A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994

Os Balcãs

A oposição ao racismo na Grã-Bretanha foi sem dúvida reforçada pela ascensão dos grupos racistas e fascistas na Europa. O pesadelo bósnio, com sua “limpeza étnica”, estupros em massa e massacres brutais, alimentou o sentimento, especialmente entre os jovens, que tudo deveria ser feito para impedir que tal cenário se abrisse na Grã-Bretanha. Em 1993 2 milhões de pessoas foram expulsas de suas casas na Bósnia e 130 mil foram mortos. De Thatcher a David Owen, incluindo os que diziam estar ‘à esquerda’ do Partido Trabalhista, começou um clamor por uma ação militar contra os sérvios bósnios.Imagens de cortar o coração, transmitidas para cada sala de estar, de corpos muçulmanos mutilados alimentaram o sentimento de que “algo devia ser feito”. Nós concedemos:

Certamente é verdade que os sérvios bósnios, com armamentos do antigo exército iugoslavo à sua disposição, foram responsáveis pelas maiores limpezas étnicas. Mas agora mesmo bósnios croatas (auxiliados pelo governo da Croácia) e muçulmanos estão tentando purificar etnicamente a área em torno de Vitez na Bósnia central.

Mas deixamos claro:

O Militant se opõe a qualquer interferência militar pelos poderes capitalistas na Bósnia. Não temos nenhuma confiança em Major ou Thatcher para proteger as comunidades mineiras ou minorias raciais em casa, nem damos confiança a eles para proteger os sofredores e oprimidos fora. Tudo o que irão defender são os lucros e os interesses estratégicos do capitalismo. O destino do povo balcânico apenas pode ser determinado pela classe trabalhadora da região. No inicio dos dois últimos fatídicos anos, a classe trabalhadora estava emergindo como uma força independente… Em Sarajevo havia manifestações unidas contra os fanáticos nacionalistas. Pistoleiros sérvios deliberadamente atiraram em alguns dos envolvidos para injetar o veneno étnico. Um chamado claro para a unidade dos trabalhadores então e pela criação de comitês de defesa dos trabalhadores teria mantido a linha contra o banho de sangue em Sarajevo. Isso poderia ter mudado o curso dos eventos na Bósnia. (1)

“Armar os muçulmanos”?

Uma das questões em que o Militant foi desafiado era em sua recusa de apoiar o slogan de “armar os muçulmanos”.O Militant apoiava o direito de todas as comunidades, especialmente minorias oprimidas, para defender a si mesmas contra os ataques, se necessário com armas. Nós pontuamos: “Os muçulmanos bósnios tem esse direito mas também tem os sérvios e croatas onde eles estão em minoria e sob ataque.” (2)

O Militant sempre ligou esta demanda à idéia de criar democráticos comitês de defesa. É verdade que as populações sérvias e croatas receberam um amplo fornecimento de armas, especialmente pesadas, de poderosos estados vizinhos. No inicio esta opção não estava aberta à população muçulmana sob cerco. Mas os bósnios muçulmanos quebraram de fato o embargo de armas e receberam um fornecimento completo de armas pesadas. É verdade que perseguições violentas à população muçulmana foram realizadas, por grupos sérvios e croatas.Mas massacres e perseguições também ocorreram contra todos os 3 grupos étnicos que constituíam a Bósnia. O Independent em 1993 reportou a abertura de “covas coletivas” contendo 17 sérvios, massacrados numa onde de ataques revanchistas em vilas sérvias em Fakovici. Uma outra cova de sérvios mortos por muçulmanos foi aberta em Bosanski Brod, no norte da Bósnia em 2 de maio de 1993. Carnificina mútua, em geral provocada por milícias nacionalistas descontroladas, é inevitável numa guerra civil étnica.

A comparação, feita por alguns da esquerda, com a guerra civil espanhola é completamente errônea. A esmagadora maioria dos trabalhadores e camponeses lutou contra o golpe fascista de Franco. Isso levantou a moral e o apoio político da classe operária internacional e o pedido de armas e voluntários para a Espanha encontrou um poderoso eco no movimento operário internacional. As coisas eram diferentes na Bósnia. As forças políticas e militares dominantes de todos os lados eram nacionalistas pró-capitalistas. Foram estes senhores de guerra étnicos, inclusive muçulmanos, que receberam o benefício de armas.Nós pontuamos:

Serão seus interesses de classe, a conquista de tantos territórios e influência quanto possível, não importa o sofrimento, que predominará sobre os interesses dos trabalhadores e camponeses muçulmanos, sérvios e croatas comuns. Isso se aplica para o principal líder muçulmano Izetbegovic, ao principal líder bósnio sérvio Radovan Karadzic e às criaturas bósnio-croatas de Franjo Tudjman, presidente da Croácia. (3)

Izetbegovic, de acordo com o The Independent,

pôs suas cartas na mesa na sua Declaração Islâmica de 1990. Ele prevê um estado muçulmano puro com dimensões religiosa, política e social totalmente integradas. Ele considera o Islã como eteno e acima de considerações de reforma. (4)

Uma posição sectária religiosa como essa não falharia em levantar a hostilidade e suspeita sérvia. Os nacionalistas sérvios jogaram com ela, alertando os bósnios sérvios que um estado islâmico estava para ser formado no qual eles seriam discriminados.

Os objetivos das forças nacionalistas sérvias e croatas sobre a Bósnia foram claramente explicadas  numa reunião entre Karadzic e o representante croata Boban na cidade austríaca de Graz no começo de 1992. Houve, como se estivessem dividindo um bolo, um plano pensado para dividir a Bósnia. Parte da região seria anexada a uma Grande Sérvia, parte para uma Grande Croácia, com um estado tampão muçulmano entre ambos. As forças nacionalistas/pró-capitalistas muçulmanas, de outro lado, não hesitariam em reprimir outros grupos nacionais na tentativa de aumentar seu poder e prestígio.Mesmo um oficial britânico servindo com as forças da ONU em 1993 na cidade sitiada de Vitez acreditava que qualquer novo fornecimento de armas para as forças muçulmanas não seriam usadas num contra-ataque aos Sérvios mas “mais provavelmente iriam para o alvo mais fraco, as cidades croatas no centro da Bósnia.” (5)

Por todas estas razões o Militant não podia levantar o slogan de “armar os muçulmanos”. A principal demanda para os socialistas e marxistas em cada situação complicada da Bósnia deveria ser por uma força de defesa unida dos trabalhadores para repelir todos os ataques à comunidade. As cínicas manobras de cada grupo capitalista nacional é mostrada pela recente aliança das forças croatas e muçulmanas contra os sérvios. Isso apesar do fato de que as forças croatas atacaram impiedosamente os muçulmanos em Mostar em 1993. Há também muitos outros exemplos de muçulmanos reprimindo brutalmente croatas. A prioridade da classe trabalhadora e do movimento trabalhista internacional em conflitos como este deve ser desde o princípio desenvolver uma ação classista independente das organizações operárias.

Rússia

Um dos fatores segurando as mãos dos poderes capitalistas europeus era o medo de uma aberta intervenção russa do lado dos sérvios, “pequenos eslavos”. Até este momento, a Rússia tinha pouca influência nesta área. Yeltsin, em abril, ganhou um referendo com 62% dizendo que confiavam nele como presidente,e 56%aprovando suas”políticas econômicas pró-mercado”. Ao mesmo tempo, houve um voto contra qualquer eleição presidencial ou parlamentar antecipada. O resultado da eleição foi, de fato, que os trabalhadores russos optaram pelo que viam como o “menor mal”. Tão desacreditada era a recém-estabelecida “democracia” que os centros de votação tocavam música e vendiam lanches para atrair eleitores. O sentimento era de descontentamento, com um grande grau de cinismo e apatia. E como seria diferente, dado o estado catastrófico do país, com os salários dos trabalhadores russos agora capazes de comprar apenas metade do que podiam 16 meses antes? Além disso, no curso da campanha Yeltsin prometeu tudo a qualquer um na tentativa de ganhar votos. Os mineiros de Kuzbas “poderiam ter 38% das ações estatais quando suas minas fossem privatizadas.” Bolsas para estudantes, pensões e soldos de soldados subiriam, o preço do petróleo e outros produtos cairiam. Na bagagem de Yeltsin havia maços de rublos com que subornava grupos individuais de trabalhadores. Infelizmente, a alternativa ao desastre pró-mercado de Yeltsin era igualmente indesejável. Ao lado dos extremistas nacionalistas russos estavam os antigos políticos stalinistas no congresso, cujos métodos ditatoriais, privilégios, esbanjamento e descontrole não seriam rapidamente esquecidos. Nós previmos:

O referendo não resolverá os problemas da Rússia. O conflito sangrento na antiga Iugoslávia assombra Yeltsin. Conflitos em torno das fronteiras russas, na Geórgia, Armênia/Azerbaijão etc podem se espelhar agora dentro da enorme Federação Russa… O triunfo de Yeltsin – e do capitalismo – terminará numa vitória falsa. (6)

Em outubro de 1993, o conflito latente entre o crescentemente ditatorial Yeltsin e seus oponentes no parlamento russo, liderados por Alexander Rutskoi e Khasbalatov, alcançou um desfecho sangrento. Yeltsin, depois de um período de silêncio, mandou tanques contra seus adversários. O parlamento russo foi consumido pelo fogo depois de dias de tiroteio. O Militant Labour não se posicionou nem por Yeltsin nem Rutskoi. Yeltsin não ofereceu nada aos trabalhadores. Sua “trilha rápida” ao capitalismo era baseado num rigoroso programa monetarista ditado pelo Fundo Monetário Internacional. Ele exigia um corte na inflação cortando o gasto estatal, suspendendo todas as garantias contra os direitos dos trabalhadores e rápida privatização das fábricas. Rutskoi, de outro lado, pedia por uma transição lenta ao mercado. Também era pela manutenção dos subsídios estatais à indústria, privatização através da ‘venda aos gerentes’, e regulação estatal das condições de trabalho (não é defesa sindical para os trabalhadores).

O problema principal na Rússia é a fraqueza de organizações sindicais independentes e a ausência de um genuíno partido socialista dos trabalhadores. A indiferença da massa da população da Rússia, especialmente em Moscou onde o ‘drama’ ocorria, foi mostrada pelo fato de que os moscovitas, enquanto andavam com seus cãezinhos, observavam calmamente e com indiferença o conflito entre os 2 lados. Dissemos:

Democracia capitalista estável é um sonho ilusório [na Rússia].O exército salvou a pele de Yeltsin e ele irá querer um maior espaço na tomada de decisão na direção da economia e da política externa. Mesmo antes da crise, medidas foram tomadas para criar um exército profissional leal ao presidente. À medida que a crise na Rússia se aprofunda, a credibilidade de Yeltsin será solapada e um governo militar direto pode estar à vista por um período,antes de um renovado movimento da classe operária.(7)

Os eventos em outra parte do globo também destruíram o otimismo radiante de 1989-90.

Paz no Oriente Médio?

A burguesia internacionalmente estava profundamente pessimista sobre as perspectivas para a Rússia. Contudo, após o novo acordo Palestino/Israel no Oriente Médio ela ficou eufórica. O Daily Mirror entusiasmou-se com o “milagre na Terra Santa.” A aposta desesperada de Yasser Arafat para reforçar seu apoio em declínio nos territórios ocupados poderia, o Militant disse, ser minada por este acordo. Foi uma traição às aspirações nacionais do povo palestino por um estado palestino separado. Ao invés Rabin, o primeiro ministro Israelense, insistia à medida que o acordo foi fechado que um estado palestino totalmente soberano não estava em oferta. Não houve compromisso algum pela retirada dos assentamentos israelenses na Cisjordânia e nenhum direito de retorno em particular para os exilados de Israel/Palestina desde 1948. Apenas aqueles que saíram desde 1967 foram autorizados a voltar. Israel e o capitalismo mundial não mais temiam uma Palestina totalmente unida sob a OLP,que no passado tendeu para o estabelecimento de uma economia nacionalizada (embora num modelo burocrático soviético).Tal desenvolvimento no passado poderia agir como um ponto de junção potencial para a revolução árabe. Mas o colapso do stalinismo e o giro à direita de Arafat e da direção da OLP deixou um vácuo que o Hamas e outros grupos fundamentalistas preencheram. Apesar das promessas de ajuda massiva da Arábia Saudita e outros lugares, que o Militant concedeu que por um período acalmaria a população palestina, o problema nacional não seria resolvido. Portanto inevitáveis problemas ressurgiriam no futuro e a frágil paz poderia ser quebrada. O Militant previu que, se não uma guerra civil total, elementos de guerra civil entre a OLP,que se tornou o novo poder policial em Gaza e Jericó, e os seguidores do Hamas e da Jihad Islâmica, eram inevitáveis. Mas se amarrando em negociações com Israel, os opressores árabes e americanos dos árabes, a OLP concluiu com um compromisso podre. Apenas se ligando às lutas da classe trabalhadora de todo Oriente Médio e avançando num programa pela derrubada do capitalismo, judeu e árabe, seria possível garantir os direitos de todos os grupos nacionais dentro de uma Federação Socialista do Oriente Médio.

Visita à África do Sul

O Militant também devotou uma cobertura considerável ao drama se desenvolvendo na África do Sul em 1993. A visita minha á África do Sul em setembro e outubro significou que um relato detalhado de 1ª mão pôde ser dado do sentimento dos trabalhadores africanos e mestiços da base.

Numa série de artigos,o sentimento de trabalhadores em Johannesburgo, Cape Town e Durban foi traçado. O essencial destes artigos apareceu depois num panfleto (South Africa – From Slavery to the Smashing of Apartheid), que foi produzido após a vitória do CNA na eleição geral em 1994. Em novembro, contudo, antigos carcereiros e seus ex-prisioneiros,

beberam e dançaram por toda a noite com os ritmos de Michael Jackson no World Trade Centre de Johannesburgo em 18 de novembro. A multidão em festa foi inundada com congratulações de todo o mundo.(8)

A causa da celebração foi a adoção da nova constituição sul-africana por representantes de 21 partidos. Esta constituição efetivamente encerrou a longa noite do apartheid e 350 anos de escravidão para o povo negro e mestiço. Eles estavam aptos a votar pela 1ª vez nas eleições marcadas para 27 de abril de 1994. A questão foi posta pelo Militant:

Mas iria isso conduzir ao ‘novo amanhecer’prometido pelos autores da constituição? Iria transformar as vidas dos 46% sul-africanos desempregados ou os ocupantes de 7 milhões de barracos?(9)

De Klerk e o Partido Nacional foram derrotados em um mecanismo de bloqueio de 60% para a minoria branca. Eles tentaram implementar isso um ano antes mas o movimento de massas dos trabalhadores africanos efetivamente o impediu. “Governo da Maioria”, pelo menos no gabinete,era agora um fato onde decisões poderiam ser adotadas se 50% votassem pela proposta. Contudo, o”governo da maioria real será bloqueada pela aceitação dos líderes do CNA por uma coalizão voluntária de 5 anos com os partidos capitalistas.” Concluímos: A direção das eleições é agora imparável. Qualquer tentativa de adiá-las desencadearia uma explosiva agitação revolucionária, o que as negociações foram feitas para evitar. (10)

1 Militant 1131 23.4.93

2 Militant 1136 28.5.93

3 ibid

4 The Independent 13.4.93

5 Militant 1136 28.5.93

6 Militant 1130 16.4.93

7 Militant 1152 8.10.93

8 Militant 1159 26.11.93

9 ibid

10 ibid