Em defesa das feministas na China

Ataques do Estado e nacionalistas de direita tentam silenciar a crescente onda feminista – milhões expressam solidariedade

As ativistas pelos direitos das mulheres na China estão novamente sob ataque. A ditadura chinesa (PCC) sente-se ameaçada pela crescente radicalização entre as mulheres, parte de uma tendência mais ampla de radicalização na sociedade e na juventude.

Os ataques seguem um padrão semelhante. Em primeiro lugar, as feministas estão sendo ferozmente perseguidas por trolls nacionalistas pró-CCP na internet em uma campanha coordenada. Uma onda de antifeminismo histérico online está sendo encorajada pelo Estado. Em segundo lugar, as contas das redes sociais e grupos de porta-vozes de destaque estão sendo fechados. Elas são vilipendiadas como inimigas do Estado e depois silenciadas!

No final de março, ocorreu um ataque em um restaurante na cidade de Chengdu, no sudoeste do país. Duas mulheres foram agredidas por um homem depois de se queixarem de que estava fumando no restaurante. O fumante furioso jogou líquido quente sobre as duas mulheres que capturaram o ataque em vídeo e o postaram no Weibo, o equivalente chinês do Twitter. Seu comentário de que “os homens que não fumam não são homens de verdade”, não ajudou seu caso.

As duas mulheres eram Xiao Meili e Zheng Churan, que são ativistas feministas bem conhecidas. Zheng foi uma das Cinco Feministas, que foram presas e detidas por um mês na véspera do Dia Internacional das Mulheres (8 de março) em 2015. A ASI em Hong Kong organizou ações de protesto para exigir a libertação das Cinco, como parte de uma campanha global de solidariedade.

Os trolls de direita

O post de Xiao sobre o assalto no restaurante em Chengdu tornou-se viral na internet, recebendo comentários majoritariamente favoráveis, inclusive de algumas contas oficiais vinculadas ao governo. No dia seguinte, a conta Weibo de um proeminente grupo nacionalista lançou um ataque contra as mulheres, colocando fotos “históricas” de Xiao a partir de 2014, na qual ela expressou solidariedade com o Movimento Guarda-chuva de Hong Kong. Os trolls afirmaram de forma errada que ela apoiava a “independência de Hong Kong” (não era sobre isso que tratava o Movimento Guarda-chuva, mas este rótulo é usado por nacionalistas chineses para atacar qualquer um que apoie ou mostre simpatia pela luta pela democracia em Hong Kong). Seguiu-se um dilúvio de ataques on-line (na China isto pode envolver 100 mil ou milhões de postagens).

Publicaram uma outra foto antiga de Zheng usando uma fita amarela, um símbolo dos protestos democráticos de Hong Kong. Ela foi acusada de ser uma “defensora da independência de Taiwan” (outro tópico tabu sob o domínio do PCC). As duas mulheres e outras feministas foram submetidas a violentas ameaças e acusações como “xenocêntrica”, “anti-China”, e “espiã da CIA”. Pouco tempo depois, a conta no Weibo de Xiao foi fechada pela empresa, o que causou comemorações pela máquina de trolls.

Os ataques se encaixam num padrão familiar, combinando misoginia com nacionalismo. As forças nacionalistas de direita por trás desses ataques de trolls são de fato auxiliares do estado do PCC e gozam de sua proteção. Suas questões centrais são o nacionalismo, mas também o conservadorismo social – daí o feminismo ser um anátema. Eles acusam as feministas de serem “corrompidas” por valores estrangeiros. Tudo é uma conspiração do Ocidente para destruir a China. Os nacionalistas apoiam a ditadura, uma China forte (imperialismo), e a supremacia da etnia majoritária Han. Eles incitam o racismo contra minorias como os muçulmanos. Algumas dessas camadas estão se desenvolvendo em direção ao fascismo. Além deste exército “não-oficial” online, o Estado do PCC emprega diretamente dois milhões de policiais de internet em tempo integral e 20 milhões em tempo parcial.

Mais de 20 contas de feministas e grupos de direitos das mulheres foram fechados pelo Weibo com a explicação de que seu conteúdo é “prejudicial”, “ilegal” ou poderia “incitar o antagonismo”. “Fomos coletivamente silenciadas por uma repressão na internet que atingiu como um tsunami”, disse uma das mulheres à CNN. É óbvio que o Estado do PCC está por trás dessa repressão. A questão é por quê?

Movimento “6B4T”

Em um desenvolvimento separado, mas conectado, mais de dez grupos feministas foram removidos do Douban, outra plataforma online. Douban é um site de resenhas de livros e filmes que serve como um fórum de mensagens para diferentes grupos de pessoas, em sua maioria jovens. Um dos grupos de discussão feministas fechados nesta repressão tinha 40 mil membros.

Os grupos alvo eram principalmente adeptos da cultura radical ‘6B4T’, uma camada ainda muito marginal dentro da crescente maré do feminismo chinês, que defende um boicote ou “greve” dos relacionamentos com homens, casamento e de ter filhos. O movimento ‘6B4T’ começou na Coréia do Sul – como a China, uma sociedade confucionista, onde o capitalismo é profundamente patriarcal e a opressão das mulheres assume formas severas.

Não é difícil compreender que a mensagem do “6B4T” atrairia uma camada de seguidoras principalmente mulheres jovens na China sob um regime capitalista totalitário tão severo, onde nenhuma forma de protesto, organização ou política coletiva é permitida e muitos setores da sociedade sentem uma sensação aguda de impotência. O PCC ressuscitou muitas estruturas de controle patriarcal que desapareceram parcialmente ou foram empurradas para segundo plano durante a era revolucionária dos anos 1950-70, antes do início da restauração capitalista.

O PCC de hoje vê o aumento dos direitos das mulheres como um obstáculo ao seu governo e à sua grande missão de poder. Esta dinâmica é reforçada à medida que a Guerra Fria com o imperialismo estadunidense se intensifica. Ao invés de se abrir e se tornar mais democrático, e mais tolerante com várias correntes opositoras, o regime de Xi continua a se tornar cada vez mais repressivo. A atitude do regime em relação ao movimento de mulheres nascente e à consciência feminista é conflituosa. Isto se tornou uma grande tendência que se reflete na atenção angariada pelo próprio movimento #MeToo da China, apesar das tentativas das autoridades de limitá-la. O último exemplo é a demissão, em 15 de abril, de um professor associado da Universidade de Wuhan que assediou sexualmente pelo menos 18 estudantes. O caso atraiu a atenção de todo o país nas redes sociais porque as mulheres se levantaram contra seu agressor e se recusaram a deixar o assunto ser encoberto.

O regime tem medo de lançar diretamente uma repressão generalizada com prisões e perseguições em massa às feministas, porque isso o colocaria em choque com uma camada muito grande da opinião pública, que está insatisfeita com as condições das mulheres hoje. Mas ao mesmo tempo, o PCC teme o crescente apoio ao feminismo, pois teme todos os processos sociais fora de seu controle. Mesmo quando um movimento não é uma força organizada, como não era em Hong Kong em 2019, uma vez que as ideias entram na consciência das massas, elas se tornam uma ameaça para qualquer elite governante, como neste caso com a ditadura chinesa.

Crise demográfica

Outro fator-chave que explica os ataques às feministas chinesas é a queda catastrófica na taxa de natalidade da China, que é a menor desde 1949 e caiu mais 15% no ano passado. O número de nascimentos poderia cair abaixo de 10 milhões anualmente nos próximos cinco anos, segundo Dong Yuzheng, diretor da Academia de Desenvolvimento Populacional de Guangdong. Isto se compara a 25 milhões de nascimentos em 1987 (sete anos após o limite de uma criança ter sido imposto).

A população chinesa está entrando numa fase de declínio, que se torna ainda mais problemática para Xi Jinping no contexto da rivalidade histórica EUA-China. O tamanho da força de trabalho na “fábrica do mundo” caiu por oito anos consecutivos. As causas do mal-estar demográfico da China são complexas, em parte um legado da política de uma só criança, que foi eliminada em 2016 sem no entanto reverter o declínio dos nascimentos. Isto se deve ainda mais ao custo punitivo de ter uma criança na China, com educação, moradia e saúde, tudo extremamente caro.

Tendo voltado a adotar uma perspectiva confucionista ultrapassada, o regime de Xi promove o casamento heterossexual e a “harmonia familiar” como uma importante unidade de controle para assegurar a “estabilidade” política e social. Portanto, as mulheres – assim como as minorias nacionais não-Han e os habitantes de Hong Kong, ávidos por democracia – devem ser controladas. O PCC, quando era uma força revolucionária, era militantemente anticonfuciano, uma ideologia que enfatiza a obediência à autoridade, dos cidadãos ao governo, e das mulheres aos homens. A restauração do capitalismo brutal na China minou a posição das mulheres no trabalho e na escola e ressuscitou até mesmo ideias reacionárias e estruturas sociais pré-capitalistas.

A juventude na China vive em alta pressão, modos de vida financeiramente precários, com altos níveis de endividamento familiar, especialmente ligados ao custo da moradia. Isto está se tornando um desestímulo cada vez maior para se casar e ter filhos. De acordo com estatísticas oficiais, o número de casados caiu de 41% para 13,9 milhões em 2019, de 23,8 milhões em 2013. O legado da política de uma só criança, e a prática ilegal, mas generalizada, de abortos seletivos de gênero, resultou em que os homens superaram as mulheres em 30 milhões. Anualmente, o tráfico de “noivas” importadas para a China de países mais pobres, como Mianmar, Camboja e até mesmo a Ucrânia, chega a milhares. Nos últimos anos, o regime também está tentando fazer campanhas mais agressivas para convencer as mulheres a terem mais bebês.

O governo está planejando uma reforma previdenciária como parte do último plano quinquenal (2021-25) que conferirá “igualdade”, aumentando a idade de aposentadoria das mulheres em cinco anos (confiscando os direitos à aposentadoria conquistados). No ano passado, uma nova lei de divórcio foi adotada, a qual impõe um período obrigatório de “reflexão” de 30 dias – uma política amplamente criticada pelas feministas e pela esquerda. A política torna o divórcio mais difícil porque se uma das partes decidir desistir durante o período de 30 dias, o processo deve recomeçar com um novo pedido.

“Mulheres unidas!”

Enquanto este texto é escrito, o bloqueio das plataformas feministas continua. A caça às bruxas nacionalista contra o feminismo não está diminuindo. Alguns até especulam que esta campanha pode ter outro motivo: que o regime de Xi quer desviar a atenção enquanto ele tenta aliviar as tensões com os EUA (o que não seria um passo popular entre os nacionalistas chineses).

Os ataques às contas das redes sociais feministas têm atraído a atenção em grande escala. Xianzi, uma feminista proeminente que apresentou um caso de agressão sexual em 2018 contra uma celebridade da televisão, declarou sua solidariedade com as irmãs da rede Douban. O hashtag “Mulheres Unidas” em protesto contra as exclusões surgiu no Weibo e foi visto 50 milhões de vezes.

A supressão dos grupos feministas é também um aviso de que o regime de Xi está se movendo para ampliar sua repressão contra todas as camadas potencialmente opositoras. Isto pode levar a novos ataques contra as lutas de trabalhadores, contra a juventude de esquerda, minorias étnicas, jornalistas investigativos e outros. Para Xi, o 20º Congresso do PCC do próximo ano, e sua coroação para um terceiro mandato histórico (ele espera obter mais), são as principais prioridades e seu medo de distúrbios sociais e políticos cresce ainda mais.A ligação entre a luta das mulheres e a defesa dos direitos das minorias étnicas, com a construção de um movimento de trabalhadores independente, é a chave para mudar a situação. Não como “questões isoladas”, mas como um movimento unido dos oprimidos contra o capitalismo, o patriarcado e o totalitarismo.

Solidariedade Contra a Repressão na China e Hong Kong e a Alternativa Socialista Internacional protesta contra os ataques contra as feministas na China. Incentivamos nossos apoiadores e leitores a agirem. Compartilhe amplamente este artigo e traduza-o, especialmente para alertar o movimento de mulheres em seu país. Por favor, mostre também seu apoio com fotos e vídeos usando estes cartazes, que você pode baixar aqui.

CARTAZES EM FORMATO PDF

  • Solidariedade com as feministas na China!
  • Acabar com a perseguição e a supressão das feministas no Weibo e no Douban. Exigimos liberdade de expressão!
  • Luta unida contra o capitalismo e a ditadura!

Você pode gostar...