10° Congresso Mundial do CIT 2010: “Relações Mundiais”
Esse é o primeiro de seis documentos votados no 10° Congresso Mundial do CIT, realizado nos dias 2-9 de dezembro na Bélgica.
1. O capitalismo, de um ponto de vista social e econômico, enfrentou nos últimos três anos uma das maiores crises de sua história. Isso abriu uma era de lutas de classes e grandes acontecimentos na consciência em países de todos os continentes.
A Europa tem sido abalada por grandes lutas, greves e greves gerais. A questão da greve geral voltou à agenda em todo o continente. Na Ásia e África, ocorreram eventos similares recentemente. O internacionalismo está em ascensão à medida que a crise global leva trabalhadores e jovens em vários países a seguir os eventos em outros países e até continentes, compreendendo que a luta precisa ser unificada e internacional. O principal obstáculo para que as lutas da classe trabalhadora até agora não sejam vitoriosas são as direções sindicais e dos partidos de trabalhadores e de esquerda. Se existissem partidos de massas da classe trabalhadora – mesmo os limitados partidos operários burgueses do passado – então, com toda a probabilidade, as ideias reformistas de esquerda, centristas e revolucionárias agora estariam sendo amplamente discutidas dentro das fileiras da classe trabalhadora e do movimento dos trabalhadores organizado.
2. A ausência de um ponto de referência de massas para a indubitável raiva fervilhando entre as massas ajudou a embotar o desafio ao capitalismo a curto prazo. Os ideólogos burgueses celebram abertamente esse resultado. Eles esperavam um tsunami ideológico, sindical, político e social que os esmagasse. “Não haverá mais dias felizes celebrando a superioridade do mercado desenfreado”, escreveu Financial Times. Agora, o mesmo jornal proclama, “o mercado (capitalismo) voltou”. A crise agora alcançou uma etapa de tentativas generalizadas da maioria dos governos europeus e de outros países capitalistas avançados de descarregar os enormes déficits orçamentários e dívidas públicas causados pelo resgate aos bancos nas costas dos trabalhadores, desempregados, jovens e idosos. Isso significa uma nova fase de lutas de classe intensificadas que, com altos e baixos, moldarão os eventos dos próximos anos.
3. Agora se torna cada vez mais claro que o capitalismo, como um vampiro em relação à natureza, alcançou uma etapa que ameaça acelerar o aquecimento global e os desastres naturais na direção de golpes devastadores à biodiversidade assim como à civilização humana ao longo desse século.
4. Desde 2007, o capitalismo mundial tem estado nas garras do que especialistas capitalistas descrevem, com algum alívio, como a “grande recessão”. Através de medidas estatais de resgates dos bancos – aumentando a liquidez do mercado – junto com outras medidas econômicas de curto prazo, eles conseguiram evitar, até agora, uma repetição da última “Grande Depressão” dos anos 1930 a uma escala mundial. Na verdade, partes do mundo – na Europa, Espanha com 20% de desemprego, alguns países do Leste Europeu – estão em uma “depressão”. As medidas de Obama na América, por exemplo, salvaram pelo menos um milhão de empregos. Mas ainda oito milhões de trabalhadores foram mandados embora das fábricas desde 2007.
5. O desemprego está oficialmente em quase 10%, mas, extra-oficialmente, com aqueles que têm um trabalho de meio período, etc., o verdadeiro desemprego ou subemprego está em 20%. Apesar das muito exaltadas especulações e celebrações nos círculos capitalistas sobre a “recuperação” econômica, essa continua ilusória.
6. Os marxistas sempre ressaltaram que o capitalismo sempre irá se recuperar se, em uma crise, mesmo que seja séria, uma força da classe trabalhadora não mostrar uma alternativa ao próprio capitalismo. Durante a devastadora depressão dos anos 1930 nos EUA, houve fases de crescimento – em 1934 -37, por exemplo. Mais isso não erradicou o desemprego em massa nem levou a um novo crescimento estrutural das forças produtivas. Sem o ímpeto fornecido pela preparação da Segunda Guerra Mundial e a própria guerra, o capitalismo teria se afundado em uma crise mais profunda.
7. Infelizmente, a classe trabalhadora, com o enorme peso de décadas de neoliberalismo em suas costas e amarrada pela falta de organizações e direções de massa, não tem sido capaz de colocar sua marca política na situação. Houve batalhas titânicas – Grécia, França, Espanha, Índia, África do Sul etc. – e mais está por vir. E o que é gritante na atual situação econômica é que, apesar disso, o capitalismo, como previmos, não tem sido capaz de ensaiar uma recuperação plena. Pelo contrário, o ‘crescimento’ registrado no período recente, e apenas em alguns países, tem sido anêmico e não fez a economia voltar à sua posição anterior à crise.
8. O desespero dos capitalistas e seu empirismo e visão de curto prazo são demonstrados pela avidez com as estatísticas econômicas de um mês “favorável” são tomadas para indicar que um retorno pleno à “saúde econômica” é iminente, apenas para verem essas esperanças serem frustradas quando os dados do mês seguinte mostram o oposto.
9. Na realidade, os comentaristas mais sérios agora esperam pelo menos uma forte desaceleração na recuperação dos países avançados, já que as medidas de crise agudas, com vários graus de estímulos econômicos, serão substituídos por medidas de austeridade, mantendo ou até aumentando o desemprego em massa, e aumentando os riscos de um duplo mergulho. Discute-se abertamente que a “recuperação” será mais como o proverbial ‘quicada de gato morto’ [expressão usada na bolsa de valores de Nova Iorque para pequena recuperação após grande queda]. Ela é citada como o “Grande Desapontamento”. Além disso, os burgueses estão completamente divididos sobre como resolver as enormes dívidas estatais – o “excesso” de dívidas – que são uma consequência das bolhas colossais nos setores financeiros e outros da economia nos últimos 20 anos. Um economista britânico escreveu que essa bolha foi a maior em 130 anos. O presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, disse que foi a maior “de todas” e suas consequências farão se sentir pelos “anos à frente”. De fato, há uma divisão aberta – de um caráter sem precedentes – entre os “negadores de dívidas” e os “negadores do crescimento”. É uma divisão entre a escola keynesiana, na verdade semi-keynesiana, de economistas e aqueles que defendem políticas neoliberais, deflacionárias. Ambos estão certos em suas críticas da outra escola – discutimos sobre isso em outros materiais – e ambos estão errados em suas diferentes “soluções” capitalistas para a crise. Contudo, a tendência prevalecente será a de tentativas de implementar programas de austeridade, ligados às contínuas privatizações neoliberais dos serviços públicos, programas de aposentadoria etc. e desregulamentação do mercado de trabalho. Mas lutas massivas ou uma nova recessão podem forçar os governos a tomar medidas na direção oposta.
10. Isso por sua vez tem provocado uma crise política para os burgueses e seus partidos. As divisões entre os partidos capitalistas e dentro deles, nos EUA, Japão e praticamente todos os estados da Europa, se ampliaram consideravelmente. A falta de confiança em todos os principais partidos é espelhado em alguns países como Grã-Bretanha e Austrália, no fenômeno dos “hung parliaments”, com nenhum partido capaz de governar sozinho e o surgimento de coalizões instáveis. A Bélgica está sem governo desde abril! No Japão, ‘todo mundo’ exige seus ‘cinco minutos de fama’ como ‘primeiro-ministro’. Isso, por sua vez, reflete a crise econômica orgânica do Japão quanto mais cresce a colossal dívida estatal, com as tendências deflacionárias das últimas duas décadas ainda não expurgadas do sistema.
11. Surgiram divisões significativas entre os vários governos burgueses. O relativo declínio dos EUA, Japão e da maioria das economias europeias, que foi sublinhado pela crise, assim como os desequilíbrios agudos do comércio e de conta corrente entre os países, fez com que a cooperação nas medidas de emergência para resgatar os bancos e o setor financeiro deu lugar a tensões cada vez maiores entre os governos capitalistas, a um grau que não poderia ser escondidos pelo G20. Apesar do alto grau de dependência mútua e integração econômica no capitalismo globalizado de hoje, novas medidas protecionistas foram lançadas, primariamente na forma de uma de “guerra cambial” pouco disfarçada.
12. Isso tem minado a ideia dos capitalistas de que o capitalismo globalizado é “irrefreável”. O CIT previu que no caso de uma séria depressão ou recessão, dada a impossibilidade do capitalismo de superar completamente os limites do Estado nacional – o processo de globalização capitalista seria interrompido. Isso foi o que aconteceu agora, como mostra o impasse da Rodada de Doha da OMC e a queda dramática do comércio mundial em 2008-9.
13. Estamos testemunhando uma crise prolongada e orgânica do capitalismo, que, devido às enormes e economicamente doentias bolhas dos últimos 20 anos, está adquirindo um caráter ainda mais profundo e dramático. As dívidas acumuladas das companhias, do estado e de indivíduos significam que a economia do capitalismo se arrastará por um período prolongado. Paul Krugman – o primeiro dos defensores das medidas keynesianas – está certo quando diz que reduzir precipitadamente os déficits, como defendido pelo governo ConDem [aliança entre conservadores e liberais] na Grã-Bretanha e outros, apenas agravará enormemente a situação em um mundo debilitado pela “falta de demanda”. Se as atuais políticas dos capitalistas europeus, e mesmo de Obama, continuarem, uma “longa depressão”, similar à que afetou o capitalismo no final do século 19, é possível.
14. Essa é uma manifestação da economia ‘Hoover’ – de cortes selvagens – do governo dos EUA e outros após uma crise ao estilo de 1929. Obama, ao contrário de Franklin Roosevelt, chegou ao poder não como o último, quando a economia estava se recuperando da crise, mas no meio da própria crise herdada do governo Republicano de Bush. Portanto, as medidas de Obama para resgatar os bancos e o setor financeiro tiveram um efeito mínimo. Agora, em pânico com a perspectiva de uma derrota nas eleições de novembro, ele defende um programa de criação de empregos, significando uma injeção de $50 bilhões.
15. Contudo, isso terá apenas efeitos mínimos. Trotsky pontuou que apenas os países mais ricos – na realidade apenas os EUA na época – com “polpudas poupanças” eram capazes de fornecer as medidas mínimas do ‘New Deal’. Agora o imperialismo americano, enfraquecido economicamente, abatido pelos déficits gêmeos do orçamento federal e do comércio, não está em posição de repetir a experiência de Roosevelt de estímulo à economia. Em todo caso, como é agora amplamente entendido, o ‘priming of the pump’ [estimular o crescimento com injeção de dinheiro] de Roosevelt teve vida curta, de 1934 a 1937-38. Depois, os cortes às pensões dos veteranos da 1ª Guerra Mundial e outras medidas de austeridade econômicas começaram a minar mesmo as conquistas do New Deal.
16. Obama provavelmente enfrentará um Congresso hostil, tanto na Câmara dos Representantes quanto no Senado – embora o surgimento do movimento Tea Party nas primárias pudesse minar o sucesso dos Republicanos. Ele pode ser impedido de implementar mais medidas de “estímulo”. Contudo, como Roosevelt, cuja popularidade declinou em certa etapa, Obama e os Democratas podem ter uma recuperação eleitoral. De fato, uma Câmara e Senado de direita provavelmente seriam bastante influenciados pela direita lunática do Tea Party. Poderiam agir como o chicote da contrarrevolução. Isso pode mais tarde beneficiar não apenas os Democratas na corrida para as próximas eleições presidenciais, mas também prepararia o caminho para movimentos, dentro dos sindicatos em particular, por um terceiro partido, uma alternativa dos trabalhadores e de esquerda.
Crise persistente
17. As perspectivas econômicas para o capitalismo são de uma crise persistente, para ser preciso uma série de crises. O sistema chegou a um daqueles pontos na História no qual está em um beco sem saída econômico. A crise enfrentada pelo sistema é simbolizada pela liquidez colossal, a acumulação de lucros recordes não apenas dos bancos mas também de companhias não-financeiras, apesar de no momento não terem ‘saídas lucrativas’! Um total de $2 trilhões adicionais está parado nas contas bancárias das maiores companhias dos EUA. Além disso, há $10 trilhões ‘amontoados’ pelos ricos que, ao que parece, não pode ser investido com alguma garantia de ‘retorno razoável’. Ao invés disso, o capital tem fugido para ‘dívidas governamentais’ como na Grã-Bretanha, apesar de suas enormes dívidas arriscadas.
18. Os gastos do consumidor caíram nos EUA, assim como na Europa e Japão. Os poucos exemplos positivos para o capitalismo – na América Latina, especialmente o Brasil, na Alemanha por razões especiais, o crescimento da China, Austrália etc. – são as exceções ao quadro geral existente. Onde há um crescimento industrial limitado – na Alemanha por exemplo – isso de modo algum irá consolidar o capitalismo.
19. Pelo contrário, na Alemanha é muito gritante que os líderes sindicais defendiam que a classe trabalhadora deveria apertar os cintos por que a perigosa situação econômica está agora ecoando a demanda pela “nossa parte” que os trabalhadores estão fazendo. Além disso, o crescimento na Alemanha não significa que a economia se recuperou totalmente da crise. A produção ainda não alcançou seus níveis pré-crise e a burguesia alemã ainda está se preparando para cortar no bem-estar social, atacando os setores mais pobres da população. A essa estagnação econômica – deflação – pode-se acrescentar uma onda de inflação nos preços de alimentos e matérias primas em algumas regiões e países.
Meio ambiente sob ameaça
20. De acordo com uma nova avaliação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, antes de Cancun, o mundo está se encaminhando para uma perigosa mudança climática, já que nem a realização completa das promessas fracas e voluntárias feitas pelos governos que assinaram o chamado Acordo de Copenhague seria suficiente para assegurar que as emissões de carbono atingissem o pico e começassem a diminuir em 2020, a fim de impedir um aquecimento global acima de 2ºC.
21. Os desastres naturais, como resultado do aquecimento global, afetam mais e mais vítimas, e mulheres e crianças são 14 vezes mais vulneráveis do que os homens à morte em desastres naturais. Portanto, não é coincidência que mulheres são a maioria em movimentos sociais em todo o mundo (por exemplo, na África do Sul, 70%-80%).
22. É uma tarefa chave do CIT explicar como a destruição do meio ambiente agora se torna uma característica dominante da crise sistêmica atual, e intervir com um programa de transição para o urgente planejamento mundial democrático e socialista como o único modo realista de defender a civilização humana.
Iraque e Afeganistão
23. Esse é o pano de fundo para um cenário altamente instável no campo das relações mundiais. O sonho de Bush e dos Neocons [neo-conservadores] era simbolizado pelas chamadas políticas intervencionistas “liberais”, primeiro em Kosovo e depois de forma muito mais devastadora no Iraque e Afeganistão. A pretensão dos EUA de que seriam capazes de estabelecer um mundo ‘unipolar’ está enterrado nos escombros desses países. Bush e Blair invadiram o Iraque contra o pano de fundo do “choque e pavor”. Obama está tentando dar a impressão de que os EUA estão “calmamente” saindo do Iraque e liquidando essa aventura. Na verdade, os EUA manterão pelo menos 50.000 soldados ou dentro do país ou “próximos”, com a capacidade de intervir se necessário.
24. Para esse objetivo toda uma rede de bases americanas – que não existiam antes da Guerra – tem sido agora construída para facilitar “incursões” rápidas. Não obstante, pode parecer aos povos da região e dos EUA que a pedra de toque da “Guerra ao terror” – invasões brutais – certamente no que concerne ao imperialismo americano e seus aliados, terminou. Mas se os interesses vitais dos EUA forem ameaçados, eles não hesitarão em intervir mais uma vez na região, se forem capazes.
25. E as agonias do Iraque não terminarão. Pelo contrário, as consequências combinadas da invasão e ocupação – como o CIT previu – que levaram à deposição e execução de Saddam Hussein, apenas resultarão na criação de dois, três ou mais ‘Saddams’ no país. A “democracia” iraquiana é um fino verniz que busca mascarar divisões colossais. A invasão desencadeou tensões sectárias que haviam sido mantidas em xeque por Saddam por meios militares brutais. Os 4 a 5 milhões de iraquianos forçados a fugir de seus lares, ou para o exílio interno ou para o estrangeiro terão seus números aumentados, já que os conflitos sectários provavelmente irão despedaçar o país.
26. O CIT trabalhará para apoiar todas as forças de trabalhadores progressistas e democráticas no país que lutam para reconstruir as organizações da classe trabalhadora, os sindicatos. Também apoiará e lutará por uma voz política genuína da classe trabalhadora na forma de um novo partido de trabalhadores de massas, ao mesmo tempo que se esforça para construir as forças de apoio ao marxismo. O cônsul Americano no Iraque após a invasão foi Paul Bremer, que imediatamente introduziu leis anti-classe trabalhadora e anti-greve e baniu os sindicatos do setor público. Isso realça o fato de que por trás dessa intervenção não estava uma agenda “liberal”, mas uma brutal política imperialista e capitalista para se apropriar dos recursos do país, a qual precisava enfraquecer aquelas forças – os sindicatos – que poderiam ficar no seu caminho.
27. Essa política insolente, descarada e calculista no mundo neocolonial foi resumida pelos comentários de um alto diplomata paquistanês em relação ao futuro do Afeganistão: “O governo afegão já está conversando com todos as partes interessadas [o Taliban].” Os únicos “interessados” não consultados, é claro, foram os trabalhadores e pobres desse país arruinado.
28. É amplamente reconhecido que o conflito afegão – que agora dura mais do que o envolvimento americano no Vietnã – é inganhável. Para começar, essa guerra foi vista pelo imperialismo dos EUA e seus aliados como uma “guerra do futuro”, com um mínimo de perdas militares ou civis. Isso seria possível por causa da suposta “revolução em termos militares” após o fim da Guerra Fria. Mas como a intervenção russa no Afeganistão, essa ideia foi destruída no Afeganistão e Iraque. A situação precisou que os EUA e seus aliados conduzissem uma tradicional “estratégia de contrainsurgência”. Isso levou à tradicional política de “dividir e governar”, aperfeiçoada pelo imperialismo britânico. Eles fomentaram uma guerra civil sectária no Iraque e apoiaram a maioria xiita. Isso efetivamente levou à derrota dos sunitas e no processo, ao se comprar apoio dos “caciques” sunitas, anulou os efeitos da Al Qaeda.
29. Mas o gasto colossal de trilhões de dólares nos dois países apenas levou a uma derrota tácita. Agora se reconhece abertamente as dificuldades de se promover a estratégia de “corações e mentes” por causa da rejeição total do povo afegão ao governo central organicamente corrupto, seus funcionários corruptos, assim como aos invasores estrangeiros. Em desespero, setores do establishment americano, liderados por seu antigo embaixador na Índia, agora defendem abertamente a partição do Afeganistão.
30. Isso envolveria dar ao sul – no qual os pashtuns são a maioria – independência do norte, dominado por grupos étnicos não-pashtun. Isso teria a vantagem adicional de pressionar o Paquistão e especialmente sua agência de inteligência, o ISI, que criou e apoiou o Taliban, a controlar sobre seu antigo protegido. Em todo caso, o Taliban, embora tenha desfrutado de sucessos militares, com um aumento de 50% nos ataques às forças de ocupação no último ano, não pode – por causa das divisões étnicas no país – governar sozinho. De outro lado, como outros analistas burgueses pontuaram, a partição do Afeganistão é perigosa e poderia iniciar um processo de desagregação nacional em toda a região, afetando o Paquistão, Irã etc.
31. Uma coisa é clara: o imperialismo não pode impor de fora uma solução duradoura nem ao Iraque nem ao Afeganistão. De fato, mesmo com uma reduzida presença militar “no chão”, o apoio doméstico nos países ocupantes para a continuidade da intervenção militar – especialmente EUA e Grã-Bretanha que, por soldado empregado, agora perdeu tantos soldados quantos os russos no Afeganistão – irá evaporar.
32. A conclusão que os estrategistas do imperialismo americano provavelmente tirarão disso não é que eles não irão ou não podem intervir para salvaguardar seus interesses estratégicos econômicos e militares no futuro. Eles ainda são a maior força militar do mundo – por ampla margem. Mas o caráter de qualquer intervenção deve mudar. Ao lado das tropas americanas no Iraque, há dezenas de milhares de “seguranças” estrangeiros privados, uma indicação da fraqueza relativa dos sobrecarregados militares americanos. Agora é improvável, mesmo com uma força militar predominantemente professional, que os EUA serão capazes de empreender algo mais ambicioso do que “intervenções do tipo policial-militar” de curto prazo. Além disso, agora é necessário o “apoio” dos aliados, i.e., o “coalizionismo”, ao invés de uma abordagem unilateral em qualquer ação de larga escala. O “poder suave” deve ser acompanhado do “poder duro”.
33. É possível, por exemplo – mas não o mais provável – que junto com o regime israelense os EUA possam ainda atacar o Irã. Contudo, as consequências disso mundialmente seriam incalculáveis, em especial no Oriente Médio. A União Europeia, que tinha ambições de se igualar economicamente com os EUA e assim realçar seu próprio poder militar, viu essas esperanças se evaporarem à medida que a crise econômica e as consequentes debilidades e divisões nacionais ampliadas cobrassem seu preço.
China, Rússia e suas relações com os EUA
34. A China é talvez a única potência que, no momento, parece capaz de começar a se igualar com os EUA no futuro – e mesmo assim ela ainda é militar e economicamente fraca em relação aos EUA. A China possui uma renda per capita não maior do que o de El Salvador na América Latina! A renda per capita europeia é dez vezes a da China. Mas ela tem avançado de uma força militar predominantemente terrestre para a construção e fortalecimento de sua marinha.
35. O regime chinês, além disso, não hesitará em fortalecer sua “presença” internacional – com o uso de força militar se a situação o exigir – na Ásia em particular, onde localmente ela se choca com o imperialismo dos EUA, e no futuro com um militarismo japonês ressurgido. O poder ascendente da Índia também entrará em colisão com as tendências “expansionistas” e predatórias da China, especialmente em sua busca para adquirir novos materiais vitais, como petróleo e produtos agrícolas. A África é também uma arena na qual os países e companhias capitalistas rivais estão comprando recursos e terra locais, algo que pode levar à oposição local, assim como a futuras disputas e conflitos entre diferentes países e potências rivais.
36. A Rússia também entrou em conflito com os EUA, especialmente na Ásia Central, considerada pelos ‘recém-nascidos” mas instáveis capitalistas russos como sua “esfera de influência”, a ‘vizinhança’. Toda a Ásia Central está em um ponto crítico. Sofrendo de uma terrível pobreza, assolada pela corrupção e desemprego em massa, e com um coquetel de conflitos nacionais não-resolvidos, o levante no Quirquistão pode se repetir em outros países da região.
37. O Cazaquistão, o maior Estado da região, é um grande candidato para possíveis revoltas, já que a oposição à ditadura de Nazarbayev e seu séquito familiar cresceu e se intensificou recentemente. Uma heroica oposição ao regime é liderada pelas forças crescentes reunidas em torno do CIT, especialmente no Cazaquistão 2012, os sindicatos independentes etc. O tremendo trabalho dentro do Cazaquistão, junto com a pressão internacional exercida sobre o regime, devem ser mantidos e intensificados. Devemos estar preparados para mudanças abruptas, dado o enorme descontentamento de massas que está chegando à superfície.
38. Uma discussão sobre espiões russos nos EUA – mais farsesca do que sinistra – produziu tensões entre os EUA e a Rússia. Mas na verdade os EUA e a Rússia – especialmente durante o governo Obama – se aproximaram por vários motivos. A Rússia procurou uma acomodação com os EUA, especialmente através do presidente Medvedev, não menos por causa da posição econômica enfraquecida da Rússia após a crise econômica. A superdependência das exportações de petróleo (agora menos petróleo é produzido na Rússia do que nos anos 1970), gás e matérias primas significa que durante essa crise a Rússia se contraiu economicamente em 8% em 2009, mais do que qualquer outro país do G8. Agora começam a serem feitas comparações, dentro da própria Rússia, entre a atual situação e o “período da estagnação” sob o regime stalinista de Brejnev.
39. Outra consequência da crise é que o regime de Putin/Medvedev, com seu caráter autoritário, entra cada vez mais com colisão com as massas descontentes da Rússia. A difusa oposição – a expressão organizada disso – é muito limitada no momento. Contudo, os protestos e manifestações estão encontrando um eco maior do que antes na massa da população.
40. A onda de calor sem precedentes deste verão – que foi a maior em 100 anos – junto com os incêndios florestais devastadores, agravaram em muito as deficiências crônicas na capacidade do Estado de lidar com catástrofes como essa. Foi notável a presença e efetividade dos membros do CIT em um protesto contra a tentativa oportunista de construir uma estrada no meio de áreas florestais até então protegidas sob a cobertura dessa calamidade.
41. Uma das consequências dos incêndios resultantes da onda de calor foi que a Rússia perdeu 25% da produção de trigo. Isso contribuirá para um aumento abrupto dos preços de alimentos na Rússia e mundialmente. Junto com a escassez de alimentos surgidos com as secas e inundações de outras partes do mundo, isso significa uma drástica redução das ofertas de alimentos, que tem levado a um enorme aumento da fome mundial. Em 2007-08, mais de 100 milhões de pessoas foram levadas à fome pela crise econômica. Em 2006, o número de “subnutridos” era de 854 milhões. Em 2009, era de 1,02 bilhão, o número mais alto desde que começaram os registros. Os famintos não estão apenas no mundo neocolonial; no natal de 2009, 57 milhões de pessoas nos EUA não sabiam de onde viriam a próxima refeição! Tumultos por alimentos estouraram em Moçambique, o que se repetirá em outros lugares no próximo período, e talvez não apenas no mundo neocolonial.
42. A onda de calor e incêndios na Rússia assim desastres em outras partes do mundo que, incluindo as enchentes catastróficas no Paquistão, estão entre os piores desastres naturais que o mundo já viu. Uma grande causa disso é a mudança climática causada pela poluição e destruição ambiental. “Desastres naturais” são inevitáveis. Mas as consequências podem ser enormemente agravadas pelo caráter corrupto e a incapacidade dos regimes que lidam com as consequências desses desastres. Mesmo o mais avançado país industrial do mundo, os EUA, no governo de George W Bush, foi profundamente afetado pelo episódio do Katrina. Cinco anos depois do evento, Nova Orleans ainda não se recuperou totalmente de seus efeitos. Por quanto tempo então irão durar os efeitos da crise na Rússia, Paquistão e outros que ocorreram esse ano?
Paquistão
43. A história atesta o fato de que desastres naturais – terremotos, ondas de calor etc. – muitas vezes são as centelhas, as “parteiras” para a revolução ou uma situação revolucionária. Quarenta por cento do Paquistão foi inundado, em certo momento, com informações de que ricos senhores feudais desviaram deliberadamente os fluxos de água de sua terra para as dos pobres. Syed Gillani, o primeiro ministro paquistanês, foi abertamente atacado e vilipendiado à medida que os ricos continuam a prosperar enquanto as massas sofriam os inarráveis efeitos da crise. Mesmo os militares, por causa de sua intervenção para ajudar os pobres, aumentaram sua reputação.
44. Os fundamentalistas tentaram capitalizar com a crise e foram parcialmente bem sucedidos por causa da completa paralisia do Estado. O estado paquistanês foi, de fato, “levado pelas ondas” durante as enchentes. As consequências plenas desses eventos serão sentidas apenas quando as enchentes diminuírem. É uma grande fonte de orgulho que nossa organização no Paquistão e o CIT, nas mais difíceis circunstâncias enfrentadas em qualquer lugar do mundo, cresceu na ocasião, se envolveu na coleta de recursos para os pobres e a classe trabalhadora e continuou a agir numa qualidade política.
45. A China também enfrentou as consequências das enchentes. Contudo, embora o Estado não tenha exatamente brilhado em sua performance durante esses ventos, não obstante não houve consequências tão sérias quanto no Paquistão. É o “terremoto” social das greves na China esse ano que tiveram um efeito mais decisivo sobre a situação.
46. Embora as greves tenham estourado espontaneamente – e refletiam as condições desumanas nas gigantescas fábricas, especialmente na costa leste da China – o regime, tendo se oposto a elas no início, procurou se acomodar à situação. Ele foi ajudado pelo fato de que as greves estouraram em fábricas estrangeiras em primeiro lugar. Vozes simpáticas foram ouvidas no governo, até com concessões sobre a “necessidade de sindicatos”. Há o reconhecimento, uma esperança, de que se os trabalhadores tiverem aumentos salariais – o que eles conseguiram – isso aumentaria o poder de compra das massas e com isso estimularia o mercado interno.
47. Mas na verdade o regime chinês, como qualquer ditadura, também trabalhou furiosamente para impedir o movimento independente da classe trabalhadora. As greves são um indicativo do que está por vir; elas ainda não se desenvolveram em movimentos de larga escala, com a classe trabalhadora testando sua força em grandes lutas, criando organizações na forma de sindicatos independentes e se preparando para energicamente combater os patrões e, por trás deles, o Estado chinês.
48. Mas as greves tiveram uma enorme importância sintomática, um sinal do que está por vir. Elas possuem alguma semelhança com a situação pré-1896 na Rússia, que foi caracterizada por ações grevistas individuais e esporádicas antes de culminarem na onda grevista de 1896 em S. Petersburgo. Isso por sua vez permitiu à classe trabalhadora encontrar sua voz e desenvolver organizações separadas, o que lançou as bases para o explosivo desenvolvimento politico e sindical da classe trabalhadora russa através da criação de um partido de massas, o POSDR (Partido Operário Social-Democrata Russo), a revolução de 1905 e, claro, os grandes eventos de 1917.
49. Apesar da aparente força onipotente do Estado, os trabalhadores chineses estão para perturbar a ordem vigente no próximo período com seu movimento. O CIT está bem colocado para participar e jogar um papel importante neste movimento. Os espetaculares fogos de artifício econômicos da China não fizeram nada para melhorar drasticamente a sorte das massas chinesas. Os 130 milhões de migrantes que trabalham nas cidades em expansão da China recebem pouco menos de US$197 líquidos por mês, o que é pouco mais da vigésima parte do salário médio mensal nos EUA.
50. A atual escassez da força de trabalho fortalece os trabalhadores chineses para exigir aumentos salariais. Esses parecem ser muito substanciais, de 17% para 30% mas são, na verdade, porcentagens de salários muito magros. Mesmo assim, o capital estrangeiro, com o apoio do Estado chinês, busca mão de obra ainda mais barata no interior da China e em outras partes da Ásia: Vietnã, Laos, Camboja etc.
51. A fatia real da classe trabalhadora na riqueza total caiu dramaticamente nas últimas décadas. Os salários eram 56,5% do produto interno bruto em 1983 (quando a economia planificada ainda existia), mas apenas 36,7% em 2005. Isso deu um enorme estímulo aos EUA, que através de uma grande massa de bens baratos exportados para lá, segundo a revista The Economist, “acrescentou $1.000 por ano aos bolsos de cada domicílio americano”. Serão as ações da enorme classe trabalhadora, numericamente o maior proletariado industrial do mundo, que serão decisivas para moldar os eventos na China.
52. O mesmo se aplica à Índia, onde a classe trabalhadora reentrou na arena política com a recente greve geral. No Sri Lanka, nossa seção jogou um papel decisivo e heroico ao combater o regime étnico de Rajapaksa, na verdade uma ditadura com um fino verniz de ‘democracia’.
53. Apesar de sua aparente força, o governo é sustentado pelo Paquistão, Índia e China. Isso e a aura de “vitória” na guerra civil podem sustentar esse governo por um período. Mas a condição subjacente das massas não melhorou. Isso levará a um movimento oposicionista em uma certa etapa.
Oriente Médio
54. Outra “região problemática” para o imperialismo é o Oriente Médio. Não há um só regime estável na região. O conflito Israel-palestino é mais insolúvel do que nunca. Mas tal é a indignação mundial com a repressão aos palestinos que o capitalismo, especialmente o governo Obama, deve parecer estar agindo para tentar resolver a situação. Isso levou às iniciativas da conferência de paz em Washington. Mas no fundo a polarização entre os palestinos e os israelenses é mais aguda do que nunca.
55. Acumula-se a pressão por algum tipo de resolução do conflito. A indignação com a prisão de um milhão e meio de pessoas na pútrida e supurada faixa de Gaza obrigou as potências europeias – vide as declarações de Cameron – e os americanos a parecerem “estar fazendo alguma coisa”.
56. A conferência de paz em Washington intermediada por Obama foi formalmente montada para lançar as bases para uma solução de “dois estados”. Mas isso exigiria como primeiro passo o congelamento, e depois o desmantelamento das colônias israelenses na Cisjordânia e Jerusalém. Mas se Netanyahu conceder isso, ou mesmo se continuar a paralisar as construções depois do fim de setembro, quando planeja-se retomá-las, então a direita o abandonaria e esse governo colapsaria. Recentemente ouviu-se até mesmo vozes – surpreendentemente, da direita em Israel – a favor de um “Estado comum”, que anexaria especialmente os árabes palestinos da Cisjordânia a Israel.
57. Gaza, sob esse plano, seria desconectada, isolada e provavelmente forçada à anexação com o Egito como consequência dessa opção. Setores dos palestinos, em grande parte a pequena-burguesia, têm sugerido a “opção sul-africana”. Isso envolve desistir da solução de dois estados – que agora é vista como “impossível” por muitos dada a intransigência israelense e a impotência dos EUA – e substituí-la pela demanda de um estado comum de árabes palestinos e israelenses. Com a grande taxa de natalidade dos palestinos, isso significaria que eles formariam uma maioria dentro do Estado com o tempo. Raciocina-se que se Israel rejeitar a demanda de “uma pessoa um voto”, isso tornaria Israel tão massivamente impopular quando o regime do apartheid regime na África do Sul.
58. Alguns da direita de Israel, como Arens, antigo primeiro ministro pelo Likud, e até alguns líderes de assentamentos na Cisjordânia, incrivelmente, são atraídos para uma solução desse tipo. Contudo, isso excluiria o um milhão e meio de palestinos na Faixa de Gaza. Além disso, direitos iguais seriam introduzidos apenas “gradualmente”. Tal “solução” provavelmente seria rejeitada pela esmagadora maioria dos palestinos. Portanto, não teria chance de sucesso.
59. Mas não obstante esses acontecimentos indicam as tentativas por parte de ambos os lados de tentar escapar da insolúvel situação existente. Isso não dará em nada, já que as massas palestinas não cederão suas demandas por um Estado separado. Igualmente, a população israelense não aceitará a demanda para que formem uma possível minoria em um “Estado comum”. Fazer isso significaria que eles tomariam o lugar dos palestinos oprimidos; isso seria inevitável em uma base capitalista. Nossa demanda por uma Palestina democrática socialista e uma Israel democrática socialista ligadas a uma confederação socialista do Oriente Médio mantém toda a sua validade.
60. O Oriente Médio continua um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento, não se excluindo nem mesmo uma “guerra nuclear” entre Irã e Israel. Os EUA e a Rússia, reconhecendo isso, tentam criar uma zona livre de energia nuclear na região, em parte com o objetivo de frustrar a determinação do Irã de desenvolver a energia nuclear – e por implicação armas nucleares. Em negociações com Israel isso confirmaria a existência de seu colossal arsenal nuclear – algo que Israel até agora tem se recusado a reconhecer.
61. Isso levaria Israel a desistir d suas armas pela “garantia de paz”. Não é provável que isso se realize, especialmente no curto prazo, já que os israelenses percebem que estão cercados por uma população hostil de milhões de árabes que desejam ver o Estado de Israel liquidado. Portanto, ao invés de se preparar para uma détente, Israel ainda está ponderando um ataque militar preventivo ao Irã, a fim de destruir seus planos nucleares e assim intimidar ainda mais os povos árabes e palestinos. É uma questão aberta se tal ataque pode ocorrer. Mas não pode ser completamente descartado.
Egito
62. Embora esse conflito entre árabes e israelenses seja importante, não é o único fator que deve ser levado em conta ao se elaborarem nossas perspectivas para essa região. Muito mais do que antes, a situação econômica está preparando ali grandes movimentos sociais e políticos. Num exemplo concreto de unidade dos trabalhadores além das linhas sectárias, os professores do Líbano conduziram uma grande luta, ganhando algumas vitórias do governo.
63. Esse é especialmente o caso do Egito, o mais importante Estado da região, ao lado de Israel. Mudanças sísmicas neste país estão na agenda. O reinado de 30 anos do governo Mubarak está chegando ao fim. De fato, muitos comentaristas comparam a atual situação do Egito com a que existia antes da derrubada da monarquia em 1952. As greves recentes são um sintoma do crescente descontentamento de massas.
64. O Egito é flagrantemente dividido entre ricos e pobres. O nacionalismo egípcio – talvez a vertente mais ponderosa do nacionalismo árabe – dissipou-se como uma força organizada e a oposição agora se reúne em grande parte em torno da Irmandade Muçulmana.
65. O NDP – o partido de Mubarak – historicamente tem suas raízes no nasserismo e na base de massas de que ele desfrutava. Nasser e seu “modelo republicano” eram uma referência em todo o mundo árabe e neocolonial. Suas promessas de educação e saúde gratuitas, reforma agrária e empregos em fábricas e oficinas estatais tiraram milhões da “miséria” para, nas palavras do The Economist, “quase pobreza”. Isso foi um passo à frente! A ideologia no pan-arabismo, anunciada pelo golpe de Nasser em 1952, deu aos egípcios um “orgulho de nascimento” no mundo árabe. Mas, dois presidentes e quatro décadas depois, o regime de Nasser se transformou no de Mubarak, que encoraja a “iniciativa privada” e com ela o empobrecimento da maioria da população.
66. O Egito, no passado e mesmo hoje, foi impulsionado por massivos subsídios do imperialismo dos EUA. Não obstante, as ações de Israel na Palestina tenderam a minar o regime egípcio. Preso entre a pressão de Israel e o Ocidente capitalista, o Egito está em declínio. A oposição agora vem da Irmandade Muçulmana e de figuras como Mohammed el-Baradei, antigo chefe da autoridade nuclear das Nações Unidas e que agora voltou dos EUA para encabeçar a oposição de classe média ao regime.
67. Contudo, negam a ele uma sede, não pode levantar fundos e tem dificuldade de realizar encontros públicos. Nas eleições que foram realizadas esse ano para a câmara alta do parlamento, o governo afirmou um comparecimento de 14%, mas observadores independentes apontaram apenas 2,5%. Isso foi baixo até mesmo para os padrões egípcios. Várias possibilidades para o futuro estão postas no Egito. Um levante de massas pode destruir o regime, com os principais sucessores dele agrupados em torno da Irmandade Muçulmana. Um desdobramento do tipo iraniano pode ocorrer. O filho de Mubarak está na fila para sucedê-lo. Mas um novo homem forte de dentro do regime pode tomar conta da casa – tal como o atual chefe da segurança interna – depois que Mubarak desaparecer de cena.
Turquia
68. Os comentaristas e estrategistas do capitalismo esperam que se siga um regime nas linhas do da Turquia. Será um regime formalmente partidário da “democracia” mas na realidade um regime parlamentar bonapartista com direitos democráticos muito limitados. Mas nenhum desses cenários se desenvolveria se os super-explorados trabalhadores e camponeses egípcios se colocarem de pé, desenvolverem sindicatos (que estão em fase embrionária) e criarem um novo partido de massas. A própria Turquia agora também é um grande “jogador” na região. Ela mudou do apoio a Israel para dar seu peso às causas palestinas e árabes. Com o império otomano, antigamente ela dominava a região.
69. Toda a região continua volátil. Pode facilmente ocorrer conflitos, incluindo guerras, sobre o uso da água entre o Egito e os povos dos Estados “secos” do sul, que também dependem da água do Nilo. A solidariedade de todos os povos e Estados africanos – que era comum sob Nasser – esvaiu-se à medida que as diferentes burguesias nacionais perseguem seus próprios e estreitos interesses. Isso torna mais provável que ocorram conflitos entre o Egito e os Estados africanos dispersos, que são vistos pelas elites árabes como relativamente atrasados.
70. A principal força a ganhar com as desventuras do Iraque e Afeganistão, claro, tem sido o Irã. Isso fortaleceu sua proeminência regional e enfraqueceu os estados árabes sunitas que são rivais na luta por influência na área. Contudo, internamente o regime de Ahmadinejad continua altamente instável. O levante de 2009 chegou muito perto de derrubar o regime, como mostraram as revelações subsequentes. Foi revelado este ano que Ahmadinejad e o “líder supremo” Khameini tinham um avião pronto para fugir do país – para a Síria – se fossem incapazes de esmagar o movimento de massas.
71. Depois de uma longa ditadura, não é incomum que as primeiras tentativas para derrubá-la falhem. Além disso, a revolução nunca se desenvolve em um ato, mas como processo. Lembremos que a revolução espanhola evoluiu ao longo de seis a sete anos, entre 1931 e 1937. O movimento de 2009 foi apenas a primeira etapa. O segundo ato será ensaiado no próximo período, à medida que as dificuldades econômicas do governo aumentarem com a crise econômica mundial e seus efeitos no Irã. A oposição tem sido despertada com a apropriação descarada dos antigos recursos nacionalizados pelos Guardas Revolucionários, a guarda pretoriana que defende o regime. O CIT deve seguir esses eventos com cuidado e procurar encontrar um caminho até os melhores elementos revolucionários, que buscam por um programa e perspectiva claras.
Coreia do Norte
72. A Coreia do Norte continua altamente instável, com um alto grau de “perigo” para os capitalistas, incluindo a possibilidade de mais choques militares. A morte de Kim Jong-Il, o “Supremo Líder”, pode iniciar um colapso, com milhões de norte-coreanos famintos fugindo para as fronteiras, o que por sua vez levaria a um completo colapso do Sul, pressionaria a China e poderia ter grandes repercussões geopolíticas na região.
Todo o planeta envolvido
73. As “relações mundiais” não são uma questão, como foi o caso no passado, de uma ou duas potências dominando o globo e as consequências que derivam disso. Agora elas abarcam todo o planeta. Não há uma parte do globo que não seja afetada pela crise econômica, pela catástrofe ambiental que se aproxima e pela crise geral que confronta o capitalismo mundial. Portanto, os amplos desdobramentos na África, Ásia e América Latina são parte de uma análise e discussão das relações mundiais. Estaremos produzindo para o congresso materiais especiais sobre essas regiões. Portanto, não temos que lidar com essas áreas nesse documento, exceto de passagem e como meio de ilustrar o processo geral.
74. Mas o aspecto mais crucial das relações mundiais é o papel da classe trabalhadora, acima de tudo a questão vital da consciência existente, como ela pode mudar e em qual direção. O fato inevitável de quase 30 anos de neoliberalismo, reforçado pelos enormes efeitos deletérios sobre a perspectiva da classe trabalhadora com o colapso do stalinismo, ainda é um fator dominante. Isso, junto com a ausência do fator “subjetivo” – organizações de massa e liderança clara – impede a classe trabalhadora de tirar todas as implicações políticas e ideológicas da atual crise devastadora.
75. Imediatamente após o derretimento financeiro de 2007, a classe dominante temia pelo futuro desse sistema. Eles estavam certos nisso, dados os efeitos devastadoramente danosos da crise. A própria burguesia caiu em uma profunda crise ideológica, e os comentaristas capitalistas questionavam se o capitalismo poderia sobreviver. Também mantínhamos esperanças de que houvesse o início de uma grande mudança na perspectiva da classe trabalhadora e o surgimento de uma ampla camada socialista. Sem dúvida houve um aumento da consciência e uma radicalização de importantes setores da classe trabalhadora.
76. No período imediatamente posterior ao colapso do Lehman Bros., as questões da propriedade pública, especialmente dos bancos, e da legitimidade do sistema capitalista foram discutidos publicamente. Mas a consciência não se desenvolve numa linha reta. Com a ausência de fortes partidos de trabalhadores e os erros políticos dos partidos políticos existentes, não se desenvolveu uma camada socialista ampla. Contudo, há um ódio enraizado aos ricos, especialmente os banqueiros e o setor financeiro. Esse sentimento, afinal, foi crucial para a eleição de Obama nos EUA. Existe um claro sentimento antibanqueiros mundialmente – mas especialmente nos países industriais avançados da Europa, Japão e América.
77. Além disso, existe um sentimento anticapitalista generalizado, e abertura para a ideia geral do socialismo democrático, embora o que isso signifique exatamente varie muito. Essa abertura era aparente nas pesquisas de opinião nos EUA e Europa. A ideia de que o atual nível de consciência significa que os partidos de esquerda não devem incluir demandas socialistas corajosas e combativas em seus programas é errada. Se esses partidos formulassem corretamente um programa socialista e o ligasse à luta de classes, eles poderiam reunir imediatamente o apoio de setores da classe trabalhadora e aprofundar o amplo desenvolvimento da consciência de classe.
78. Apesar da crescente combatividade, essa consciência ainda não se desenvolveu em uma consciência anticapitalista generalizada mais ampla que comece a desafiar a raison d’être do próprio sistema. Internacionalmente, ainda não vimos o desenvolvimento de uma compreensão ou consciência socialista generalizada mais ampla. Devido aos eventos da luta de classe nos últimos anos e às diferentes tradições nacionais, o nível de consciência varia – no sul da Europa e partes da América Latina ela é mais avançada do que na América do Norte e norte da Europa. O atraso nos processos revolucionários na América Latina teve seu papel em empurrar a questão do chamado “Socialismo do Século 21” um pouco para escanteio. Em todo lugar há sinais de um sentimento anticapitalista, mas mais no sentido de um sentimento geral de que o sistema capitalista está errado, ao invés de uma compreensão verdadeira do mecanismo e do caráter de classe do sistema (capitalista). Contudo, isso significa que na consciência das massas também há base para outras respostas pseudoradicais e populistas. Os ingredientes vitais que permitiriam às massas tirar rapidamente conclusões anticapitalistas e até socialistas – organizações de massas e líderes denunciando incansavelmente o sistema – e sindicatos combativos estão ausentes. Além disso, à medida que a crise se aprofunda, as direções das antigas organizações de massas se moveram ainda mais para a direita.
79. A opinião da maioria dos líderes das novas formações de esquerda de que o nível atual da consciência não permite que um programa socialista seja apresentado, incrivelmente, tem sido ecoado também por alguns da “extrema esquerda”. Eles não ligaram corajosamente a ideia de um programa socialista com as demandas diárias dos trabalhadores, como as forces do CIT procuram fazer. Infelizmente, praticamente têm sido apenas nossas forces que propõem demandas transitórias combativas ligadas à nacionalização socialista e com uma ruptura com o capitalismo, levando ao estabelecimento de uma sociedade socialista democrática.
80. Até agora, nem o NPA na França, a TSI, nem, deve ser dito, nem os morenistas na América Latina têm posto as coisas tão claramente quanto nós. Na Grécia, esses diferentes grupos estavam “atrás da curva” do que era exigido em uma circunstância explosiva, que tinha elementos de uma situação pré-revolucionária. Apenas as forças do CIT colocaram claramente a necessidade do cancelamento da dívida, a nacionalização dos bancos e setores financeiros como um passo para a transformação socialista dos “setores chave” da economia.
81. Não há um único exemplo na História em que as forças de massas foram criadas no tipo de condições que enfrentamos hoje. Agora a criação de novas forças socialistas de massa não pode ser possível sem passos preparatórios necessários, vários deles muito pequenos e de aparentemente poucas consequências.
82. É verdade que partidos comunistas de massas foram formados em vários países – França, Alemanha, Itália etc. – de divisões das velhas organizações da classe trabalhadora, a socialdemocracia, após a Primeira Guerra Mundial. Mas essas “velhas organizações” não existem mais, como nós, do CIT, previmos de antemão. Mesmo a “nova” formação de massas do PRC na Itália em grande parte se desintegrou. Isso representa um revés para a classe trabalhadora e o genuíno marxismo. Isso requer a adoção da “tarefa dupla” – que continua um princípio guia – de ajudar a criar novas organizações de massas e construir um núcleo marxista de trabalhadores e jovens dentro e fora delas. Novas organizações não se desenvolverão de forma fácil e linear. Outras forças podem se desenvolver temporariamente e ocupar o espaço político vazio.
83. Testemunha-os a situação da Austrália no momento com os Verdes. Por causa do vácuo existente, eles passaram de uma força muito pequena para consideráveis 11% dos votos na recente eleição geral. O líder dos Verdes, corretamente do ponto de vista do seu partido, comparou o crescimento dos verdes – uma ‘avalanche verde’ – com as origens do próprio Partido Trabalhista Australiano no fim do século 19 e início do 20. Ele pontuou que o PTA não teve deputados federais até 1901 mas eventualmente cresceu como uma força capaz de formar um governo.
84. Essa é uma analogia geral correta, mas os próprios Verdes serão uma bolha de sabão, especialmente quando uma força de trabalhadores séria começar a se desenvolver na Austrália. Não obstante, temos confiança de continuar com nossas tentativas de criar nosso polo revolucionário de atração, mas ao mesmo tempo ajudar o melhor da juventude e trabalhadores, sindicalistas etc. a realizar o que instintivamente eles estão tentando fazer: construir uma força que possa agir como um ponto de referência de massas nas colossais lutas que estão se abrindo.
85. Por trás da fanfarrice sobre um novo período de estabilidade para o capitalismo os estrategistas da classe dominante, na realidade, estão inseguros e temem o futuro. Eles estão certos nisso, já que enfrentamos um dos períodos mais turbulentos da história. Se o capitalismo pudesse desencadear um novo período de estabilização econômica e crescimento sustentável, então isso seria causa de otimismo para os defensores do sistema.
86. Mas mesmo os economistas capitalistas sérios esforçam-se em alertar que a situação pré-2007 não voltará rapidamente, se voltar. Por exemplo, se os cortes do governo Cameron na Grã-Bretanha forem totalmente implementados, pode se seguir um período de “austeridade eterna”. A ideia de que o “setor privado” pode preencher o vazio deixado pela eliminação de um milhão de empregos do setor público é uma quimera. O TUC [a central sindical] britânico diz que em algumas áreas – no “melhor cenário” – isso levará pelo menos 14 anos, e em algumas regiões 24 anos, para se materializar!
87. Na reunião em Jackson Hole com Ben Bernanke em agosto, dois economistas capitalistas que estudaram 15 crises pós-1945, tanto em países individuais quanto em recessões mundiais generalizadas, concluíram que nos dez anos seguintes em nenhum deles o nível de emprego e investimentos na produção alcançaram seus níveis de pico da crise até uma década depois. Essa crise – a mais devastadora desde os anos 1930 – deixará milhões de desempregados. A ideia de Marx de um exército reserva de desempregados no capitalismo, ridicularizada por tantos economistas no passado, pode se tornar uma realidade no próximo período.
88. Setores da classe trabalhadora, a força produtiva mais importante, não podem ser totalmente integrados de volta na produção. Isso ao lado da catástrofe ambiental. Publicamos materiais em documentos anteriores e em nosso website por um programa do meio ambiente, e todas as seções do CIT estão envolvidas nesta questão crucial. Um aumento da temperatura mundial de 3° C, os cientistas agora reconhecem, significará em último caso o derretimento das camadas de gelo do Himalaia!
89. Nos países capitalistas avançados, os enormes pacotes de austeridade significam uma carnificina dos serviços de bem estar sem precedentes históricos que afetarão as mulheres duplamente, como trabalhadoras e usuárias do setor público. Mas eles também abastecerão uma nova resistência raivosa. A tendência a longo prazo das mulheres sendo uma parte cada vez maior da força de trabalho implica uma tendência paralela de longo prazo onde as pré-condições para uma luta radical por igualdade e avanços são possíveis. Tais lutas, nas quais as demandas econômicas, sociais e políticas estão entrelaçadas, podem resultar numa força explosiva. No ano passado, por exemplo, houve generalizadas lutas de operários têxteis, dirigidas por mulheres, em todo o mundo. Na revolta iraniana no verão passado muitos noticiaram que as mulheres eram as mais corajosas e marchavam à frente das manifestações.
90. Também houve lutas contra a repressão sexual e cultural – de mulheres mas também cada vez mais do movimento LGBT. Em vários países os LGBTs ganharam alguns direitos, em outros as enérgicas manifestações mostraram uma autoconfiança crescente. Mas como mostram os ataques a LGBTs em algumas partes da África e, por exemplo, na Sérvia e Turquia às atividades LGBTs, a luta contra a repressão aos LGBTs está longe de acabar.
O CIT
91. O CIT atravessou intacto o isolamento surgido com o colapso do stalinismo e o boom dos anos 1990 e a primeira década desse século. A relativa quietude que deriva disso significa que foi um dos mais difíceis períodos para as genuínas forças do marxismo, lutando para evitar cair nas armadilhas do sectarismo ou do oportunismo. Foi uma conquista considerável ter mantido e construído o CIT. Muitas lições foram aprendidas, quadros foram formados e preparados e agora essas forças estão se expandindo.
92. Nossa tarefa é educar teoricamente a nova geração, junta-la com os quadros experientes e desse modo produzir uma força que pode lançar a base para participar – de fato jogando um papel crucial – na construção de formações de massas. Embora não seja fácil, a nova situação que se abre é muito mais favorável do que o período que atravessamos. Devemos ter o necessário grau de determinação, combinando-a, é claro, com a clareza de ideias e programa. Isso por sua vez deve se ligar a uma abordagem meticulosa para a construção do CIT. Se fizermos isso, podemos preparar as forças destinadas a jogar um papel vital na batalha pelo socialismo no século 21.