A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994

A oposição socialista cresce

O governo Wilson se moveu mais à direita após o referendo do Mercado Comum. Isso o levou cada vez mais a um conflito com os membros normais do Partido Trabalhista, mas também com um setor crescente dos parlamentares trabalhistas. Nas páginas do Militant, Eddie Loyden, MP por Liverpool Garston, escreveu uma carta aberta à Harold Wilson:

Estamos retornando às condições dos anos 30. Na área de Merseyside temos uma taxa de desemprego de 10.6% – o dobro na média nacional. Esse é o resultado de um sistema baseado na anarquia e cobiça quando pequenos grupos de ricos controlam setores vitais da economia e podem tomar decisões afetando as vidas de milhões de trabalhadores. Nós chamamos pela adoção de políticas socialistas radicais pelo governo trabalhista. (1)

As mesmas demanda foram ecoadas na conferência do Partido Trabalhista em 1975. Militant reportou confiantemente “Políticas marxistas ganham apoio”. Isso era devido à dura experiência da classe trabalhadora britânica contra o pano de fundo da devastadora recessão mundial. Alguns famosos gigantes britânicos foram ameaçados com a falência. Face ao colapso da gigante de carros Chrysler, o governo deu a essa multinacional o ‘presente’ de £162.5 milhões de natal. Para os trabalhadores, o Natal significou 8 mil deles no olho da rua. Ao mesmo tempo, cortes que foram propostos nas ferrovias o que provocou demonstrações massivas dos ferroviários; numa demonstração em Londres em dezembro mais de 350 cópias do Militant foram vendidos.

Sintomático do período foi o fato de que o ano terminou com outra manifestação significativa organizado pelo LPYS em Liverpool. Os 3 mil que marcharam pela cidade foram saudados entusiasticamente pelos pedestres nas ruas. Ao fim da demonstração, uma reunião foi organizada em St. George’s Hall pelo MP Eric Heffer que falou pela posse pública para salvar os empregos. Ele exigia que: ‘Aqueles que querem dividir o movimento trabalhista (apoiados pela imprensa conservadora) precisam saber que não permitiremos a divisão, mas estaremos unidos com qualquer um que lute por políticas socialistas.’ Representando o Militant, apoiei a declaração de Eric e disse ainda

os membros dos Labour Party Young Socialists e do Partido Trabalhista que apóiam o Militant estão sendo acusados de ‘infiltração’, inclusive camaradas que deram anos, mesmo décadas ao partido. Mas os verdadeiros infiltrados são os Liberais e conservadores mascarados com o nome de socialistas. (2)

1975 representou um aumento, em influência e número, para as idéias do Militant. Os apoiadores organizados cresceram em 1975 de 517 no inicio do ano para 775 no final. Essa força, ainda relativamente pequena em números mas extremamente influente, com uma enorme camada de apoiadores gerais, foi objeto de uma investida consistente da ala direita do trabalhismo. Estes ataques começaram seriamente numa escala nacional em 1975.

O relatório de Underhill

O principal na campanha contra o Militant foi o Agente Nacional Trabalhista Reg Underhill. Em novembro de 1975 ele submeteu à executiva nacional do partido o esboço do que se tornou o infame ‘Relatório Underhill’, tratando das origens, políticas e atividades do Militant. Isso acompanhou o ataque do Observer contra nós em julho, que agora era seguido de novas ‘revelações’:

Os Young Socialists e seu delegado à executiva nacional, sr. Nick Bradley são associados estreitamente com [o Militant]; seus membros escrevem e vendem seu jornal… eles [os YS] são unânimes em oposição não apenas ao sr. Prentice, mas também a todo o establishment parlamentar. Paradoxalmente, seu jornal Esquerda, editado pelo sr. Bob Labi, é financiado pela Transport House. (3)

A ligação do Militant com o destino de Prentice e outros MPs ‘ameaçados’ revelou o real propósito da caça às bruxas. O distrito partidário de Newham North-East votou por 29 votos a 19 convidar Prentice a se retirar como MP na próxima eleição geral. Outros MPs, como Frank Tomney em Hammersmith, enfrentavam o mesmo tipo de contestação.

A direita dos PLP invocou a doutrina do ‘direito divino dos MPs’, conjurado ao mesmo tempo em que o ‘espectro Militant’. Sua ‘mão maligna’ parecia estar em todo o lugar.

Vozes sãs foram ouvidas emanando mesmo do grupo dos Parliamentary Labour Party. O MP Paul Rose, que enviou uma carta agradecendo o Militant por seu apoio e ajuda na eleição geral de 1974, escreveu no Daily Telegraph, argumentando que era errado

considerá-los [o Militant] como sinistros e alienígenas… ninguém pode criticar o grupo ‘Militant’ mais do que aos socialistas cristãos, owenistas, cooperativistas, fabianos e outros chamados moderados que ainda controlam esmagadoramente o território partidário. (4)

Underhill em baixa, mas não fora

Contudo, Reg Underhill e seus apoiadores não estavam todos convencidos dos argumentos de Rose. No sub-comitê de organização do NEC Underhill chamava para a tomada de ações. Ele foi respondido pelos MPs de esquerda Ian Mikardo e Eric Heffer. Mikardo declarou que havia

bons artigos no jornal deles – bom material no Militant. A evidência de Reg diz que eles são muito pequenos em número. Com 30 organizadores em tempo integral para apenas 800 membros isso não é muito bom.. (5)

Eric Heffer declarou:

Meu partido (em Walton) no passado andou com o grupo Deane (que iniciou um trabalho marxista em Liverpool antes da criação do Militant) mas isso não era nada com que se preocupar… O que tem de errado em vender o Tribune ou o Militant em vez do Labour Weekly… não reagir à pressão de fora por uma caça às bruxas… não empurrar os jovens para um gueto. (6)

Underhill exclamou dizendo que “todos os males foram feitos pela Socialist Labour League quando eles controlaram os Young Socialists.” Eric Heffer retrucou raivosamente: “Eles eram um bando de gângster. O Militant é totalmente diferente.”(7) O sub-comitê decidiu não proceder com a investigação de Underhill. O apoio de Mikardo a nós e à YS foi bem vinda, mas extremamente hesitante.

Dentro do Partido Trabalhista, e do governo trabalhista, sérias divisões tiveram lugar entre diferentes alas do movimento. Na primeira edição do Militant em 1976 um relatório da recente conferência do National Organisation of Labour Students (NOLS) mostrou até onde a burocracia da ala direita estava preparada a ir na tentativa de eliminar a influência do Militant.

De agora em diante, cada manobra, intriga e cada tipo de regulamento foram empregados para assegurar que o NOLS não seguisse o caminho dos Labour Party Young Socialists, e falharam sob a decisiva influência dos marxistas. Naturalmente, os oponentes do Militant não viram desta maneira. Abrimos a coluna para eles explicarem sua oposição à analise do jornal sobre a conferência. Mike Gapes, o recém-eleito presidente do NOLS, teve a oportunidade de atacar o Militant em nossas colunas. Ele afirmou que a conferência de fato “adotou políticas da ala esquerda em várias questões mas até agora nenhum informe destas decisões políticas apareceu no Militant e este tem insinuado que as idéias socialistas e marxistas foram rejeitas pela conferência. Isso é falso”. (8)

Militant – Fórum para o debate

Ele foi respondido por Glenys Bithell no mesmo número. Ela apontou que

os líderes da ‘diretoria de esquerda’ do NOLS [identificado com Gapes e seus apoiadores] nem uma vez levantaram a simples e efetiva demanda de ‘esquerda’ pela nacionalização do Chrysler.

Ela também apontou:

Os apoiadores do Militant no NOLS fizeram um recorde de protestos do que eles sentiram ser as mais baixas manobras contra eles na conferência do NOLS – e o camarada Gapes não convencerá ninguém de que tais manobras não ocorreram em base ao número de votos envolvidos. (9)

Gapes, um grande opositor do Militant, subseqüentemente se tornou um funcionário do Partido Trabalhista e depois um MP trabalhista. Mas o fato de que tenha aceitado um convite nas páginas do Militant demonstrava o sentimento geral de exaustivamente discutir as diferenças que existiam, pelo menos na esquerda, nesta etapa. O Militant tentou lidar de uma maneira firme mas escrupulosa com os argumentos de nossos oponentes. O jornal estava preparado para dar espaço em suas colunas para qualquer oponente ou grupo sério que quisesse confrontar ambas as idéias. A mesma licença nem sempre foi concedida aos apoiadores do Militant por nossos rivais.

Ao mesmo tempo, o Militant e seus apoiadores não eram tratados como parias mas como um componente importante e vital da esquerda. Tony Benn livremente falou e esboçou em escrito suas idéias nas páginas do Militant. Numa longa entrevista, na qual foi perguntado o que Benn pensava sobre o Militant, ele respondeu:

Eu leio o Militant toda semana. Penso que a imprensa de esquerda joga uma parte muito significativa entre o relativamente pequeno número de pessoas dentro do partido. Labour Weekly, Tribune, Militant e vários jornais locais de esquerda providenciam alguma análise… Penso que um monte de pessoas que não são associados diretamente com a tendência Militant, e não sou diretamente associado a ela, pode sentir que o que é escrito aí é digno de atenção pelo movimento. (10)

Emlyn Williams, líder dos mineiros de Gales do Sul, foi mais profundo que Tony Benn:

Eu gosto do Militant. Gosto muito. É refrescante. Relembra-me o modo como fazíamos as coisas quando eu era jovem. É um caso muito coerente em todos os aspectos do movimento trabalhista. Há um ou dois artigos que eu não gosto mas é obviamente algo para se discutir no movimento mesmo. (11)

Significativamente, quando o NUPE organizou uma campanha no Parlamento contra os cortes trabalhistas nos gastos públicos, o secretário geral do NUPE (agora dentro do UNISON), Alan Fisher, escreveu um artigo de primeira página no Militant, sob o título: ‘Fim dos cortes capitalistas agora!’ Ele pontuou que

em todo o país, os membros do NUPE enfrentam a possibilidade de pesados cortes nos gastos por seus empregadores. Os efeitos destes cortes são a ameaça do fechamento de hospitais, asilo e mesmo estações de ambulância… Apenas soluções socialistas esboçadas por meu sindicato e outros setores do movimento trabalhista pode providenciar uma solução para os problemas da falta de moradia, pobreza e privações…(12)

Junto com o aumento da posse pública para encampar os maiores monopólios, que crescentemente dominam a economia, podemos começar a construir uma sociedade socialista que tem sido o objetivo histórico de nosso movimento… Não queremos ver este governo rejeitado como os governos trabalhistas anteriores, como um monte de sucata de promessas insatisfeitas. É tempo de mudar o curso. (13)

Estas figuras líderes no movimento estavam preparadas para escrever, falar e defender o Militant na época em que a direita exigia que o jornal e seus apoiadores fossem expulsos do partido. Eles reconheciam que a exclusão do Militant do movimento trabalhista, especialmente do Partido Trabalhista, seria um enfraquecimento da esquerda como um todo. Eles não concordavam com todas as idéias do Militant, mas reconheciam a enorme contribuição feita por seus apoiadores em todos os níveis do movimento trabalhista.

Não foi acidental que o Militant tenha crescido na época. O força da ala direita do governo trabalhista foi indicada por Harold Wilson no inicio do ano quando ele previu que estavam indo para alguns ‘meses muito ruins à frente’ e para um ‘difícil 1976’.

Revolução Africana

Enquanto a revolução portuguesa passava por uma fase difícil, os seus efeitos foram diretamente refletidos na África. O colapso do regime de Caetano por sua vez levou impulsionou a revolução nas antigas colônias portuguesas de Angola e Moçambique. O que por sua vez deu um enorme ímpeto ao movimento no Zimbábue, forçando o imperialismo britânico a entrar em negociações com Mugabe e o Nkomo.

Estas vitórias, e a concessão da independência à antiga Rodésia, inspirou a nova geração na África do Sul que organizou a revolta de Soweto em 1976. O Militant deu total cobertura aos inspiradores eventos de junho e particularmente à Soweto. Marxistas sul-africanos escrevendo no Militant pontuaram o emergente poder dos trabalhadores negros:

Ainda a chave dos desdobramentos da África do Sul, se não de todo o continente, é a organização crescente da classe trabalhadora negra. O programa de industrialização capitalista tem criado trabalhadores industriais negros, com sua força numérica, sua concentração em reduzidas periferias em torno das grandes cidades, e portanto todas as pré-condições para a adoção de idéias socialistas. (14)

Foi nessa época que a liderança exilada do CNA desprezava a idéias de que os trabalhadores organizados seriam a coluna vertebral da luta de libertação.

Esta perspectiva estava para ser totalmente confirmada com a decisiva emergência dos trabalhadores sul-africanos e a criação da poderosa central sindical Cosatu nos anos 80. A África do Sul seria um constante tema nas análises e demandas do Militant nos anos subsequentes.

1 Militant 273 3.10.75

2 Militant 282 5.12.75

3 Observer 27.7.75

4 Daily Telegraph, “Lunatic Left And Legitimate Left”, Date Unknown

5 From The Notes Of Nick Bradley

6 ibid

7 ibid

8 Militant 290 6.2.76

9 ibid

10 Militant 297 26.3.76

11 Militant 308 11.6.76

12 Militant 330 12.11.76

13 ibid