A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994
Eventos Internacionais 1970 – 74
1972 viu uma massiva escalação do conflito na Irlanda do Norte. Naquela época não era tão fácil ou ‘popular’, no Ulster ou Grã-Bretanha, apontar os fatos da situação na Irlanda do Norte, mesmo para os trabalhadores mais avançados.
No domingo, 30 de janeiro, no auge da greve dos mineiros, 13 manifestantes desarmados foram alvejados em Derry. Nossa manchete foi: “Derry – isso foi assassinato”. Dissemos que o este dia “entraria na história como o Domingo Sangrento da Irlanda do Norte.” Esta edição saiu quando um comício de mineiros em greve acontecia em Trafalgar Square. Muitos deles reagiram – e nem todos positivamente – aos fatos brutais relatados nas páginas do Militant. Dissemos que este evento “podia ser comparado ao massacre de Croke Park de 1920 quando ‘black and tans’ (auxiliares paramilitares policiais) balearam 12 civis.” (1) Nós enviamos testemunhas oculares. Brian Docherty, um apoiador do Militant, escreveu:
Eu estava na Chamberlain Street quando os Paras atacaram. A multidão reagiu em pânico e eu corri para o pátio atrás dos apartamentos Rossville, mas parei quando vi que estávamos sendo flanqueados por soldados, que estavam tomando posição na esquina dos prédios… De repente percebi que era um tiroteio. Saltei para atrás de um muro. Olhei e vi um para que abriu fogo e acertou um jovem que estava a apenas 12 pés de mim. Alguém gritou para mim: “Veja, ele foi ferido,” e nos precipitamos sobre ele e o carregamos para o outro lado do bloco, e ele foi levado para o hospital. O homem estava desarmado e foi atingido por um soldado britânico enquanto corria para se esconder. (2)
Paul Jones, outro apoiador do Militant, escreveu:
William McKinney, de 27 anos, foi atingido por soldados. Quando a sra. Collins correu para ajudá-lo, foi-lhe ordenado por um pára-quedista a deixá-lo sozinho. Quando ela insistiu, foi atingida na cabeça com um rifle. Depois, quando ela podia alcançar o rapaz, junto com os ‘Cavaleiros de Malta’ e a companheira de McKinney, este estava morto. A sra. Collins disse que ela não viu nem ouviu qualquer bomba ou tiros antes dos Paras abrirem fogo… James Rea, disseram os moradores de maisonettes, oposto aos apartamentos de Rossville, estava escondido num abrigo, ferido no braço, quando pára-quedista se aproximaram dele. “Não atirem. Não tenho arma,” ele gritou. Os pára-quedistas então exigiram que ele se rendesse, o que ele fez, e então foi baleado mortalmente.
Nós dissemos
a responsabilidade não recai apenas nos pára-quedista, que são candidatos ao papel de Guarda Pretoriana do imperialismo britânico, mas o governo conservador e do capital financeiros que os apóia e o sistema que representam. O terrível derramamento de sangue na Irlanda do Norte é o legado de séculos de dominação da classe dominante britânica. Seu domínio tradicionalmente é feito pelo sangue e pelo ferro. Esse massacre é apenas o último de um capítulo de horrores em que o povo irlandês está envolvido. (3)
Representando Militant, eu estive em ‘Derry Livre’ com um convite dos socialistas locais apenas uma semana antes deste incidente. Então ainda era possível encontrar, pelo menos em Derry, apoio entusiástico para a idéia de uma alternativa classista não-sectária. Mas em conseqüência destes eventos, Militant reportou:
Os ultrajados jovens católicos foram inundados por panfletos dos IRA oficial e provisório… Haverá agora um novo influxo da juventude católica para o IRA… A raiva da população católica é inteiramente compreensível. Eles desejam atacar, com armas, os responsáveis por esse massacre. Mas propor uma nova campanha de terror e represálias não é o meio de vingar os mortos e apenas irá reproduzir os eventos sangrentos em Derry numa escala enorme. A burguesia britânica apenas irá pagar estes eventos se uma estratégia de ataque a todo o sistema capitalista for trabalhada. Uma campanha de assassinatos individuais de soldados ingleses apenas irá fornecer uma desculpa para uma repressão posterior. Também irá apenas reforçar a hostilidade do soldado comum à população católica. (4)
E sobre as tropas?
Em relação ao uso de soldados britânicos, nós dissemos: “Não há maneira de produzir uma retirada das tropas inglesas e do imperialismo britânico exceto numa base classista” (5). Uma reportagem (baseada na minha visita antes do Domingo Sangrento) pontuou: “Uma coisa é absolutamente certa; o exército britânico… uniu praticamente toda a população católica contra eles, devido aos seus métodos.” Eu vi em primeira mão os métodos usados por eles numa patrulha nas ruas:
A tática é rasgar assoalhos, rasgar tetos e papéis de parede, e destroçar a mobília. Isso é feito em 98 numa rua de, digamos, 100 casas. Em duas casas, os soldados tomam cuidado em evitar fazer qualquer dano e nestas os moradores são intimados a assinar atestados de que nenhum dano foi feito. (6)
O nível de repressão era intenso:
Á medida que o exército avança, metade da população católica masculina é ‘levada de carona’. E não apenas os apoiadores dos IRA oficial e provisório são sujeitos a esse tratamento… Os vendedores do Militant ou de qualquer jornal do movimento trabalhista podem ser levados para interrogatório. (7)
Seguindo-se aos eventos do Domingo Sangrento, toda a Irlanda foi convulsionada por protestos. Uma greve geral estourou no Sul que paralisou o país. O fato é que mesmo o capitalismo irlandês parecia ameaçado; a população irlandesa culpava seu governo por não fazer nada para proteger seus irmãos no Norte.
A raiva contra o governo e o imperialismo britânico, que claramente eram os responsáveis pelo massacre no Norte, culminou numa marcha massiva na embaixada inglesa em Dublin. O governo e a polícia irlandeses foram obrigados a assistir impotentes enquanto a multidão queimava totalmente a embaixada.
Devido ao fato de que não havia ninguém para encabeçar as organizações dos trabalhadores, tanto no Norte quanto no Sul, esse movimento inevitavelmente minguou. Mas os eventos do Domingo Sangrento aprofundaram o pântano em que o imperialismo inglês se encontrava na Irlanda do Norte. Sua campanha de repressão agiu como uma junta de recrutamento para o IRA. Os representantes do Militant iam em visitas à Irlanda do Norte e do Sul constantemente durante os anos 70.
Golpe militar no Chile
Os eventos no Chile apresentavam-se constantemente no Militant entre a eleição do governo Allende em 1970 e o golpe do General Pinochet em setembro de 1973. Em 1972 o jornal alertou o que poderia ser
“um ano decisivo para os trabalhadores e camponeses chilenos. A sociedade chilena balança a beira da crise. A questão está posta: irão os trabalhadores e camponeses ter sucesso em garantir os ganhos do governo da Unidade Popular (UP) de Allende, pressionando rumo à revolução socialista, ou a reação atacará com vingança feroz ou mesmo numa escala mais terrível do que o golpe do general Banzer na Bolívia em agosto de 1971?” (8)
Estas provaram ser palavras proféticas. Militant alertou contra a vacilação e as ilusões perigosamente irresponsáveis de Allende, o presidente ‘marxista’. Ele segurava as massas:
com frases alertando contra ‘provocações da reação’ e pensava que poderia neutralizar os generais – os fiéis servos dos capitalistas, lisonjeando-os e louvando seu ‘respeito pela democracia’. (9)
Apesar das afirmações de que o Chile era ‘a Inglaterra da América Latina’, o exército chileno organizou não menos que nove golpes desde 1920.
Allende apenas pôde tomar posse depois de prometer, num pequeno documento público, de que as forças armadas permaneceriam intocadas em seu governo. Era uma garantia de que a reacionária casta de oficiais reteria sua força. E estaria pronta para o ataque no momento mais apropriado. O Militant pontuou que por todo o ano de 1971,
a reação tem paralisado o entusiasmo esmagador das massas pelo governo Allende. A CIA também está paralisada. Uma intervenção direta do imperialismo dos EUA irá provocar uma explosão entre a juventude e os trabalhadores americanos… (10)
O Militant declarou francamente:
Apenas um corajoso programa revolucionário pode garantir uma transição pacífica: 1. Comitês de camponeses devem ser estabelecer a tomada da terra… Um decreto de nacionalização da terra pode legaliza o fato revolucionário consumado. 2. Controle operário da indústria… para impedir o fechamento de fábricas. A industria deve ser nacionalizada com uma compensação mínima. 3. Comitês de ação… devem ser estabelecidos pelos sindicatos para forçar os fazendeiros e patrões para reduzir preços e aluguéis. 4. Milícias dos trabalhadores, baseadas nos sindicatos, para defender os ganhos dos trabalhadores… Allende deve apelar para as fileiras (do exército) para forçar comitês de soldados. Todo esforço deve ser feito para atrair os soldados em acordo com seus irmãos da indústria. Face a um poderoso movimento no exército, os generais ficarão suspensos no meio do ar. (11)
A resposta de Allende à pressão da esquerda foi: “Não podemos nos esquecer que estamos dentro da estrutura de um regime burguês legal.” Isso apenas encorajou a reação e aumentou a impaciência daqueles na esquerda. Na situação concreta, Militant disse:
Marx explicou que a burguesia não pode ser esmagada usando-se seu próprio estado, que é necessário ascender as organizações dos trabalhadores – mais desenvolvidas na forma de sovietes [comitês de trabalhadores e camponeses] – ao poder estatal, paralisando e desmantelando completamente o velho estado no processo. Esse é o único caminho para os trabalhadores e camponeses chilenos. (12)
Poucos meses depois, alertamos: ‘Generais posicionados’. O artigo detalhava as tentativas de reação – a greve dos lojistas em setembro e o lockout dos caminhoneiros em outubro para desestabilizar o governo da Unidade Popular. Essas medidas testavam o terreno para a hora em que os generais pudessem ir mais adiante:
Eles estão sendo cortejados pelos capitalistas e latifundiários como os ‘árbitros da nação’. Depois de um período suficiente de ‘anarquia’ os generais estarão aptos para ir adiante como os ‘salvadores’ do país. (13)
A classe média pode ser ganha
O outro lado do processo também foi delineado: “Mas os reacionários ainda vivem com um medo mortal dos trabalhadores.” Em relação aos protestos da classe média, dissemos
apenas a classe trabalhadora, lutando por um programa socialista claro, pode defender realmente os interesses dos pequenos proprietários… Isso pode ser possível garantindo créditos baratos para os pequenos fazendeiros e lojistas… para desenvolver seus negócios voluntariamente eles podem concordar em formar empresas cooperativas, eventualmente unindo-se ao estado industrial quando puderem ver que esse caminho pode levar a uma melhor condição de vida para eles. (14)
Um alerta claro foi dado:
No Chile, o desastre se aproxima! O tempo é curto! É uma questão aberta se as eleições marcadas para fevereiro de 1973 acontecerão ou se os patrões se moverão antes dela.
Militant chamou os trabalhadores chilenos a
Quebrar a coalizão com os partidos capitalistas! Os socialistas, exijam o armamento dos trabalhadores contra os comandos fascistas! Apelo às tropas! Ligar as organizações operárias com um programa de tomada do poder! (15)
Nesta época, os Labour Party Young Socialists enviaram uma carta a seus equivalentes chilenos, a juventude do Partido Socialista Chileno, que encontrou uma pronta resposta. No número de 15 de dezembro Militant disse: “Mesmo Allende pontuou que o país estava ‘a beira da guerra civil’.” A detonação não chegou por quase nove meses, mas veio em 11 de setembro de 1973, com terríveis conseqüências para os trabalhadores chilenos.
O golpe de Pinochet
Todos os alertas sobre a ameaça de golpe militar foram em vão. Em agosto, o Militant pontuou que o paro nacional organizado pela associação de proprietários de caminhões, abertamente apoiada pelas forças contra-revolucionárias internas ligadas à CIA. A crise de julho foi “’resolvida’ trazendo três comandantes militares para o governo da UP (Unidade Popular). Esta terminou garantindo todas as principais demandas dos.” (16)
A contra-revolução tentou um golpe prematuramente em junho. A razão do fracasso do golpe foi porque “se ao exército chileno faltou apoio, a explicação não pode ser encontrada em nenhuma peculiar tradição nacional, mas na formidável força agora adquirida pelo movimento trabalhista.” De fato, o terreno não estava totalmente preparado para a reação aberta e as “leais forças armadas” reorganizaram-se ao lado do governo.
Ao mesmo tempo, pontuamos que “a medida que as notícias do golpe se espalharam, milhares de trabalhadores pararam, ocuparam as fábricas e, deixando piquetes armados nos portões, marcharam para o palácio presidencial.” Se apenas este tipo de abordagem tivesse sido adotada quando o golpe fatal estourou em setembro…
Allende
apelou para o retorno ao trabalho e policiais foram enviados para desmanchar as multidões aglomeradas. Apenas esta covardia, esta perfídia, esta total falta de respeito, permitiu aos patrões respirar uma vez mais. Apenas o bloqueio do movimento de massas como resultado desta traição animou os transportadores o suficiente para levantar suas cabeças em desafio à UP.
Isso deixou muito claro que “não há falta de coragem, ou disposição de lutar. O que está faltando é liderança.” (17)
Reportagens mostraram que as forças armadas desarmavam trabalhadores e conduziam buscas viciosas e rigorosas por armas em fábricas e distritos operários. “Oficiais navais tem tomado duras ações contra marinheiros que foram afetados pela propaganda revolucionária, conduzindo buscas entre eles.”
De fato, a casta de oficiais em Valparaiso prendeu e estava torturando os soldados e marinheiros que estavam alertados do golpe e imploraram a Allende para armar a classe trabalhadora. Militant demandou que “as organizações operárias precisam ser armadas na defesa contra os fascistas.” Apelamos para a
ala esquerda, especialmente a juventude socialista (que) precisa lutar por comitês de ação para a defesa dos direitos dos trabalhadores e da defesa da revolução a serem criados em cada fábrica, distrito operário, forças armadas, para serem ligados localmente, nos distritos e nacionalmente junto com todas as organizações operárias para fornecer a invencível estrutura para levar adiante a revolução e derrotar os complôs contra-revolucionários da reação. Armar os trabalhadores! Expulsar os ministros capitalistas, vivis e militares, do governo da UP. Por um Chile Socialista! (18)
Acima de tudo, alertou o Militant “a classe capitalista está preparando uma guerra civil.” A tragédia é que essas palavras foram escritas em um jornal britânico, sem acesso às genuínas forças do marxismo no Chile. Estas não tinham uma clara compreensão ou perspectivas de como mudar a situação. Havia indubitavelmente muitos membros heróicos nas fileiras dos partidos socialistas e comunistas que estavam preparados para lutar. Havia um setor significativo, que estava armado, na juventude do Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR). Mas não houve nenhuma tentativa séria de criar corpos de defesa baseados nas organizações dos trabalhadores. A falta de tais organizações, junto com as falsas políticas dos líderes socialistas e comunistas, resultou numa catástrofe para os trabalhadores chilenos.
Dois meses depois que Pinochet lançou seu golpe militar, Militant reportou que “milhares de trabalhadores morreram defendendo suas fábricas ocupadas, ou enfrentando desafiadoramente os esquadrões militares assassinos.” Nós declaramos:
Se o socialismo não é um sonho sentimental, então só há uma única conclusão: a liderança e o programa das organizações de trabalhadores eram falsos. E essa é nossa convicção. Os trabalhadores foram levados como ovelhas para a matança pelo programa totalmente falso de seus líderes. (19)
Apenas uns poucos dias antes do golpe, no domingo de 9 de setembro, mais de um milhão de trabalhadores em marcha passaram por Allende no balcão do palácio presidencial em Santiago, a maioria pedindo armas. Eles tentaram heroicamente defender os ganhos de 1970-73. Contudo, as táticas empregadas não foram as que garantiriam a vitória.
1 Militant 90 4.2.72
2 ibid
3 ibid
4 ibid
5 ibid
6 ibid
7 ibid
8 Militant 92 18.2.72
9 ibid
10 ibid
11 ibid
12 ibid
13 Militant 131 17.11.72
14 ibid
15 ibid
16 Militant 169 17.8.73
17 ibid
18 ibid
19 Militant 173 21.9.73