A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994

Duas tendências no Militant

Diferenças de abordagem sobre estratégia e táticas são comuns no movimento marxista. Todos sustentaram pontos errados em alguma época, especialmente quando todos os fatos não são conhecidos. Mas a abordagem de Ted Grant se distinguia por uma adesão dogmática e teimosa a um ponto de vista quando estava claro que ele não tinha a necessária compreensão de como a luta estava se desenvolvendo no terreno. Além disso, ele tentava exercer um veto político sobre visões diferentes e avaliações mais acuradas da situação.

No passado ele fez uma grande contribuição em termos de teoria marxista, especialmente defendendo as idéias de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, contra o oportunismo e o ultra-esquerdismo. Mas uma teoria correta em si não é suficiente. É necessário transformá-la em programa, estratégia e táticas, e relacioná-las ao movimento real da classe trabalhadora. Isso era o que distinguia o Militant de todos os outros grupos “marxistas”, durante o curso da luta de Liverpool e também da batalha do poll tax. Apesar de suas contribuições passadas, Ted Grant algumas vezes deixava a dever, especialmente na situação que mudava rapidamente dos anos 80. Sua falta de conhecimento tático era uma fonte de irritação e conflito com algumas das principais figuras do drama de Liverpool.

Enquanto Ted Grant era respeitado pelos apoiadores e direção do Militant era evidente que seus melhores dias, especialmente na plataforma pública, pertenciam ao passado. Não era a primeira vez na história do movimento marxista que um líder pode jogar um papel pioneiro numa etapa mas provar estar em falta uma vez a que situação mude. O trágico exemplo de Plekhanov,”Pai do marxismo russo” vem à mente.Seu papel foi decisivo no período quando a tarefa era fincar raízes,teimosamente defender o marxismo contra o oportunismo e o ultra-esquerdismo. Mas o mesmo Plekhanov provou ser totalmente incapaz em face de grandes eventos, quando o ritmo da luta de classe e da história mudou. Camadas inteiramente frescas foram atraídas para a bandeira do Militant, especialmente nos comícios de massa que ocorreram no começo de 1986. Não é possivel levar um cavalo, especialmente jovem, para correr no Grand National pela primeira vez. Era necessário apresentar as idéias do Militant de uma forma mais popular e acessível, sem diluir ou esconder nossas posições. Outros, jovens oradores e líderes do Militant eram mais capazes de realizar esta tarefa do que alguém que já estava no fim dos seus 70 anos. Isso não diminuía sua contribuição passada nem o papel que elo poderia continuar jogando. Ted Grant falhou em reconhecer as limitações que a idade impõe a todos. Experiência e continuidade de idéias e organização é essencial em qualquer organização marxista. Mas isso nunca deve se tornar uma barreira à nova geração de líderes que são os herdeiros do futuro e que devem inevitavelmente levar o fardo principal do trabalho diário de construir uma organização marxista viável.

Infelizmente, Ted Grant não reconheceu isso e em 1986 provocou um alvoroço dentro da direção do Militant acusando outros de não deixarem-no falar em reuniões de massa que estavam sendo organizadas. Havia muitos pedidos para outros líderes nacionais do Militant falarem nestas reuniões. Ao mesmo tempo havia uma abordagem diferente cada vez mais evidente entre Ted Grant e a maioria do Corpo Editorial. No inicio eram na maioria de abordagem, ênfase e algumas vezes de tática. Mas na situação diferente que foi trazida pelos anos 80 várias diferenças importantes cresceram.

Segunda Feira Negra

Algumas semanas depois do Congresso do Partido Trabalhista de 1987, onde os seus dirigentes se esforçaram para se adaptar ideologicamente ao “boom do capitalismo”, veio uma queda mundial e sem precedentes nos preços das ações. 21 de outubro, “segunda feira negra” como ficou conhecida, foi desencadeada pelo colapso de Wall Street na sexta anterior. Foi a maior queda dos preços de ações em um dia, mais de 10% dos valores de ações foram anulados. Em Londres, Tókio, Hong Kong, Paris e Frankfurt os preços despencaram. Os preços de estoques e ações se tornaram quase divorciados dos valores reais dos lucros e da produção industrial, especialmente durante o frenético boom. No Japão, as ações em 1987 alcançaram níveis equivalentes aos lucros anuais de 150 anos. Contudo, como um pedaço de elástico tencionado até o ponto de ruptura, num certo estágio a verdadeira economia se impõe e puxa bruscamente o mercado financeiro, causando um colapso das ações. Esta crise foi desencadeada pelo ataque de James Baker, Secretário do Tesouro dos EUA, às políticas do capitalismo alemão e seu banco central, o Bundesbank. Mas a razão subjacente para a crise foi a grande desproporção entre o preço das ações e o estado real do capitalismo numa escala mundial. No final as ações, especialmente quando colapsaram, são uma indicação dos problemas que virão.

O que a quebra das ações em outubro significavam? A resposta a esta questão foi disputada ardentemente dentro das fileiras do Militant. No mesmo dia do colapso Ted Grant disse que isso era um precursor de uma nova crise do tipo de 1929. Seu pensamento infelizmente foi refletido nas páginas do Militant. Em seus comentários iniciais destes acontecimentos disse: “Uma queda maior na produção e comércio é seguro, talvez antes mesmo do verão de 1988.” (1)

Bob McKee, que compartilhou desta visão, disse que o crash de outubro

é um barômetro prevendo a tempestade iminente que excederá qualquer coisa vista pelo capitalismo no período pós-guerra, possivelmente se equiparando à grande queda dos anos 30. (2)

Na manhã seguinte ao crash, jornais capitalistas como o The Economist, por exemplo, previam que uma queda econômica poderia se seguir à onde da “Segunda Negra”. Contudo, logo se tornou evidente que os bancos centrais da Europa, Japão e EUA poderiam usar seus recursos para financiar o capitalismo mundial. Mas Ted Grant continuava com sua interpretação grosseira do crash de 1987 e dogmaticamente afirmava sua visão a cada virada. Ele foi apoiado por Bob McKee e Woods mas foi oposto por mim, Lynn Walsh, Bob Labi e outros. A discussão em torno desta questão dentro do Corpo Editorial Nacional do Militant e do Corpo Editorial Principal foi penetrante e às vezes aguda. Os oponentes de Ted Grant rejeitaram a perspectiva de uma queda imediata. Esta, incrivelmente, foi pintada por Grant como para ocorrer dentro de um ano. Tal abordagem desorientaria completamente nossos apoiadores. Se não ocorresse, como era provável, um sentimento de desapontamento, se não de rejeição, se instalaria entre os apoiadores do Militant. Era necessário abordar estes eventos de um modo equilibrado. O colapso nos preços das ações indicou crescentes dificuldades para o capitalismo mundial. Num certo estágio o boom dos anos 80 levaria a uma recessão, mas era improvável que fosse nas mesmas linhas de 1929-33. O capitalismo ainda possuía enormes reservas de gordura para queimar na tentativa de evitar uma crise imediata. Havia, é claro, limites para isso; medidas de curto prazo poderiam ser tomadas que apenas teriam o efeito de acumular problemas e agravar a crise num estágio posterior. O agrupamento de Taaffe, Walsh e Labi no NEB argumentou que era possivel para o capitalismo alemão e japonês, com suas enormes reservas, entrar em cena para ajudar, comprando o dólar e apoiar os mercados financeiros, evitando temporariamente uma crise industrial.

Contrário à analise de Ted Grant, foi exatamente isso que aconteceu. Um renascimento do capitalismo mundial ocorreu no período posterior à crise de outubro de 1987. Além disso, uma enorme injeção de crédito sustentou um crescimento do capitalismo num nível maior do que no período anterior ao crash. Concordou-se que a crise subjacente do capitalismo poderia se afirmar num certo estágio. Isso aconteceu na recessão no começo dos anos 90. Mas tempo em política, e isso pode ser aplicada à arte da economia política, é importante. Seitas ultra-esquerdistas, como um relógio permanentemente parado em um minuto para a meia note, têm previsto que uma recessão do tipo de 1929 por quatro ou cinco décadas. Eles fazem o jogo dos ideólogos capitalistas, que pintam os marxistas como sendo incapazes de analisar os processos reais de um modo equilibrado.

Nós já nos referimos a acontecimentos internacionais – Namíbia, África do Sul e a Guerra do Golfo onde as diferenças emergiram. Apenas pouco tempo depois do debate sobre o futuro do Militant um enorme drama começou a se desenvolver na Rússia.

Golpe na Rússia

Em 19 e 20 de agosto a ala da velha guarda “conservadora” da burocracia organizou um golpe contra Gorbatchev. Este acontecimento, em si de uma importância mundial, precipitou um rompimento ideológico ainda maior do que sobre Walton ou a formação do SML entre a maioria e a minoria dentro das fileiras do Militant. A minoria se dirigiu rumo a um “apoio crítico” para os organizadores do golpe! Eles depois negaram isso devido à vergonha de aparecer ao lado da ala pró-stalinista da burocracia. Mas em um documento que escreveram como parte da discussão interna dentro do Militant, eles dizem:

Se, como é inteiramente possível, o regime for obrigado a implementar uma política baseada na re-centralização da economia planejada, acompanhada pelo terror, isso pode dar um certo ímpeto às forças produtivas por um período de tempo. (3)

Sua perspectiva era de um re-estabelecimento do regime stalinista, sobre uma economia planificada, se os organizadores do golpe tivessem sucesso. Além disso, eles disseram que este era o resultado mais provável do golpe. No dezembro anterior, Alan Woods argumentou numa discussão sobre o stalinismo:

Sejamos claros, se há uma luta entre alas rivais da burocracia, uma ala abertamente pró-capitalista e outra ala – por seus próprios objetivos – tentando defender as bases da economia nacionalizada, seria um erro fundamental pensar que devemos ser neutros em tal situação, especialmente se você tiver uma situação onde setores dos trabalhadores estivessem apoiando a outra ala.

Ele continuou:

Trotsky disse que em principio você não pode descartar a possibilidade de uma frente única, uma frente parcial e temporária, entre os trotsquistas e a burocracia stalinista, se chegar a uma guerra civil aberta e uma tentativa de restaurar o capitalismo na URSS. (4)

A maioria, de outro lado, disse que havia uma diferença fundamental entre a situação da União Soviética em 1991 e o período que Trotsky previu a posição de um “apoio crítico” para um setor da burocracia. Esta degenerou completamente, em sua grande maioria abandonando o apoio à planificação central e ao velho sistema. Ela abraçou o capitalismo como o caminho a seguir. Não havia nenhuma ala significativa da burocracia no período anterior à 1991 que ainda aderia à economia planificada.

Ted Grant estava tão convencido que o golpe teria sucesso que as reportagens de TV que noticiaram o colapso do golpe na quarta, 21 de agosto foram denunciadas por ele como “mentiras” e “propaganda burguesa”. Ele, Alan Woods e o resto da minoria falharam em reconhecer que mesmo se o golpe tivesse sucesso, isso não levaria a uma restauração completa do regime stalinista.

Jarulzelski na Polônia em 1981 tentou implementar uma contra-revolução stalinista para estabelecer em solo polonês precisamente o velho regime. Mas face a um completo impasse econômico, social e político o próprio Jarulzelski abandonou sua tarefa admitindo depois: “nosso maior erro foi manter o monopólio do partido no poder, defender a indústria nacionalizada e a luta de classes.” (5) Ele se moveu rumo a uma posição abertamente pró-capitalista, pavimentando o caminho para a chegada ao poder do Solidariedade e Walesa. Mas a minoria, em seu documento The Truth about the Coup argumentou:

O que aconteceria por exemplo se Yanayev e co tomassem o poder?É uma conclusão definitiva que eles cumpririam seus objetivos declarados de se mover rumo à ‘economia de mercado’ embora num passo mais gradual? Para a maioria esta é uma questão simples de responder: ‘Na atual’ situação, “objetivamente”… sim.’ Mas isto esgota a questão? (6)

Eles então defenderam a idéia de que os organizadores do golpe seriam obrigados a re-estabelecer os elementos da economia planificada, ignorando completamente a experiência de Jarulzelski e a evolução dos stalinistas chineses após a praça Tiananmen.

Tentando cobrir seus rastros a minoria acusou a maioria de ir à reboque de Yeltsin nos dias de agosto. Isso apesar do fato de que o Militant publicamente se distanciou dos yeltsinistas pró-capitalistas,alguns dos quais correram em defesa de seu herói na Casa Branca de Moscou.

Trabalhadores russos se opõem ao golpe

Era verdade, contudo, que a massa da população da União Soviética se opôs ao golpe. Alguns tinham ilusões em Yeltsin, a maioria se opôs por medo de que os direitos democráticos elementares que ganharam desde 1989 fossem espezinhados se o golpe tivesse sucesso. É por isso que várias greves ocorreram em Moscou, Ucrânia e vários lugares. Mais importante que isso foi o apoio de massas da classe trabalhadora, mais importante do que aqueles que fizeram as barricadas em oposição ao golpe. No início, por causa da desilusão com Gorbatchev, havia uma certa hesitação em expressar oposição aberta ao golpe. Nós resumimos este sentimento de 30 de agosto como se segue:

Quando os trabalhadores soviéticos se conscientizaram e viram os linha-duras no poder e Gorbatchev sob prisão domiciliar houve uma resposta hesitante. Mas quando a juventude começou a protestar, a classe trabalhadora se mexeu. O chamado para uma greve geral começou a obter resposta. (7)

Até mesmo jornalistas burgueses comentaram sobre este processo. The Times reportou:

Até agora, houve uma resposta mista das fábricas russas. Isso é parcialmente uma questão de atraso organizativo; comitês de greve estão sendo formados e reuniões realizadas. (8)

Havia uma marcada diferença entre a oposição geral ao golpe em agosto de 1991 e a posição tomada pela massa dos trabalhadores em 1993. Aqui a luta foi vista pela massa da população, agora totalmente desiludida com as “reformas” capitalistas de Yeltsin, como duas máfias lutando pelo controle sobre as cabeças dos trabalhadores. Após a derrota do golpe, nossos correligionários na Rússia organizados em torno do seu jornal, Democracia Operária, organizaram uma reunião pública em defesa das idéias de Lênin e Trotsky. Isso foi comentado pela TV russa. Mais de 100 pessoas atenderam à reunião, a maioria de trabalhadores industriais. Sessenta expressaram o desejo de cooperar em formar um genuíno partido de massa dos trabalhadores e 5 concordaram em se unir e participar nas atividades da Democracia Operária. A posição tomada pela minoria nos eventos de agosto na Rússia a alienou da grande maioria de nossos apoiadores. A divisão se tornou geral à medida que as conseqüências práticas da decisão do Militant de lançar uma organização independente na Escócia se tornou mais clara.

Depois de nossa conferência nacional especial em outubro de 1991, a direção nacional do Militant prometeu que a discussão sobre as perspectivas para o Partido Trabalhista em especial, e sobre estratégia e táticas exigidas pela nova situação na Grã-Bretanha e internacionalmente, continuaria. Ted Grant e seus apoiadores se recusaram a aceitar isso. Militant explicou numa declaração, em 24 de janeiro, que a minoria decidiu se dividir:

Ao invés de continuar a debater dentro de nossas fileiras, como afirmavam que fariam, deram passos para lançar sua própria publicação rival. Tinham planos de lançar uma revista mensal, para se tornar, logo que possível, quinzenal e semanal. Eles agora tem suas próprias pequenas instalações e seu próprio pessoal e estão levantando seus próprios fundos. (9)

Isso claramente era uma decisão pré-determinada de se dividir do Militant.

Para registrar

Não houve nenhuma denúncia de antigos camaradas mas uma avaliação sóbria do papel anterior de Ted Grant. Ao mesmo tempo, o Militant fez uma crítica aos seus atuais erros políticos:

Lamentamos que Ted Grant tenha se dividido desta forma. Ele fez uma contribuição vital em manter as genuínas idéias do marxismo e desenvolver o legado teórico de Leon Trotsky no clima político hostil no período do pós-guerra. Jogou um importante papel em formular as idéias e políticos nos quais o Militant foi formado em 1964. Especialmente aqueles que trabalharam estreitamente com ele por mais de 3 décadas lamentam que ele agora tenha virado às costas ao Militant, às nossas grandes conquistas na luta e aos potentes partidos que temos construído na Grã-Bretanha e internacionalmente. É lamentável que ele tenha permitido que sua autoridade política seja usada por pessoas cujos principais objetivos não é clarificar idéias mas causar o máximo de dano ao Militant. Um elemento infeliz da vida política é o impulso rancoroso de antigos ativistas por justificar sua defecção lançando alegações de crimes políticos de seus antigos camaradas. Estão perdendo seu tempo, este mini êxodo não nos desviará o mínimo do curso que temos seguido. (10)

1 Militant 870 23.10.87

2 ibid

3 Minority Document “The Truth About The Coup”, P16

4 Alan Woods falando numa reunião internacional do Militant, citado em “The Collapse Of Stalinism”, Part 2, Para 50.

5 Jarulzelski, durante a campanha eleitoral na Polônia em 1991, citado em “The Collapse Of Stalinism, Part 2, Para 134.

6 Minority Document Op.Cit., P11

7 Militant 1054 30.8.91

8 The Times 21.8.91

9 Militant 1072 24.1.92

10 ibid