A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994

Nova desordem mundial

O triunfalismo com que os porta-vozes do capitalismo saudaram o colapso do Muro de Berlim e o fracasso do stalinismo levou à dúvidas e pessimismo. O futuro brilhante prometido para os ex-estados stalinistas se tornou um pesadelo, especialmente para os povos da antiga União Soviética. Em fevereiro de 1992 estava claro que “aumento de preços e pobreza são o fruto amargo da tentativa de introduzir o capitalismo na antiga União Soviética.” (1)

90% da população de Moscou e Murmansk, por exemplo, estavam agora na linha de pobreza por causa dos massivos aumentos de preços em janeiro de 1992. Motins de comida e greves rebentavam entre os trabalhadores e grandes confrontos entre estudantes e a polícia ocorreram em Tashkent.Isso resultou em 2 mortos e vários feridos.Camadas antes privilegiadas sob o stalinismo estavam sendo jogadas no abismo da pobreza. Trabalhadores da antiga área de prestigio da pesquisa espacial, incluindo astronautas, ameaçaram uma ação grevista no final de janeiro à medida que a catástrofe econômica e escassez de comida dominava grandes partes da antiga URSS. Contudo, a oposição de massas, seja na forma de greves ou a criação de um partido de massas independente dos trabalhadores, ainda não se materializara. Mas a situação era tão tensa que o ex-presidente Gorbachev alertou que a Rússia era um “lago de petróleo”. (2)Um fósforo jogado acidentalmente poderia iniciar uma explosão. Porque não houve uma insurreição de massas dos trabalhadores da antiga URSS? Uma explicação poderia ser encontrada na queda sem precedentes na produção, apenas comparável com a dos EUA durante a recessão de 1929-33. Pontuamos que:

Não é um boom ou recessão em si mesmos que evocam movimentos da classe trabalhadora. É a mudança de um período a outro que radicaliza os trabalhadores. Trotsky pontuou que a derrota da primeira revolução russa de 1905-1907 coincidiu com uma queda econômica.Isso serviu apenas para aprofundar a desmoralização e desapontamento das massas russas. De outro lado, um ressurgimento econômico, estimulando a confiança dos trabalhadores, levou a um aumento das greves e outras formas de luta. Um colapso súbito nas forças produtivas, com desemprego em massa, pode atordoar os trabalhadores por um período, ao invés de radicaliza-los imediatamente. (3)

No caso da antiga URSS estava desmoralização foi mais aprofundada pela falta de um partido operário de massas capaz de explicar a natureza da catástrofe econômica e elaborar um programa para mostrar o caminho. A situação foi agravada pelo retrocesso da consciência política da classe trabalhadora sob o stalinismo. Contudo, em oposição a alguns pseudomarxistas, argumentamos que, apesar de todos os esforços de ditaduras, incluindo a variedade stalinista, a sociedade e a classe trabalhadora não voltam ao seu ponto de partida. Os emblemas da revolução de Outubro permaneciam na consciência dos trabalhadores, especialmente na Rússia.

Estes irão ser atiçados em chamas e eventualmente num enorme incêndio, quando eles [os trabalhadores] perceberem que não há um caminho nas bases do capitalismo As massas irão tirar esta conclusão mais rápido se tivessem à sua frente um partido operário capaz de explicar o processo se desenvolvendo. (4)

Democracia Operária

As pequenas forças do genuíno marxismo tentaram levar esta mensagem a tantos trabalhadores quanto possível na antiga URSS. Nós reportamos em março de 1992:

pessoas da Criméia, Ucrânia, Belarus, S. Petersburgo e Moscou se reuniram em 14 e 15 de março para apoiaremo Rabochaya Demokratlya (Democracia Operária). (5)

A nova agência de reportagens Itar-Tass disse da reunião como uma tentativa de organizar um “novo partido”. Isso não era muito preciso, já que as 15 pessoas presentes dificilmente seriam a base para um partido operário de massas. Contudo, os organizadores da reunião acreditavam que tal partido de massas poderia ser formado ligando os vários comitês de trabalhadores existentes. Aqueles presentes na reunião apenas representavam ainda um pequeno movimento mas não obstante eram muito influentes. Um representante da Criméia presente na reunião organizou um encontro ao ar aberto na semana anterior, de 500 pessoas, sobre a questão nacional. Reportagens começaram a aparecer de

alguns estudantes queixando-se de não ter acesso a fontes, por exemplo a história crítica de Trotsky do stalinismo. “Estou grata por você ter levantado isso; veja o que estou trabalhando com meus estudantes no momento!” (6)

explicou Valentina Chichkina (vice-presidente da faculdade de filosofia na Universidade de Lomonosov, Moscou). O jornal francês Liberation publicou uma reportagem que dizia:

A Revolução Traída foi publicada na Rússia pela primeira vez ano passado pela Rabochaya Demokrakya. (7)

A oposição à nova classe capitalista emergente era crescente mas era, como ainda é, muito pequena.

Insurreição em Los Angeles

Contudo, numa escala mundial a Nova Ordem Mundial do capitalismo parecia mais como uma nova catástrofe mundial, com motins na América e enorme ondas grevistas convulsionando a Europa. A insurreição em Los Angeles destruiu a complacência da classe dominante dos EUA. Esta revolta foi claramente um ponto de inflexão na sociedade americana como uma explosão de raiva com o racismo e o policiamento racista. Os motins foram acionados pela absolvição de policiais responsáveis pelo espancamento de Rodney King pela notoriamente racista polícia de Los Angeles. Apesar dos policiais terem usado armas de choque de 5.000 volts, e chutado e golpeado King com um total estimado de 56 golpes – tudo gravado num vídeo tape – não obstante foram “declarados inocentes”. Isso acionou a raiva que estava sendo acumulada em todas as grandes cidades dos EUA. O exército de pobres, privados e despossuídos, cresceu durante o boom dos anos 80 de Reagan. Os motins resultantes foram os maiores desde os levantes dos anos 60 e deixaram 58 mortos, 1.900 feridos, 5.200 presos e um total de 5,000 prédios destruídos. Três quartos dos mortos eram negros, muitos deles alvejados pela polícia. Milhões de expectadores pelo mundo ficaram horrorizados pelo ataque a um caminhoneiro branco. Contudo, isso não era típico. Foi um dos muito poucos ataques a brancos e 4 negros de fato correram para salvá-lo do que parecia ser uma morte certa.

O presidente Bush declarou hipocritamente: “As cenas na Califórnia e outros lugares são tão violentas que é difícil assistir” (8)

Com a morte de milhares de trabalhadores iraquianos em suas mãos sua administração era claramente responsáveis pelas condições em Los Angeles, por causa do corte de muitas reformas associadas com o movimento dos Direitos Civis dos anos 60. Contudo, os manifestantes e amotinados incluíam brancos e hispânicos assim como negros. Em Oakland estudantes de várias escolas marcharam em protesto. A composição racial era misturada e o sentimento de unidade, forte. Nos locais de trabalho, Militant reportou:

Houve um forte sentimento pela unidade. Os apoiadores do Labor Militant – os correligionários do Militant e seu jornal nos EUA – fizeram uma petição condenando o veredicto e chamando o movimento operário local a organizar protestos de massa. (9)

África do Sul

Em sua agonia de morte o regime do apartheid estava infligindo uma terrível vingança à classe trabalhadora africana. O Militant detalhou os massacres de Boipatong e a violência contra-revolucionária do Inkatha. Após o massacre de Boipatong Mandela falou num comício de massas de 20.000 onde foi confrontado com faixas exigindo “Mandela, dê-nos armas!” Nesta época o socialista sul-africano Philemon Mauku foi preso. Como Nelson Mandela 20 anos antes, ele foi preso por pegar em armas para defender seu povo. Philemon, de 24 anos, foi sentenciado a três anos de prisão por portar 2 AK47. Ele estava ajudando a defender sua comunidade na favela de Alexandra contra os contínuos ataques do chefe Buthelezi do movimento de direita Inkatha, apoiado pela polícia. Philemon era um membro do Congress Militant e foi visitado na prisão por 22 camaradas de Alexandra na primeira quinzena depois de sua prisão. Foi solto em 1994. Os massacres de Boipatong levaram o CNA a romper negociações com o governo. Isso foi um importante ponto de inflexão na luta contra o regime apartheid em desintegração de Klerk.

Isso foi seguido por um massacre ainda pior em 7 de setembro, em Bisho a capital do “estado” de Ciskei. 28 pessoas foram mortas e 200 feridas. Isso levou a uma manifestação de 70.000 pessoas contra o ditador de Ciskei, Brigadeiro Oupa Gqozo. A natureza lacaia de Ciskei foi mostrada pelo uso de tropas sul-africanas por de Klerk. Após o massacre de Bisho estas tropas foram empregadas para proteger a propriedade industrial da África do Sul. A greve geral após os massacres de Boipatong e Bisho,junto com aquele que se seguiu ao assassinato de Chris Hani, um líder do CNA mais associado à “luta armada”, jogou um decisivo papel na fase de “negociações”. O propósito do terror contra-revolucionário, organizado pelo Inkatha e a polícia e exércitos sul-africanos, era forçar concessões do CNA. Mas, como pontuamos, o trabalho da contra-revolução apenas deu um estímulo a mais ao movimento dos trabalhadores sul-africanos. Foi este movimento que obrigou a direção do CNA a endurecer suas demandas contra qualquer veto branco. As greves gerais também mostraram que a classe trabalhadora era a mais poderosa força política na África do Sul. Ela pôs sua marca em todos os desenvolvimentos futuros.Foi este fator que forçou os líderes do CNA a se opor as exigências de de Klerk por um veto branco significativo num futuro governo de coalizão.

Em outubro a 1ª visita à África do Sul por alguns líderes do Militant, Lynn Walsh e Tony Saunois, ocorreu. Era para discutir com nossos correligionários em torno do Congress Militant, e para testemunhar a situação no país. Tony Saunois, em seu relato confirmou o poder esmagador da classe trabalhadora negra e a impossibilidade da classe dominante de procurar governar do velho jeito. Ele comentou que era

clara a intenção de uma nova constituição, que envolva a população negra no governo mas deixe o verdadeiro poder com a classe dominante branca.A assembléia eleita será presa dentro dos limites de um acordo programado o qual será decidido antes. Nele serão escritas restrições e limitações. Os líderes do CNA estão em processo de abraçar a classe dominante e entregar os trabalhadores negros ao capitalismo. Eles pensam que gozam de um massivo – mas não inquestionável-apoio, eles estão se separando crescentemente dos trabalhadores. As duas greves gerais de agosto – entre as maiores da história sul-africana – foram planejadas na sede da Liberty Life, um dos dez maiores monopólios sul-africanos. A mesma companhia também fornece aos líderes do CNA com uma frota de limousines. (10)

A agonia de morte do apartheid estava infligindo um terrível preço à maioria africana. O programa cuidadoso de De Klerk, de reformas de cima na tentativa de impedir uma revolução de baixo, era quase insano após o assassinato de Chris Hani em abril Hani era provavelmente o segundo, após Nelson Mandela, em popularidade entre as massas. Mais do que qualquer outro líder do CNA ele era considerado nas favelas e vilas africanas como um homem do povo.

Ele se tornou um lendário líder do MK, o braço armado do CNA.Após seu retorno do exílio em 1990 ele manteve sua reputação entre os militante do CNA, dizendo uma vez que o tamanho do poder da maioria africana não poderia ser governado se o governo recusasse conceder a maioria. Ele também alertou da possibilidade de um partido operário se desenvolvendo fora do CNA no futuro, embora ele percebesse este como um partido social democrático ao invés de um partido revolucionário. O assassinato de Hani, por um imigrante polonês desequilibrado, foi obviamente instigado pela direita como um meio de interromper as negociações para um acordo político. A figura de extrema direita Derby-Lewis e sua esposa foram indiciados como os organizadores do assassinato.A morte de Hani levou na quarta, 14 de abril à maior “stay away“[protesto pacífico] que a África do Sul já viu, Nunca antes na história da África do Sul tantas pessoas se uniram às demonstrações de massa como nos 12 dias após a morte de Hani. 100.000 marcharam em Durban, 80.000 marcharam na área controlada pelo Inkatha conhecida como “Beirute”. Na vigília funerária de Chris Hani, 100,000 encheram um estádio de futebol perto de Soweto, com milhares mais fora. No dia do funeral mais de 90% dos trabalhadores não foram trabalhar. Contudo, eles não ficaram em casa mas saíram às ruas. Numa reunião de massas no estádio de futebol de Soweto Nelson Mandela recebeu aplausos. Mas quando Harry Gwala, o líder do CNA de Natal apareceu todo o estádio cantou “Gwala, Gwala, Gwala”. Ele tinha uma reputação militante devido a sua oposição ao poder compartilhado. Sua fala desafiadora recebeu mais aplausos do que a de Mandela. Uma indicação da prontidão dos trabalhadores em abraçar as idéias da Tendência Operária Marxista do CNA foi mostrada pela venda de mais de 500 Congress Militants nas manifestações em Johannesburgo, Durban e Cape Town.

1 Militant 1077 28.2.92

2 ibid

3 ibid

4 ibid

5 Militant 1081 27.3.92

6 ibid

7 Quoted ibid

8 Militant 1087 8.5.92

9 ibid

10 Militant 1107 16.10.92