Escola de verão do CIT: China na beira de uma explosão social
Militantes do CIT de mais de 30 países participaram da escola de verão do CIT na Bélgica. Além de companheiros de leste a oeste da Europa e Rússia, houve também participantes dos Estados Unidos, América Latina, Nigéria, Malásia, Hong Kong e Oriente Médio. Abaixo vem um resumo de como foi o grupo de discussão sobre China.
Introduzindo a discussão, Vincent Kolo de Hong Kong, chamou atenção para o significado crucial do desenvolvimento da China para o mundo e em especial para o CIT. O que acontece lá é de vital importância para o crescimento das economias do Brasil, Alemanha, Austrália, bem como da Ásia. Agora, o país está cambaleando na beira de um precipício econômico. Um recente relatório do FMI divulgou que a China está aumentando sua capacidade de originar choques mundiais.
A maioria dos companheiros que falaram no grupo e lidaram com a questão da economia chinesa concordaram que esta está a caminho de uma quebra. Vincent descreveu como o modelo de economia chinesa é “inerentemente instável” baseada na “maior sobre-capacidade de produção e maior sobre-investimento que já foi visto na história”.
Isso foi severamente ilustrado por um vídeo mostrado no início da comissão. Uma equipe de reportagem visitou uma de muitas novas cidades alastradas e praticamente vazias que surgiram em toda China, com seu igualmente vazio shopping, apelidado de “Não-tão-grande Shopping da China”. Vincent descreveu como havia 65 milhões de apartamentos vazios na China, suficientes pra abrigar 200 milhões de pessoas. Embora vazios, a maioria já haviam sido comprados. Contudo, os donos na maioria das vezes, eram especuladores esperando pra lucrar no futuro, aumentando o preço dos imóveis e revendendo pra outros proprietários. Diferentes níveis do Estado estão jogando lenha nessa fogueira.
Grande parte dos gigantescos pacotes de estímulos injetados na economia, no rastro da crise econômica mundial de 2008, e dos recursos levantados de forma de empréstimos por empresas estatais, foram investidos em propriedades de maneira especulativa, aumentando as contradições da economia chinesa. Isso pode ter adiado a crise, mas não a superado.
Outro aspecto importante dessa bolha imobiliária é o desenvolvimento da infraestrutura para fins de especulação. Vincent disse que grande parte da receita dos governos locais é derivada da venda de terras. Empréstimos do governo central foram implantados em infraestrutura, como estradas, projetos de trem-bala, aeroportos, e assim por diante, pra elevar o preço da terra que é melhorada por esses projetos. Essa terra é então vendida por um preço muito maior, agravando a inflação da bolha. O Ministério de Ferrovias tem sozinho uma dívida equivalente a 4% do PIB, que eles já admitiram que nunca vai ser paga só pela receita gerada na venda de bilhetes de trem, que seria muito cara pra todos, somente os ricos poderão comprar.
Uma maciça polarização da sociedade tem andado de mãos dadas com o crescimento desgovernado da China. Vincent descreveu como de vinte anos pra cá tem sido visto um redistribuição massiva de salários para o capital como proporção do PIB. Ele descreve essas políticas como neoliberais porque, apesar de um grande crescimento do PIB, a classe trabalhadora não ganhou nada com isso. Existem agora 960 mil milionários com renda disponível de mais de 1 milhão e 300 mil dólares. A companheira Sally, do “Ação Socialista” (CIT em Hong Kong), nos alertou para o fato de que apesar de ter riquezas pra alguns, só em Hong Kong 100 mil pessoas vivem em espaços suficientes pra metade de uma beliche e 320 mil, padecem esperando nas lista de espera por habitação pública.
A ditadura na China está incapaz de calar os clamores populares. Com medo das massas, eles reforçaram significativamente o aparato de segurança do Estado nos últimos anos. O exemplo revolucionário do Oriente Médio os aterrorizou. Os 80 milhões de membros do partido comunista fornecem uma certa base de apoio, mas não é uma organização homogênea. Muitos recentes recrutas incluem de estudantes a empresários, e em todos os níveis do partido membros estão engajados em empresas privadas. Mesmo no mais alto posto da liderança há opiniões divididas sobre que rumo a China deve tomar.
Uma situação revolucionária, ou pelo menos pré-revolucionária, poderá se desenvolver em um curto período de tempo. “China está na beira de uma explosão”, disse Clare Doyle do Secretariado Internacional. O potencial de revolta contra o regime foi ilustrado por uma indignação coletiva, na batida do trem de alta velocidade em Wenzhou, matando 40 pessoas e ferindo 191. Houve relatos da imprensa, de chineses que se recusavam a aceitar as mentiras do governo, dizendo que um relâmpago havia provocado o acidente, por exemplo. O Twitter está cheio de desafios contra a versão oficial do ocorrido. A massa está claramente desconfiada do governo.
Funcionários do estado da província de Zhejiang tomaram uma medida sem precedentes de permitir uma procissão à luz de velas pra homenagear as vítimas. Eles têm feito isso na tentativa de tentar se livrar da culpa e desviar o ódio das pessoas pra Pequim. A alternativa foi esse meio de protesto desenvolvendo de baixo de qualquer maneira.
Os membros do CIT fizeram parte de uma manifestação em Hong Kong depois do acidente. Nós levantamos palavras de ordem como: “Toda solidariedade às vítimas”, “Não às construções de tofu!” (uma descrição comum dos projetos fajutos de infraestrutura empreendidos nos últimos anos) e “A ferrovia do povo foi sequestrada pelos governos e pelos capitalistas”.
Os protestos após o acidente se somam ao número crescente de protestos. No ano passado houve 180 mil “incidentes de massa” (palavra usada pelos burocratas para descrever protestos) – o dobro da quantidade ocorrida em 2006, e nove vezes maior que em 1994. A ideia apresentada por alguns comentaristas, que a China está mais estável que outros países devido a esse rápido crescimento, é enganosa. O aumento da repressão do Estado para tentar conter a agitação social foi notado, também o crescente impacto sofrido pela esquerda, incluindo simpatizantes do CIT. Hong Kong é a única parte da China que nós podemos dialogar abertamente com a população, mas o que temos feito já é animador. Os companheiros do CIT têm que se preparar pra choques pré-revolucionários que vão atingir a China num futuro bem próximo.
A questão das relações exteriores da China – imperialistas, ou não – foi levantada por Meurig da Alemanha, que também falou sobre a maneira com a qual o Estado Japonês conseguiu historicamente abrandar a desigualdade salarial entre classes. Pete Dickenson, da Inglaterra, falou sobre a possibilidade do regime eliminar as dívidas administrativamente e alugar as moradias vazias com preços acessíveis. “A China não é governada pelas regras do sistema capitalista” ,ele disse. Uma companheira da ex-URSS apontou para as diferenças de como as coisas se desenvolveram quando a União Soviética entrou em colapso. O partido comunista foi banido num instante, e o capitalismo foi reintroduzido rapidamente, mas com imenso dano a população e a economia.
Pra onde vai China
Peter Taaffe do Secretariado Internacional respondeu a discussão. Ele descreveu como a maneira desajeitada do regime em tratar o acidente de trem em Wenzhou expôs os rachas e divisões do partido comunista. Uma crítica aberta vinda de um jornal do governo foi inédito, indicando uma quebra na fachada do governo. Já existe uma briga feroz dentro do partido “comunista”, que pode rachar com o desenvolver da crise.
“Quão longe a China já caminhou em direção de um capitalismo estável?” e “Quanto tempo o regime pode sobreviver?” Essas foram as duas das mais importantes perguntas que Peter fez. Tudo depende do contexto dos acontecimentos e, em particular, do desenvolvimento econômico. A avaliação correta desses processos dependem de uma análise correta do governo chinês. “A extensão do controle do Estado determina a margem de manobra do regime chinês… Se não tivermos um entendimento teórico claro desses processos, podemos cometer erros”. Peter argumentou que a China deveria ser caracterizada como um regime de um Estado capitalista com características únicas. Isso não deve ser confundido com o uso de Tony Cliff do termo de “capitalismo de Estado” que foi usado pra descrever a ex-URSS e o Leste Europeu. O CIT descreveu os dois de forma diferente – como estados de trabalhadores deformados. Por causa do seu erro, Cliff foi incapaz de explicar a restauração do capitalismo em 1991, e muito menos os principais novos aspectos que esse deu à situação mundial.
O desenvolvimento não se dá em linha reta. É possível, sob pressão, haver passos pra trás, embora nem voltar o caminho todo até a economia estatal planificada. Referindo-se aos dados fornecidos por um dos camaradas chineses, Peter citou um relatório da fundação Heritage para o terceiro trimestre de 2010, que indicou um aumento no setor estatal para 57% em comparação com 44% anteriormente.
As perspectivas para o estabelecimento de um regime burguês “normal” na China têm que ser examinadas. Nessa situação contraditória vai ser difícil inaugurar um período de democracia, mas diante de movimentos de massa o regime pode sem dúvidas fazer concessões. Não há como a questão geral de democracia não ser colocada. Não está descartada a possibilidade de se instaurar um período de democracia instável – instável porque tal concessão seria repleta de dificuldades para o regime.
As massas utilizariam direitos democráticos – liberdade de imprensa, de se organizar, etc., para aspirar pelos interesses de sua própria classe. A luta dos trabalhadores e camponeses pobres se desenvolveria em um novo patamar em tal situação. Concessões sobre essas questões poderiam abrir fissuras no regime e no próprio Estado. Até mesmo a questão do desmembramento da China seria colocada em pauta, tendo em conta as questões regionais e nacionais não resolvidas. Um reforço da presente ditadura não pode garantir a sobrevivência do regime atual e não há perspectiva de uma democracia capitalista estável de longa duração.
O atual PIB per capita na China é de 5 mil dólares – aproximadamente equivalente ao de Angola. O potencial de crescimento ainda é enorme. Mas a única maneira de as grandes desigualdades e conflitos na sociedade chinesa serem superados é na base da genuína democracia dos trabalhadores, envolvendo o controle do Estado e da economia estatal sendo regulada pela poderosa classe trabalhadora e rural, no país mais populoso do mundo.