A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994

Um MP trabalhador com salário de trabalhador: Coventry e Liverpool

Questões bem mais importantes do que a caça-as-bruxas no Partido Trabalhista estavam nas mentes dos trabalhadores na primeira metade de 1983. Em Liverpool, por exemplo, a câmara de vereadores controlada pelos Liberais/Conservadores decidiu botar a coleta de lixo e a limpeza das ruas à interesses privados. Uma campanha massiva – “A Campanha contra a Privatização” – lançada pelos trabalhadores manuais do ramo 5 do GMBATU foi um modelo; tanto em informar a força de trabalho quanto em prepara-la para a batalha.

Os delegados decidiram chamar uma reunião massiva. A esta se seguiu a decisão de chamar uma greve total de todos os conselhos dos trabalhadores para coincidir com a reunião da câmara para anunciar a decisão de privatização. A maioria da força de trabalho decidiu a favor da ação grevista. Em 27 de abril de 1983, pouco antes das eleições municipais, 20 mil conselhos de trabalhadores entraram em greve em resposta ao chamado por uma ação contra a privatização da Junta de Comitês de Delegados Sindicais. Milhares pressionaram a reunião do Comitê de Finanças Municipal. Sua raiva foi dirigida contra o líder Liberal Trevor Jones, que estava virtualmente cercado. Ele foi capaz de entrar na reunião apenas depois da intervenção dos delegados sindicais. Enfrentado com uma greve indefinida total apenas dez dias antes das eleições locais, Trevor Jones voltou atrás.

Na reunião municipal, quando os Conservadores colocaram a proposta de privatização, os Liberais votaram com os Trabalhistas para derrotar os Conservadores! A intenção de Trevor Jones era ganhar tempo, trabalhar pela vitória nas eleições de maio e então recomeçar uma ofensiva total contra os trabalhadores. Ele ficou severamente desapontado. O Trabalhismo alcançou uma vitória nas bases de um combativo e radical programa socialista. Jones então declarou: “Isso [o resultado eleitoral] eventualmente levará à derrocada da sociedade livre como nós a conhecemos.” (1)

O Trabalhismo garantiu todas as suas cadeiras anteriores e ganhou onze outras às custas dos Liberais e Conservadores. Sua votação aumentou 40%. Ainda que a campanha eleitoral dos Liberais consistiu principalmente de uma tática de desmoralização contra os apoiadores do Militant no Partido Trabalhista. Após a vitória Tony Mulhearn declarou: “O absurdo de Rolls-Royce, correntes de ouro, carruagens e cavalos não são necessários em Liverpool… possivelmente as correntes de ouro serão colocados no museu junto com os Liberais derrotados”. (2)

Mas de 22 mil cidadãos de Liverpool votaram no Trabalhismo por causa de seu programa de “nenhuma privatização, corte de £2 nos aluguéis, nenhum corte de gastos, um massivo programa de reparos habitacionais, 6 mil novas casas populares, 4 mil novos empregos, e nenhum aumento nos aluguéis para compensar os cortes dos Conservadores/Liberais”. Significativamente, em Broadgreen, que em breve seria uma área de uma vitória histórica para o marxismo e o trotsquismo, o voto trabalhista aumentou 50%.

Esse resultado, que deu um enorme ânimo aos apoiadores do Militant, foi o ensaio-geral perfeito para a eleição geral de 1983. Thatcher agarrou a conjuntura favorável fornecida pela vitória nas Falklands par “ir ao país” em junho de 1983.

Um mínimo de 200 militantes estiveram envolvidos em Broadgreen por semanas, com uma média de 250. No dia da eleição 500 trabalhadores de Liverpool e outras partes do país ajudaram no distrito de Broadgreen. Poucas campanhas geraram tanto entusiasmo e engajamento. Apenas a de Pat Wall em Bradford North e Dave Nellist em Coventry Sudeste tiveram uma resposta similar. Contudo, a direita trabalhista sistematicamente sabotou a campanha de Pat Wall. Terry Fields, de outro lado, teve que enfrentar a difamação dos Conservadores e Liberais. Tão efetiva foi sua campanha que o candidato Liberal confessou que foi “diferente de qualquer outra coisa que ele já vira, mesmo em pré-eleições”. (3)

Terry Fields falou em mais de dez portões de fábricas e reuniões de cantina. Numa garagem de lixo, cerca de 200 motoristas esperaram das 6.30 às 7.30 da manhã por uma reunião de portão antes de irem trabalhar. 2 mil se reuniram em 17 de maio para um comício do Partido Trabalhista regional de North West no George’s Hall, onde Michael Foot falou ao lado de sete candidatos parlamentares trabalhistas. Foot foi obrigado a saudar a recente vitória da eleição:

Foi tremendo o caminho de Liverpool, o de estabelecer o tom nas eleições locais pouco antes da eleição geral. Foi muito apropriado que pouco antes desta nós vislumbremos os Conservadores fora de Westminster, nós, aqui em Liverpool, pudermos ter tal sucesso maravilhoso nas eleições municipais. (4)

O Trabalhismo nacionalmente recebeu sua mais baixa votação desde 1935. Apesar de tudo a eleição geral de 1983 não foi o triunfo esmagador de Thatcher que historiadores afirmam. O voto popular para os Conservadores caiu cerca de 2%, ou 700 mil votos, comparado a 1979. Ao mesmo tempo menos 3 milhões de trabalhadores votaram no Trabalhismo do que em 1979. A intriga capitalista para a divisão dos votos trabalhistas teve um sucesso parcial. O desencanto dos eleitores Conservadores e alguns Trabalhistas se converteu em um apoio à aliança SDP/Liberais.

A ala direita efetivamente sabotou a campanha trabalhista. Denis Healey e James Callaghan explicitamente se distanciaram do manifesto de compromisso pelo desarmamento nuclear unilateral.

As propostas radicais do Trabalhismo foram minadas quando sua liderança foi incapaz de responder à questão: “Como isso será pago?” Foot enfatizou a necessidade de empréstimos, desvalorização e reforçou a impressão que ao Trabalhismo intervia para desembolsar uma saída de uma crise. Isso levantou a idéia de uma expansão massiva dos gastos públicos mas sem nenhuma base econômica para sustentá-la.

O resultado eleitoral de Liverpool, contudo, mostrou um contraste marcante com a maioria das outras regiões. Completamente contra a tendência nacional houve uma virada ao Trabalhismo de 2%. Isso, nós comentamos, “foi devido em não pouca medida pela influência dos apoiadores do Militant na cidade, onde Terry Fields foi eleito MP em Liverpool Broadgreen”. (5)

Ao lado de Terry Fields no Parlamento estava Dave Nellist, MP Trabalhista por Coventry Sudeste, que também alcançou uma vitória notável na eleição geral.

Um moderado de joelhos

No Parlamento a classe trabalhadora não encontrou melhores representantes do que Terry Fields e Dave Nellist. O amargor, o desânimo de classe, que a maioria dos trabalhadores em Merseyside sentiram pela vitória Conservadora, foram expressos na fala inaugural de Terry Fields no Parlamento. Espera-se que novos membros da Câmara dos Comuns se apresentem para congratular sinceramente os oradores da oposição, e desejando boa sorte aos rivais aposentados ou derrotados. Tais amenidades foram deixadas de lado quando Terry Fields subiu para falar. Ele deixou claro que estava ali para representar os trabalhadores de Liverpool. Eles o elegeram para lutar em seu nome, não para ficar congratulando o inimigo Conservador. Ele estava lá não para apelar para a classe dominante mas para expressar os verdadeiros sentimentos da classe trabalhadora contra o governo Conservador e o sistema que este representava. Toda sua fala foi impressa no Militant e foi amplamente divulgado no movimento trabalhista em Merseyside e nacionalmente.

A tristeza geral que desceu sobre o movimento trabalhista na Grã-Bretanha com o retorno de Thatcher ao poder não impediu que os apoiadores do Militant obtivessem o sucesso em Liverpool e Coventry. E dentro de um mês da vitória de Thatcher o Militant apresentou a disputa de “Lady at Lord John” em Liverpool que se tornou um marco na luta contra a perseguição sexual no trabalho. Essa disputa se tornou a base para o maravilhoso filme de Lezli-Anne Barratt, Business as Usual, estrelando Glenda Jackson, John Thaw e Cathy Tysone. Isso lidou poderosamente com a questão do emergente poder das mulheres da classe trabalhadora e sua recusa em aceitar as condições do passado, incluindo a assédio sexual. Audrey White foi despedida depois de protestar contra assédio sexual contra empregados na filial de Liverpool da firma. A perseguição sexual, Militant declarou, era

um produto da atitude sa sociedade de que as mulheres são apenas uma força de trabalho temporária e que seu verdadeiro papel na sociedade é apenas em relação aos homens e que estes podem tratar as mulheres como bens móveis em casa e no trabalho, uma atitude tão antiga quanto a propriedade privada, do escravismo ao capitalismo. A disputa “Lady at Lord John” ajudou a vários homens tanto nos sindicatos quanto fora a perceber que a perseguição sexual é uma questão de classe e não pode ser combatida por mulheres individuais. (6)

Um piquete vitorioso foi conduzido fora da oficina que resultou em muitas mulheres sendo trazidas para o sindicalismo como o resultado desta histórica luta. Audrey White foi removida pela polícia quando ela foi demitida e a companhia tentou usar a lei para parar a ação sindical. Os piquetes foram informados de uma injunção, acusando-os de molestar e conspirar para fazer avarias, sob as leis anti-sindicatos Conservadoras. Mas a pressão da opinião pública que foi construída sobre a ação legal resultou no direito do piquete ter aval. A gerência abriu mão de usar mais ações legais por menos de que isso pudesse alastrar a disputa. Apesar de todos os obstáculos em seu caminho os grevistas forçaram a companhia a reempregar Audrey White com pagamento retroativo e mesmo um desconto para os membros dos sindicatos foi ganha. Militant comentou: “Essa disputa não foi apenas uma educação para o movimento sindical e piqueteiro mas também para os quatro milhões de trabalhadores desorganizados nas oficinas e escritórios”. (7)

Juventude

Ao mesmo tempo havia uma oposição crescente para o Plano de Treinamento de Jóvens Conservador (YTS). Meio milhão de jovens estariam sujeitas a uma conscrição industrial a £25 por semana. Dave Nellist numa energética fala inicial na Câmara dos Comuns, ressaltou a oposição crescente ao YTS. Ele foi um ardente defensor dos direitos dos jovens nos nove anos em que ele ficou no Parlamento. Em sua fala ele pontuou que:

apenas um de dez dos que completaram 15 anos no último verão encontraram emprego. Numa cidade (Coventry) que foi construída sob planejamento, apenas 243 dos 5 mil que deixaram a escola este verão encontraram um aprendizado… Eu falei hoje como o mais jovem membro trabalhista eleito na eleição geral mês passado, o que me dá uma responsabilidade especial neste lugar para defender os direitos, e dar voz às esperanças e aspirações de milhões de jovens trabalhadores.

Pontuando a mudança de atitude do governo Conservador em relação à juventude ele disse:

O que mudou a atitude do Partido Conservador durante os últimos quatro anos… a principal resposta são os eventos do verão de 1981 – os distúrbios nas ruas de Londres, Liverpool, Manchester e outras grandes cidades – uma ação desesperada de dezenas de milhares de adolescentes para chamar atenção para a pobreza, desespero, desmoralização, perseguição e raiva de ser jovem e desempregado sob o governo Conservador… Milhares de YOPsters têm sido recrutados pelos Labour Party Young Socialists para o Sindicato dos Transportes, o Sindicato Geral e Municipal dos Caldereiros e Associados e o Sindicato Nacional de Servidores Públicos e a outros sindicatos… Eu dou um alerta ao governo. Não se engane pelo canto da sereia da mídia ao acreditar que de alguma maneira os anos 80 estão vendo a criação de uma geração direitista de jovens ou de que o movimento trabalhista está fraco ou desmoralizado com outro período do governo Conservador… Nosso trabalho produz a riqueza, que o governo da sociedade capitalista esbanja em armas de destruição nuclear, ou cortes de impostos para os super-ricos, em estocar comida em tempo de crescente pobreza e ao manter 5 milhões de pessoas desempregadas. De modo que, nos anos 80, com a sociedade se aproximando de uma encruzilhada, o programa socialista irá ganhar um significativo apoio. (8)

De volta a Wembley

Em setembro de 1983, apenas 4 meses depois da vitória de Thatcher, ao organizar outro comício em Wembley, Militant deu uma maravilhosa demonstração de que apesar de todos os ataques permanecia uma força poderosa e crescente. Quase 3 mil trabalhadores e jovens lotaram o Centro de Conferências de Wembley. No ano que transcorreu entre a Conferência do Movimento Trabalhista contra a caça-as-bruxas e este evento, o Militant podia agora dizer que “dois apoiadores do Militant falavam como MPs Trabalhistas.” Sentando ao lado deles na plataforma estava Derek Hatton, em breve um nome conhecido, que declarou que agora Liverpool poderia cumprir suas promessas de criar novos empregos e construir casas. Em nome do Corpo Editorial, lembrei à audiência que no ano anterior a direita Trabalhista começou o processo de expulsar os 5 membros do Corpo Editorial do Militant dizendo ‘corte a cabeça do Militant e o resto irá morrer’. Eles não fizeram a mesma ameaça de expulsão “a pessoas como Chapple [então líder do EETPU e atual presidente do TUC] por suas declarações anti-Partido Trabalhista.” Mas, a direita “apenas teve sucesso em nos expulsar de volta para o movimento.” Eu chamei a “todos que concordem com nossa política para se unir ao Militant na transformação do movimento trabalhista num poderoso corpo que pudesse transformar toda a sociedade.”

Outros oradores, inclusive o inspirador Anton Nilson, o lendário trabalhador sueco, que se tornou um piloto do Exército Vermelho durante a Revolução Russa. Dave Nellist falou, assim como Terry Fields que brincou “que estava pensando em aparecer disfarçado por causa dos perigos de ser associado ao Militant”. Ted Grant, representantes da juventude, e Micky Duffy da Associação dos Servidores Públicos da Irlanda do Norte (NIPSA) também falaram. Um dos eventos mais extraordinários do comício foi que £40,000 foram prometidos para o Fundo de Luta do Militant. (9)

Congresso do Partido Trabalhista

O sucesso do Militant era em si uma razão para a direita continuar pressionando para a expulsão dos membros do Corpo Editorial no Congresso do Partido Trabalhista em outubro de 1983 em Brighton. Contra o pano de fundo da enorme cobertura da imprensa e TV – que assumiu as proporções de um jogo de rugby fora do hall do congresso – os cinco de nós foram autorizados numa sessão fechada a apelar contra a decisão do NEC de recomendar sua expulsão. A ala direitista seria extraordinária e ridícula em sua tentativa de impedir que os cinco recebessem qualquer publicidade da imprensa. Eles foram conduzidos para trás da porta e pediram para que a deixassem a conferência da mesma forma, um pedido que não teve nem mesmo uma recusa educada. Um diretor do Partido atacou um cameramam de TV e bem conhecido comentarista na tentativa de impedir que fossemos filmados pela TV.

Obrigados a dar aos cinco uma fala por causa da ameaça de transgressão dos princípios de “justiça natural”, a sessão mostrou que a caça-as-bruxas foi uma farsa. Nenhum tribunal na terra permitiria primeiro a defesa de todos para declarar seu caso antes do prosseguimento já traçado na acusação. Mas esse foi precisamente o formato adotado para lidar com nossa expulsão. Nos foi permitido cinco minutos cada para fazer nosso “apelo”.

Previsivelmente os votos, que já tinham sido arranjados pelo direitista sindicato dos secretários gerais, foram pesadamente a favor da recomendação pela expulsão. Mas 80% dos delegados dos diretórios do Partido Trabalhista e um número considerável dos delegados das fileiras sindicais votaram contra a expulsão. Isso foi o mais extraordinário dado o fato que a conferência mostrou um poderoso impulso pela unidade.

A eleição de Neil Kinnock como o novo líder e Roy Hattersley como seu vice parecia para muitos pontuar um período mais favorável para o Trabalhismo. Enquanto havia um grande apoio a Kinnock, isso foi temperado com a determinação de parte dos delegados de não dividir o movimento. Uma atitude extremamente simpática foi mostrada nas sessões do congresso e em discussões privada com os editores e outros apoiadores do Militant. Com uma mistura de indignação e diversão a imprensa e a direita trabalhista viram o espetáculo dos cinco editores, um dia após sua expulsão, sentados no hall do congresso como representantes do Militant. Na euforia geral suscitada pela eleição de Kinnock, o Militant, praticamente sozinho, lançou uma nota crítica. Alertou sobre as futuras consequências da liderança de Kinnock. Este era a perfeita cortina de “esquerda”, atrás do qual a direita poderia iniciar a contra-revolução contra as conquistas de políticas e programa registradas no período de 1979 a 1982, o que aconteceria logo após as eleições. A re-escolha dos MPs trabalhistas seria desafiada pela direita. Todas as forças conservadoras no Partido Trabalhista – os homens e mulheres de postos, oportunistas, a burocracia partidária – procuravam por uma figura de proa para sua “contra-revolução”. Kinnock foi sondado por essa camada no período anterior da eleição e depois da energética campanha pela liderança. O apoio ele recebeu dos sindicatos da direita e da “esquerda” nominal. Kinnock tinha todos os atributos necessários exigidos pelos conservadores Trabalhistas, o extrato privilegiado dos MPs, vereadores e o resto. Ele ainda se dizia da esquerda, embora há muito tivesse se distanciado de Benn e votado pela expulsão do Corpo Editorial do Militant em fevereiro de 1983. A eleição de Roy Hattersley como líder do partido, ao invés de deputado líder, poderia ter complicado a tarefa de girar o eixo do movimento trabalhista para a direita. Hattersley, no Congresso do Partido Trabalhista dois anos depois, reconheceu publicamente isso quando disse que o partido escolheu corretamente quando elegeu Kinnock em 1983! Hattersley não é conhecido pela falsa modéstia!

1 Militant 650 13.5.83

2 ibid

3 Militant 568 8.7.83

4 Daily Post 18.5.83

5 Militant 655 17.6.83

6 Militant 656 24.6.83

7 ibid

8 Hansard, 8 July, 1983, reproduzido no Militant 659 15.7.83

9 Militant 667 16.9.83