A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994
A guerra do Golfo
Enquanto os capitalistas esfregavam suas mãos em regojizo com os eventos nos antigos estados stalinistas, sua perspectiva de uma “Nova Ordem Mundial” foi abrupta e rudemente despedaçada quando, em agosto, os tanques do ditador militar iraquiano Saddam Hussein entraram no Kuwait. O imperialismo americano, com um pequeno atraso, respondeu despachando tropas para a Arábia Saudita. Os eventos no mundo stalinista tiveram um importante efeito em sua decisão de intervir. Eles não poderiam agir tão descaradamente ou tão precipitadamente sem antes de tudo receber a benção de Gorbatchev. Pela primeira vez na história das Nações Unidas, houve uma unanimidade no Conselho de Segurança que permitiu aos EUA serem capazes de implementar uma resolução para um total embargo ao Iraque: o petróleo não seria exportado do Iraque e importações (exceto comida) não seriam permitidas. Até a burocracia chinesa, ansiosa para chegar a um acordo com o imperialismo, votou pela resolução. A imprensa marrom britânica reagiu de um modo previsível, com o Daily Star querendo que o governo jogasse uma “bomba muito grande” em Bagdá – nunca esquecendo o fato de que cidadãos britânicos no Kuwait estavam sendo tomados como reféns.
Contra a guerra
Desde o início, deixamos clara a nossa posição:
Não estamos preparados para apoiar qualquer objetivo de guerra de Bush ou Thatcher, eles não são confiáveis em casa ou no estrangeiro. Eles apenas defendem os interesses dos patrões. (1)
O jornal também apontou a hipocrisia dos que estavam pedindo pelo sangue de Saddam, mas apoiou-o completamente na sangrenta guerra entre Iraque e Irã:
Não podemos esquecer que Thatcher, ao lado dos governos francês e americano, e também da burocracia soviética, financiou a construção militar do Iraque. Armaram Saddam até dos dentes, criando o 5º maior exército do mundo. (2)
Não houve nenhuma oposição generalizada destes governos quando o regime iraquiano persistia em seu monstruoso genocídio contra o povo curdo, com o aniquilamento de vilas inteiras com ataques de gás. Essa era uma guerra por petróleo na qual os trabalhadores
iriam pagar o preço. As grandes companhias petrolíferas não perderam um segundo em empurrar os preços em até 10 pence o galão. Mas tinham estoques comprados para 30 dias antes da invasão iraquiana e o preço do petróleo subir. (3)
Claramente, no passado Saddam foi o homem da América, armado completamente durante a guerra com o Irã. Saddam sem dúvida acreditava que teria a complacência silenciosa do imperialismo dos EUA ao invadir o Kuwait. Ele de fato assinalou sua intenção de invadir. Glaspie, embaixadora dos EUA no Iraque, encontrou Saddam Hussein em 25 de julho, poucos dias antes da invasão do Kuwait, e a transcrição desta reunião mostrou que ela fazia vistas grossas à reivindicação do Iraque sobre o Kuwait. Glaspie declarou na reunião: “Os EUA não tem nenhuma opinião numa disputa interárabe como o seu desacordo de fronteira com o Kuwait.” (4) A clara implicação disso era que Saddam estava livre para invadir.
Mas ao invadir o Kuwait Saddam ganhou o controle de 20% da produção de petróleo da OPEC, que daria a ele “no mínimo, o poder de estrangulamento sobre a principal artéria do capitalismo ocidental”. (5)
Por causa disso, Saddam sem dúvida evocou enormes simpatias das massas do mundo árabe, mesmo daqueles que viam sua ditadura com desconfiança. Ao mesmo tempo, não hesitamos em explicar o papel sangrento da ditadura de Saddam em reprimir os trabalhadores, camponeses e minorias nacionais dentro do Iraque. Nós implacavelmente nos opomos ao papel pró-capitalista dos líderes trabalhistas:
Mesmo antes dos EUA irem para a Arábia Saudita ou reféns serem tomados, Kaufman [representante trabalhista de assuntos estrangeiros] chamava por “medidas sem precedentes”, incluindo um bloqueio naval ao Golfo e a ONU interceptando tanques. (6)
Onde a política externa do imperialismo britânico era atingida, Neil Kinnock se tornava um mascote doméstico. Ele assegurou ao povo britânico que até o governo Conservador estava preocupado “tudo o que deve ser feito está sendo feito”. E estes “dedicados democratas” nem mesmo convocaram o Parlamento, nem os líderes trabalhistas o solicitaram, por medo de que a esquerda Trabalhista os embaraçasse por se opor à guerra. Até o Conservador direitista Rhodes Boyson, pediu para a re-convocação do Parlamento.
De fato levou meses para a mobilização, consolidação e reunião da maior concentração de poder de fogo já vista antes do imperialismo se sentir confiante para se mover.
A Guerra do Golfo e as importantes questões políticas e teóricas que trouxe para os marxistas provocaram intensa discussão dentro de nossas fileiras.
Perguntas dos leitores
Nesse meio tempo, os leitores do Militant inundaram o corpo editorial com questões de qual posição os marxistas deveriam tomar na guerra. Militant respondeu à algumas cartas importantes em suas páginas na tentativa de abrir um diálogo com nossos leitores. Uma delas era de Clive Jones em Oxford:
Acredito que é uma situação completamente diferente das Falklands e a maioria do povo está alerta de que tanto os EUA quanto o Iraque estão perseguindo os interesses de sua própria classe dominante mas temem que uma ação militar iraquiana possa, se não desafiada, provocar uma guerra mundial… Muitos trabalhadores têm dito: “Concordo com o que você disse mas como vamos parar este louco?” (7)
O Corpo Editorial concordou que a situação no Golfo era totalmente diferente das Falklands. Em 1958, o Governo Conservador considerou expulsar o Emir do Kuwait e tomar o país na tentativa de garantir o controle de suas fontes de petróleo. Este fato era suficiente para revelar a defesa de Bush e Thatcher do “pobre Kuwait”.
A reunião de uma massiva máquina de guerra no Golfo não era em defesa da democracia ou dos povos do Oriente Médio, mas para defender e reforçar o poder da classe dominante dos EUA e da Grã-Bretanha, França, Alemanha Ocidental e o resto. Argumentamos que
se o poder militar combinado do imperialismo tiver sucesso em esmagar o Iraque, não apenas Saddam ou o povo iraquiano sofrerão. O Imperialismo e seus lacaios no Oriente Médio irão usar esta vitória para retardar a revolução árabe e intimidar, com a ameaça implícita de uma ação militar similar, movimentos revolucionários das massas empobrecidas na África, América Latina ou Ásia.
Portanto concluímos que,
para a classe trabalhadora na Grã-Bretanha e dos países industrializados avançados, deve haver uma implacável oposição à intervenção imperialista. (8)
Mas era indiscutível que havia muitos trabalhadores que eram repelidos pela ditadura iraquiana. Tomando nota disso, nós declaramos que:
[Nós] não damos o menor apoio à ditadura de Saddam. Devemos apoiar os trabalhadores e camponeses iraquianos na luta por um Iraque socialista e democrático. Se o imperialismo tiver sucesso em esmagar Saddam… o regime que o substituirá poderá ser uma nova ditadura totalmente dependente dos poderes imperialistas… uma vitória imperialista também pode reforçar o controle dos reacionários sheiks feudais nos estados do Golfo. (9)
A conclusão era que a oposição à intervenção imperialista era necessária:
Deixe os povos da região, inclusive o iraquiano, decidirem seu próprio destino. A democracia não será criada no Iraque ou Kuwait com as baionetas imperialistas. Apenas uma federação socialista de todo o Oriente Médio permitirá aos povos da região determinar realmente seu próprio futuro. (10)
Quanto aos direitos dos Kuwaitianos, a posição do Militant estava delineada no jornal:
Os iraquianos consideram o Kuwait historicamente parte do Iraque, mas uma federação socialista do Oriente Médio pode dar ao povo Kuwaitiano o direito de determinar seu destino num referendo democrático. Eles podem decidir se permanecem separados ou ligados ao Iraque, possivelmente com alguma forma de autonomia. (11)
Retirada das tropas iraquianas?
Outra questão posta era: o Militant era pela retirada dos iraquianos assim como das forças americanas do Golfo? O critério para os marxistas nessa, como em outras questões, era: isto poderia melhorar a posição dos trabalhadores e camponeses do Iraque, os povos do Kuwait e do Oriente Médio como um todo? Claramente, se o imperialismo dos EUA tivesse sucesso em tirar Saddam do Kuwait então a conseqüência disso seria o retorno do Kuwait ao governo reacionário dos sheiks feudais. Suas conseqüências para o Iraque, como explicado antes, seria a substituição de uma ditadura por outra, apoiada nas baionetas imperialistas. Portanto não éramos a favor desta opção. De outro lado, um movimento da classe trabalhadora, se mobilizando com as massas camponesas do Iraque para derrubar Saddam e criar um Iraque democrático e socialista sem dúvida levaria à retirada das tropas iraquianas e o direito dos kuwaitianos assim como do povo Curdo para determinar seu próprio destino.
Enquanto isso,o conflito no Golfo chegava ao auge. A perspectiva próxima de uma sangrenta carnificina resultou no começo de janeiro com a opinião pública britânica se virando contra a guerra. A idéia de que era uma guerra para proteger o petróleo e lucros implantou firmes raízes. Chamamos nossos apoiadores a
se envolverem totalmente quanto possivel nos protestos Stop The War. Onde comitês locais existem, eles devem participar, colocando o programa marxista para esta guerra. Onde não existirem comitês, eles devem criá-los. Tentar levar a campanha para o movimento da classe trabalhadora nos locais de trabalho, sindicatos e partidos Trabalhistas. Alcançar a juventude nos colégios e escolas.
Declaramos:
Os apoiadores do Militant não são pacifistas. Devemos lutar ao lado do resto de nossa classe contra a ameaça a qualquer dos nossos direitos democráticos… Iremos agitar ao lado da juventude da Grã-Bretanha para se opor à Guerra do Golfo e se opor a qualquer idéia de conscrição. Trabalharemos para criar tal resistência de massas que os Conservadores não poderão considerar conscrever nossa juventude para esta guerra suja. (12)
O movimento antiguerra na Grã-Bretanha não alcançou as proporções de outros países. Antes do estalar do conflito houve uma grande oposição à guerra, refletida nas pesquisas de opinião e também em muitos comentários em nossas páginas. Um correspondente disse:
Isso me lembra a guerra dos Bôeres. Aquela era por ouro; esta é por ouro liquido… Não estamos lutando por democracia. O Kuwait nunca foi uma democracia… Se você fizer um censo de todos no país, ninguém teria votado pela guerra no Oriente Médio. Mas eles teriam votado para milhões de casas para os sem-teto e camas de hospital para os que esperam operações de emergência. (13)
Outro correspondente comentou:
Um cara antigo no serviço disse hoje que o povo que ele conhecia foi à guerra para impedir os Nazis de tomar seu país mas nesta época, não era para impedir nada como aquilo; é apenas para as companhias de petróleo. Não há ninguém exceto uns poucos tontos no trabalho apoiando a guerra. Mesmo estas pessoas, quando você pergunta a eles: “Você está preparado para lutar neste tipo de guerra?” logo se calam. (14)
Oposição à guerra
Contudo, a oposição à guerra cresceu em torno da preocupação pelos soldados no Golfo. Isso foi um fato na mudança da opinião pública a favor do governo quando a batalha começou. Não obstante, houve uma oposição significativa e crescente à guerra. Isso foi refletido em nossas páginas e também nas falas dos MPs de esquerda no Parlamento. Na segunda, 21 de janeiro, Dave Nellist, falando na Câmara dos Comuns, disse:
Aqueles de nós que votaram contra a guerra não o fizeram porque somos contra as tropas britânicas… Fiquei acordado até as primeiras horas para ver o que estava acontecendo. Eu vi generais americanos tratando os eventos como se pensassem que estavam num cruzamento entre uma partida de futebol americano e um salão de videogame. Os Scuds versus os Patriotas. Um quase sentimento de que a próxima coisa a vir será a competição da ‘Bomba’ do dia… O Sunday Times cita os experts do Pentágono dizendo que, dentro das primeiras 36 horas, cerca de 20.000 toneladas de altos explosivos foram despejados em Bagdá e outras cidades, e que se estima que entre 100.000 e 250.000 pessoas perderão suas vidas ou serão severamente feridas, sofrendo hemorragias internas como resultados das forças de concussão.
Pontuando a hipocrisia do governo, nós adiantamos:
Não apoiamos o regime iraquiano. Mas os pilotos iraquianos foram treinados na Grã-Bretanha. Talvez a divisão das Guardas Republicanas seja temida porque seus oficiais foram treinados na Sandhurst… Isso é supostamente uma guerra pela democracia. O governo fala de ter restaurado o governo do Kuwait. Semana passada o New York Times citou alguém dizendo que o Emir do Kuwait, de volta ao seu palácio, ainda era um ditador. Quem teve esta percepção? Foi Richard Nixon. Ele deve saber tudo sobre ditadores – ele criou muitos deles. (15)
Juventude contra a guerra na Espanha
Por toda a Europa, as organizações irmãs do Militant estavam na dianteira do movimento antiguerra. Na Espanha, por exemplo, o Sindicato dos Estudantes Espanhóis (SE) organizou e liderou uma greve geral de 3 milhões de jovens na terça-feira, 15 de janeiro. O Militant reportou:
Os jovens na Espanha responderam maravilhosamente. 90% dos secundaristas (1.700.000) e 70% dos estudantes universitários (700.000) responderam ao nosso chamado por uma greve de 48 horas. (16)
Houve manifestações em mais de 100 regiões e cidades da Espanha.
Diferenças no Corpo Editorial do Militant
Contudo, durante a Guerra do Golfo diferenças dentro da direção do Militant sobre a guerra, que estavam esquentando por trás das cenas, apareceram na superfície.
O Militant chamou uma conferência especial para discutir a Guerra do Golfo em janeiro de 1991 (realizada na London School of Economics). Nos meses anteriores, uma ‘guerra’ velada de caráter político e ideológico estava ocorrendo dentro de nossas fileiras. De um lado, estava a abordagem da minoria, exemplificada por Ted Grant, querendo prever escalas de tempo exatas. Em oposição a ele estava a maioria, eu, Lynn Walsh, Bob Labi, Tony Saunois e outros que propunham uma abordagem mais condicional. A situação mundial em mudança, lidada anteriormente, exigia uma abordagem diferente da parte dos marxistas.
Ted Grant, uma reunião após outra, disse que se uma guerra estourasse, levaria no mínimo seis meses ou provavelmente 2 anos. Na Espanha, aqueles em torno do El Militante, meramente repetiam esta declaração:
Uma guerra contra o Iraque não pode ser breve ou fácil… Uma vez começada, a guerra necessariamente será prolongada e sangrenta. Pode se arrastar por meses ou mesmo um par de anos. (17)
O Militant na Grã-Bretanha, contudo, nunca publicou uma declaração deste caráter. Não havia nenhum outro membro do Corpo Editorial Nacional que adotou esta abordagem, exceto o próprio Ted Grant.
Conscrição
Nada demonstrava a falsa abordagem de Ted Grant mais claramente do que sua posição sobre a conscrição. No comício na LSE que precedeu a conferência especial do Militant, um camarada escocês que estava fazendo o apelo financeiro declarou muito corretamente, que como ex-soldado na lista de reserva, se ele fosse chamado para lutar no Golfo, não iria. Isso foi denunciado por Ted Grant. Durante sua fala, ele fez esta declaração estarrecedora:
Se a conscrição for introduzida, vamos ser claros, a juventude deve ir para o exército. E claro (diretamente se dirigindo para os jovens na audiência) que alguns de vocês serão mortos. Mas para cada um que morrer, dez tomarão seu lugar! (18)
Esta declaração foi recebida com descrédito assombrado e raiva. Foi feita apesar do fato da maioria da direção do Militant discordar das propostas de Ted Grant e ter tentado dissuadi-lo de expô-la publicamente. Ted foi cercado pelos jovens no pub depois da reunião. E apesar disso, na conferência do dia seguinte, ele expôs exatamente os mesmos pontos ao longo da introdução da discussão sobre a Guerra do Golfo. Isso produziu uma revolta da platéia com a clara maioria se opondo a esta declaração
Eu intervi na discussão, pontuando que na eventualidade da conscrição ser introduzida, então a direção do Militant chamaria uma conferência especial para determinar sua atitude nesta questão. Era errado meramente repetir a posição de Trotsky na época da II Guerra Mundial, com Ted Grant e Alan Woods fizeram. Naquela época o ponto de vista da classe trabalhadora era determinada pela ameaça de invasão de uma potência fascista estrangeira, com tudo o que isso implicava: a destruição dos direitos democráticos e das organizações operárias. Em 1990-91 os marxistas estavam face a uma guerra colonial de intervenção do imperialismo no Golfo. Se a posição de Ted Grant, aceitando a idéia de conscrição se tornasse a posição pública do Militant, seria virtualmente impossível para os apoiadores do Militant participar no crescente movimento antiguerra. Tais movimentos inicialmente terão tons pacifistas. Os marxistas não são pacifistas. Mas eles sempre distinguem entre o falso “pacifismo” hipócrita dos capitalistas e suas sombras reformistas dentro do movimento trabalhista, que invariavelmente age como uma cobertura para a guerra, e o genuíno sentimento antiguerra da juventude.
No curso do debate na conferência especial, argumentei que se a conscrição fosse introduzida (altamente improvável no caso da Grã-Bretanha) não significaria que a juventude iria passivamente para um exército conscrito. Poderia ocorrer uma situação onde metade, se não mais, dos jovens, se recusariam a serem convocados.
Uma situação similar se desenvolveu nos EUA no tempo da guerra do Vietnã, quando milhares de jovens se recusaram a fazer o serviço sujo do imperialismo no Vietnã. Nesta questão, Ted Grant não encontrou nenhum apoio nas fileiras do Militant.
Esta disputa foi uma escaramuça entre as crescentes tendências divergentes dentro do Militant, que estouraria em divisões abertas poucos meses depois (veja capítulo 44). Isso não impediu, contudo, uma séria intervenção no movimento antiguerra tanto na Grã-Bretanha e internacionalmente. Na Alemanha, por exemplo, as forças do Voran implementaram uma campanha antiguerra vitoriosa com recursos muito limitados.
Vitória para Bush?
A superioridade esmagadora das forças imperialistas resultou numa derrota para o exército iraquiano. Uma centena de milhar de iraquianos foram mortos ou feridos nas 100 horas da guerra terrestre – 1.000 vitimas por hora. A coalizão liderada pelos EUA sofreu apenas 300 baixas. Nós reportamos:
Nas areias do norte do Kuwait, alcatéias de cães selvagens arrancam pedaços das carcaças do que foram soldados iraquianos. Suas tropas foram impiedosamente bombardeadas à medida que se retiravam, obedecendo às instruções finais de Saddam Hussein de agir em conformidade com a resolução 660 da ONU e se retirar do Kuwait… Muitos de seus oficiais já tinham se retirado, deixando as tropas cuidando de si mesmas… Cercados pelas forças ocidentais e assaltos aéreos, eles ficaram presos, grudados um no pára-choque do outro, num medonho engarrafamento, numa extensão de 20 veículos. Lá eles pereceram aos milhares, sem defesa, sem poder resistir. Os bombardeios dos EUA apenas tiveram tempo de se recarregarem antes que voltassem para se unir ao “Tiro ao alvo”. (19)
O colapso da resistência de Saddam foi em si um reflexo da fraqueza interna de seu regime. Isso era algo que não foi avaliado totalmente em nossa análise da situação que levaria à guerra terrestre. Não apenas Saddam se confrontou com a oposição dos curdos, mas também dos xiitas, que também constituíam uma força poderosa, exigindo reformas e a derrubada do seu regime.
A Guerra do Golfo, os ideólogos imperialistas diziam, expressou perfeitamente a Nova Ordem Mundial de Bush. O tratamento brutal dispensado ao Iraque foi tinha a intenção de manter as massas do mundo colonial e semicolonial numa posição de completa prostração ante o poder econômico e militar do imperialismo.
Entrar nas cidades do Iraque poderia ter metido o imperialismo americano num conflito prolongado resultando num grande número de baixas. Não apenas a coalizão penosamente reunida desmoronaria mas também a apoio doméstico construído pelo imperialismo para justificar a intervenção no Golfo. Além disso, ele preferia Saddam no poder às alternativas que poderiam substituir seu governo. Isso foi claramente demonstrado quando poucas semanas depois do fim formal da Guerra do Golfo os tanques de Saddam foram soltos no sul e também contra o norte curdo.
Citamos a declaração de um oficial americano que disse aos jornalistas ocidentais privadamente: “É mais fácil lidar com um Saddam domesticado, do que com uma quantidade desconhecida.” (20) As ações do imperialismo americano após a Guerra do Golfo revelaram, especialmente aos povos árabes, seus reais propósitos ao intervir. Foi permitida à Guarda Republicana de Saddam atravessar as linhas americanas para esmagar a cidade de Basra, onde a população xiita predominava, e assegurar a Saddam que eles não iam intervir no norte curdo. Portanto o imperialismo deu um tácito apoio à repressão sangrenta de Saddam.
Sobre Trotsky na Rússia
Na Rússia “a primeira reunião sobre Trotsky” (21) desde os primeiros dias da revolução ocorreu, organizada pela Democracia Operária, a organização irmã do Militant. As pequenas mas crescentes forças do trotsquismo na Rússia foram essenciais ao trazer o maior trabalho de Trotsky, Revolução Traída, para publicação na URSS. Uma centena de milhar de cópias foram vendidas, com uma introdução de Elizabeth Clarke. Para lançar estas duas publicações, a membro do Corpo Editorial do Militant Lynn Walsh viajou para Leningrado e Moscou para falar em reuniões públicas sobre a importância das idéias de Trotsky hoje.
Em Leningrado 50 pessoas se reuniram no prédio de cujo balcão Lenin se dirigiu aos trabalhadores da cidade em abril de 1917.Este tour ocorreu na época de maior desintegração da antiga URSS e com ela o colapso da indústria e do padrão de vida do povo. Um quadro similar era evidente nos estados do Leste Europeu, antigamente sob o tacão do stalinismo. O seu colapso também levou a uma reavaliação da história do regime e o sofrimento de milhões de pessoas inocentes. A maioria dos relatos na imprensa capitalista se concentrava nos “dissidentes”, envolvendo em grande parte a intelectualidade de classe média, mas dificilmente tocando nos “dissidentes” originais, os trotsquistas e marxistas que se opuseram ao regime stalinista do ponto de vista de defender os ganhos da revolução de Outubro.
Procuramos responder a isso em fevereiro com uma entrevista com Alexander Tami, presidente do Justice, uma organização russa que lutava pela reabilitação das vitimas da repressão de Stalin e fornecer ajuda aos que ainda estavam vivos. Aos 84 anos ele ainda mantinha seu “entusiasmo infantil” quando falava da revolução e seus líderes Lenin e Trotsky. Embora não fosse um apoiador de Trotsky ou da Oposição de Esquerda, foi preso, passando 17 anos nos campos e minas da Sibéria. Isso não destruiu sua fé na revolução. Ao invés, ele e outros prisioneiros mantiveram “a imagem de Lenin ante nós. Sabemos que alguns de nós não sobreviveremos, mas acreditamos que teremos o socialismo no final.” Tami continuou
Não houve um golpe em 1917. Até hoje os historiadores não entendem isso. O povo estava com os bolcheviques. Eles eram ainda um pequeno partido mas tinham autoridade. Houve uma insurreição armada mas não assassinatos. Na revolução de fevereiro pessoas foram mortas mais em Outubro apenas 6 ou 7 morreram.O povo considerava Lênin e Trotsky como iguais, mas penso que Lênin era mais desenvolvido teoricamente. Era um advogado por educação e muito lógico. Mas Trotsky era próximo dele, então era errado que o nome de Trotsky fosse apagado sob Stalin.
Ele contou um incidente memorável quando Trotsky estava falando:
Durante a guerra civil eu era parte de uma guarda do Komsomol [Liga da Juventude Comunista] para desertores.Alguns eram postos nas barracas em Petrogrado. Trotsky veio para falar com eles na praça das barracas. Quando o presidente da reunião introduziu “Trotsky, o Comissário da Guerra “houve um monte de gritos e palavrões: “Ele é um judeu, um Yid. O que ele está fazendo aqui?” Mas Trotsky se levantou e disse: “Sim, sou um judeu. Mas que tipo de judeu eu sou? Um daqueles que dá a terra aos senhores de terra? Não, damos a terra aos camponeses. Um que dá as fábricas aos grandes capitalistas? Não, nós damos as fábricas aos trabalhadores”. Eles pararam de gritar e começaram a ouvir. Ele era um verdadeiro orador. Quando ele terminou o presidente perguntou: “Certo, quem é pelo front?” e todos aqueles desertores levantaram suas mãos! Esse era o tipo de orador que Trotsky era. Ele podia fazer uma assembléia inteira mudar de opinião.
Ele também contou um incidente envolvendo Krupskaya, a viúva de Lenin, que Stalin aterrorizou até a submissão.
Ela disse: “Você fala muito mas precisa trabalhar como Lenin fez. Sim, ele era uma simples e mortal pessoa. Você não deve transforma-lo numa espécie de Deus. Me deixa doente o modo como vocês mancham o seu nome”. Então ela disse: “vocês têm que trabalhar. Tenho medo que vocês falem tanto da morte de Lênin que ele de fato morra, ao invés de se dedicarem ao trabalho”. É claro que ela não se entendeu com Stalin. Quando ele entrou no salão, nos levantamos e começamos a aplaudir. Ela disse: “Imbecis, imbecis! Eles o estão transformando em um deus. Imbecis!” Ela não disse isso a mim diretamente. Eu apenas ouvi e observei como ela estava sentada modestamente, simplesmente vestida, não com toda a pompa de Stalin. Eu mesmo cheguei a pensar: “Como é que a esposa de Lênin não está lá no presidium?” (22)
1 Militant 1004 10.8.902 ibid 3 ibid 4 ibid 5 Militant 1006 31.8.90 6 ibid 7 Militant 1010 28.9.90 8 ibid 9 ibid 10 ibid 11 ibid 12 Militant 1023 11.1.91 |
13 Militant 1024 18.1.9114 ibid 15 Militant 1025 25.1.91 16 ibid 17 Spanish “Thesis On The Gulf Crisis”, Septembro 1990 18 Militant Rally Against The Gulf War, 26.1.91 19 Militant 1031 8.3.91 20 Militant 1032 15.3.91 21 Militant 1031 8.3.91 22 Militant 1026 1.2.91 |