Escola do CIT – no olho do furacão

Cerca de 360 representantes de mais de 30 países ao redor do mundo participaram na Escola de Verão do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) nos dias 24-29 de julho em Leuven, Bélgica. As discussões foram marcadas pelo desenvolvimento dramático das lutas dos trabalhadores e jovens nesse ano e a retomada da crise capitalista internacional. Além da Europa (Leste e Oeste), houve também participantes da Tunísia, Nigéria, Malásia, Índia, Hong Kong, Cazaquistão, Israel-Palestina, Líbano, Austrália, Bolívia, Venezuela, Brasil, EUA e Quebec (Canadá).

Cinco temas Foram debatidos em plenária: “as lutas e crise na Europa”, “revolução e “contrarevolução no mundo árabe”, “um informe especial sobre Grécia”, “a crise capitalista internacional e as relações entre os poderios imperialistas” e a “construção do CIT”. Também houve uma comemoração especial pelos 75 anos da Revolução Espanhola, marcada pelo levante revolucionário contra o golpe fascista de julho 1936.

Além disso houve 18 grupos de discussão divididos em quatro blocos que aprofundou a discussão sobre diferentes regiões e levantou temas como mulheres, LGBTT, juventude, sindical, meio ambiente, racismo, etc.

Um marco das discussões foi o fato de que não se tratava de discussões acadêmicas, mas sim um debate entre militantes que pessoalmente participam das lutas. As análises e trocas de ideias servem para fortalecer a construção de uma alternativa socialista.

A falta de uma alternativa socialista de massas é um tema em comum para todas essas lutas. Em muitos casos as lutas atuais já poderiam ameaçar a própria raiz das crises atuais, o sistema capitalista, mas a falta de uma alternativa faz com que os governos consigam se manter. Ou mesmo no caso em que governos caem, desde o mundo árabe até países como Irlanda ou Portugal, o regime capitalista ainda se mantém.

Por isso uma discussão importante é de como levantar dentro dos movimentos um programa e estratégia socialista, numa situação ainda marcada pelo retrocesso na consciência que vivemos desde a queda do stalinismo. Infelizmente, a maioria das novas formações de esquerda recuam da tarefa difícil, mas imprescindível de colocar uma alternativa coerente ao sistema capitalista para uma nova geração que entra na luta, justamente quando o sistema sofre a sua pior crise desde a segunda guerra mundial.

Grécia em revolta

Um dos melhores momentos da escola foi o informe sobre as lutas na Grécia. A Grécia é o país onde a crise capitalista na Europa é mais aguda, com enormes ataques contra os trabalhadores. Também é o país onde as lutas têm sido mais intensas. Desde o início do ano passado temos visto 11 greves gerais no país, sendo a última uma greve geral de 48 horas.

“Mas o fato é que as greves gerais não tem sido o aspecto mais importante das lutas na Grécia esse ano, e isso sem dizer que as greves gerais não foram muito importantes”, constatou Andros do Xekinima (CIT na Grécia). A direção sindical só tem chamado as greves gerais pela enorme pressão que vem de baixo, sem uma estratégia para a luta, já que eles apóiam o governo do PASOK (partido socialdemocrata), o que diminui o potencial delas.

Várias outras batalhas tem ocorrido. Por meses uma campanha de não pagamento de tarifas mobilizou dois milhões de pessoas contra o pagamento de pedágios, tarifas nos hospitais públicos e passagem nos transportes públicos. Por três meses os condutores de ônibus fizeram greve. Os trabalhadores terceirizados que trabalham para a cidade de Atenas ocuparam a câmara municipal. 300 imigrantes fizeram greve de fome contra deportações. Na pequena cidade Keratea os habitantes travaram uma luta durante 4 meses contra a construção de um aterro sanitário e conseguiram uma vitória parcial.

Também houve um importante movimento da juventude, inspirado nos “indignados” da Espanha. Como na Espanha havia um sentimento anti-partido e anti-sindical no início, devido ao papel que os partidos tradicionais jogam e também devido ao papel desmobilizador das direções nacionais dos sindicatos. Por outro lado havia uma grande procura por ideias e alternativas, e nenhuma confiança no capitalismo.

Devido as dificuldades de intervir naa assembleias das praças (as falas eram sorteadas e o tempo de fala era só 1,5 minuto!) era necessário uma intervenção sistemática, que levava dias. No final os companheiros do Xekinima conseguiram aprovar as principais bandeiras na praça Syntagma de Atenas: não pagamento da dívida, estatização dos bancos sob controle dos trabalhadores, etc..

Infelizmente, como na maioria dos outros países da Europa, a nova aliança de esquerda, Syriza, jogou um papel muito tímido. Na verdade o partido mal funciona após brigas internas entre duas figuras públicas. O partido também falhou em apresentar um programa socialista. Tudo isso levou a um retrocesso do partido, justamente quando uma alternativa era necessária. Devido ao impasse no partido, o Xekinima não faz mais parte organica, mas mantém boas relações com seus militantes.

Tunísia e Egito: uma segunda revolução é necessária!

Os informes dos militantes do CIT que interviram nas revoluções na Tunísia e no Egito, junto com os testemunhos de três jovens tunisianos que participaram da escola, também foi um dos melhores momentos. Como o CIT argumentou desde o início, é necessário desenvolver a luta para derrubar não só os ditadores, mas também o sistema por trás deles. Após a queda de Ben-Ali na Tunísia e Mubarak no Egito, a luta dos trabalhadores tem continuado, mas também as tentativas de impor uma contrarrevolução por parte dos antigos regimes, que em muito ainda permanecem no poder. Muitos falam da necessidade de uma “segunda revolução”.

Há um risco que parte da esquerda caia numa via institucional, fazendo acordos com partidos burgueses, ao invés de apostar na mobilização dos trabalhadores, dos novos sindicatos, da juventude, etc., colocando a necessidade de uma alternativa socialista.

Também foi colocado na discussão como parte da esquerda na Europa vacila em se opor aos ataques imperialistas contra a Líbia. O imperialismo não intervém para apoiar a revolução e o povo contra o ditador Gaddafi, mas para tentar conter a revolução, ganhar a parte mais burguesa da direção da revolta e assumir o controle do movimento. Em quanto os países imperialistas falam da necessidade de uma intervenção “humanitária”, não fizeram nada contra a intervenção militar da Arábia Saudita contra os protestos no Barein e nada contra o massacre atuais na Síria.

Repercussão internacional da primavera árabe

A revolução é contagiante. Numa situação de grande descontentamento popular, um verdadeiro exemplo de luta pode se espalhar rapidamente. O levante na Tunísia se espalhou rapidamente para Egito. O exemplo das vitórias nesses dois países incendiou toda a região. Mas também inspirou o movimento dos “indignados” na Espanha, que depois se espalhou para Grécia.

Agora vemos como os protestos chegaram também a Israel, com o “movimento das barracas”. Participantes de Israel na escola, judeus e árabes, deram exemplos de como a inflação e a falta de moradia acessível para jovens levou a esse movimento, onde milhares montaram barracas nas praças públicas. São centenas de milhares que agora participam das mobilizações. Isso vem após importantes greves, como os químicos do Haifa Chemicals e a greve dos assistentes sociais, além da constante luta contra a ocupação dos territórios palestinos e o racismo. Uma terceira intifada (“revolta”) pode explodir a qualquer momento nos territórios palestinos.

Mas mesmo nos EUA as mobilizações do mundo árabe inspirou a luta. No pequeno estado de Wisconsin centenas de milhares participaram nas mobilizações contra os ataques do governo estadual, que por exemplo, aboliu acordos coletivos com os sindicatos. Os companheiros do Alternativa Socialista fizeram uma intervenção importante, puxando o chamado por uma greve geral nas grandes mobilizações. Isso levou a um ataque na TV diretamente contra os companheiros do CIT por parte de um comentarista de direita.

Crise capitalista se aprofunda

A Escola de Verão ocorreu sob o pano de fundo do novo aprofundamento da crise capitalista internacional. Na Europa vemos como a crise das dívidas públicas continua, apesar dos novos pacotes. Os juros começaram a subir fortemente na Espanha e na Itália, ameaçando uma nova rodada de crises.

Vemos uma nova fase da crise que estourou em 2008. Naquele momento, os governos conseguiram estancar a crise com enormes pacotes de resgate do setor financeiro e certos estímulos da economia. Assim conseguiram evitar uma crise profunda e dramática no estilo dos anos 30. Mas a crise do setor financeiro privado se transformou em crise das dívidas públicas. E enquanto as medidas de estímulo se esgotam, o remédio contra a crise das dívidas que está sendo implementado é de cortes nos gastos públicos, atacando o poder de compra dos trabalhadores. Mas esse remédio está matando o paciente. Os EUA e a Europa estão perdendo fôlego e a economia ameaça entrar numa nova crise.

Um tema que foi debatido na escola é como essa crise ameaça todo o projeto da moeda comum da União Europeia, o euro. O CIT sempre argumentou que o projeto não é viável, já que os países tem uma força econômica muito desigual. Estamos vendo como fica cada vez mais difícil manter a moeda única com a crise. Antigamente países como Grécia podiam tentar escapar da crise com uma desvalorização da moeda (que os trabalhadores pagavam com inflação alta). Agora o único caminho é a “desvalorização interna” – reduzir os gastos atacando diretamente o padrão de vida dos trabalhadores.

China – um vulcão prestes entrar em erupção

A discussão sobre China foi enriquecida pela participação dos companheiros do CIT em Hong Kong, Ação Socialista. A China tem sido um fator importante na recuperação parcial da economia mundial nos últimos anos, mas o crescimento está se tornando cada vez mais inviável. Diante a crise o governo chinês lançou um grande pacote de estímulo e abriu as torneiras para o crédito fácil. Mas boa parte do crescimento dos últimos tempos tem sido no setor imobiliário, o que levou a uma enorme bolha especulativa. “Vemos possivelmente a maior bolha especulativa da história”, constatou Vincent Kolo, do Ação Socialista.

A China também sofre de uma alta na inflação. O governo está implementando medidas para esfriar a economia, algo que pode fazer o crescimento cair. Há países que dependem diretamente do crescimento chinês, como a Austrália e o Brasil, mas a economia mundial como um todo será afetada profundamente se o principal motor de crescimento no mundo começar falhar.

Os companheiros de Hong Kong deram importantes exemplos de lutas que ocorrem apesar da brutal repressão do governo, que teme que o exemplo dos levantes do mundo árabe se espalhem para a China. No ano passado ocorreram, segundo estimativas oficiais, 180 mil “incidentes de massa”, um eufemismo para protestos, greves, etc.. Em Hong Kong as manifestações pró-democracia e as vigílias em comemoração do massacre da Praça da Paz Celestial 1989 em Pequim, está chegando a juntar 100-200 mil pessoas.

Parlamentares a serviço das lutas

Da Irlanda contamos com a participação de três parlamentares que a seção irlandesa ganhou por causa do papel que o Partido Socialista jogou nas lutas nos últimos tempos. Paul Murphy assumiu o cargo como deputado do Parlamento Europeu, quando Joe Higgins esse ano foi reeleito ao parlamento irlandês, junto com Clare Daly, também do Partido Socialista e três outros da Aliança da Esquerda Unida, em que o PS faz parte.

Paul Murphy, da mesma maneira que Joe Higgins antes dele, tem utilizado a sua posição nesse parlamento que tem pouco poder, para apoiar lutas importantes. Recentemente ele fez uma visita ao Cazaquistão, onde milhares de petroleiros estão em greve por melhores condições de trabalho, tendo que enfrentar todo o aparato repressivo do regime de Nazarbayev. Eles lutam também contra o isolamento, por isso a visita de um eurodeputado foi importante para apoiar a luta. Paul enfatizou que todas as seções do CIT tem que fazer trabalho de solidariedade com essa importante luta.

A Irlanda é um dos países mais afetados pela crise. Infelizmente, o nível de lutas tem sido mais baixo do que em outros países após a traição da direção dos sindicatos no movimento contra o pacote de ataques do governo anterior. Mas o governo do tradicional principal partido da burguesia, Fianna Fail, acabou sofrendo uma grande derrota nas eleições no início desse ano. O novo governo do Fine Gail e do partido trabalhista segue com a mesma política de ataques aos trabalhadores.

Mas a resistência ao novo governo já está aumentando. Um nova proposta de imposto por domicílio (“Home Tax”), pode se tornar um importante foco de resistência. O imposto será o mesmo (100 euros) por família, independente da renda. O Partido Socialista jogou um papel fundamental em barrar a implementação de uma taxa de água semelhante, através de uma campanha de boicote, nos anos 90. Foi o sucesso dessa luta que levou a eleição do Joe Higgins a deputado pela primeira vez 1997.

Isso ocorreu num período em que a Irlanda crescia rapidamente. Agora o pano de fundo é uma crise aguda e o imposto é visto como algo muito injusto, já que pesa muito mais para famílias pobres e é irrisório para ricos. O Partido Socialista já antecipou que vai lançar uma nova campanha de boicote contra esse imposto. No dia que ele foi anunciado, recebemos a notícia durante a escola, que uma estação de rádio fez uma pesquisa, (não científica, mas dá uma indicação) entre os ouvintes e 83% disse que ia apoiar o boicote ao imposto proposto pelo PS!

Isso mostra como foi importante o fato de a esquerda agora tenha 5 parlamentares no parlamento irlandês, quando antes só havia Joe Higgins, para ajudar mostrar uma alternativa de luta e socialista.

Otimismo sobre a possibilidade de construiu uma alternativa socialista

É claro que a situação não é fácil em todos lugares. Em vários países a situação política ainda é bastante complicada para os socialistas, por diferentes razões. Mas em geral havia um otimismo sobre a possibilidade do CIT avançar nesse período. Em vário lugares conseguimos recrutar importantes líderes das lutas que ocorreram, como um líder dos condutores de ônibus de Atenas, ou um líder da greve do principal hospital alemão, La Charité.

A nova situação se abre para estabelecer novos grupos do CIT em novos países. Fincamos novamente a nossa bandeira na Espanha, que teve uma boa participação na escola. O nosso trabalho incipiente na Bolívia tem avançado bastante entre trabalhadores fabris em Cochabamba. Temos aberturas importantes na Tunísia e no Egito. Novas explosões de lutas abrem a possibilidade para novos avanços, como as lutas dos estudantes e mineiros no Chile.

Na Nigéria, os sindicatos recuaram da greve geral de três dias que foi convocada pelo aumento do salário mínimo, mas há uma pressão forte para que a luta seja retomada. Em um dos estados os líderes sindicais que defendiam a não realização da greve foram apedrejados e os trabalhadores saíram sem a direção.

Também as seções mais consolidadas podem avançar bastante nesse momento. Na Inglaterra e no País de Gales temos o maior número de militantes desde a queda do stalinismo. Além de um trabalho muito importante na construção de uma esquerda sindical, que jogou um papel fundamental para a realização da enorme manifestação de cerca de 700 mil trabalhadores no dia 26 de março e a importante greve do setor público do dia 30 de junho. Também vemos avanços no trabalho de juventude. No final do ano passado foram os jovens que primeiro tomaram as ruas contra os ataques do novo governo conservador-liberal. A campanha “Jovens na luta por emprego” iniciada por jovens membros do Partido Socialista (CIT na Inglaterra e País de Gales) está organizando uma marcha por emprego, 75 anos após a lendária marcha de 200 jovens desempregados que marcharam de Jarrow no norte da Inglaterra até Londres (480 quilômetros).

Um exemplo do otimismo e seriedade dos participantes da escola, perante as enormes tarefas colocadas, foi o resultado da coleta que tradicionalmente é organizada durante a escola. Esse dinheiro é fundamental para que o CIT tenha os recursos pra intervir em novos países e dar assistência aos grupos mais novos. Esse ano a coleta deu um total de 25 mil euros, mais do que o dobro do ano passado. 

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