gaulle, preferiram o diabo que conheciam – o especialista. Mas para de Gaulle pessoalmente, sua vitória foi de Pirro.
Em julho, com o objetivo de se livrar de qualquer possível rival, ele mandou embora, sem cerimônia, seu servidor mais fiel, Pompidou. Este ganhou popularidade demais para compartilhar do mesmo sol que esse Bonaparte! Mas dentro de um ano, Georges Pompidou, antigo magnata banqueiro de Rothschild, era presidente da República Francesa. O general de Gaulle recebeu um golpe mortal pela greve geral dos trabalhadores. O coup de grâce foi administrado por sua própria mão. Finalmente, ele chamou um referendo sobre a participação no governo regional, e foi derrotado. Depois disso, ele simplesmente se desvaneceu da cena da história. “Nada mais será o mesmo novamente”, a imprensa britânica comentou. “A longo prazo, as eleições foram apenas uma distração”.
5 Conselho com ministros, ex-ministros e outras pessoas “notáveis” que aconselham o monarca britânico.
6 O Regime colaboracionista aliado dos nazistas na Segunda Guerra Mundial.
7 Movimento nacionalista de resistência ao ocupante nazista, liderado por de Gaulle.
8 Campo de Concentração nazista.