Construindo clareza política renovada e unidade na ação
De 21 a 26 de novembro, a Alternativa Socialista Internacional realizou seu 14º congresso mundial. Na cidade de Kiel, na Alemanha – local do motim dos marinheiros em 1918, que deu início à Revolução Alemã e encerrou a Primeira Guerra Mundial – delegados, delegadas e visitantes de todo o mundo se reuniram para discutir a análise, o programa e a estratégia necessários para a construção de um movimento marxista revolucionário nos dias de hoje.
A reunião ocorreu em um cenário de turbulência internacional para o sistema capitalista. O período de preparação para o congresso em si foi uma prova disso, com a vitória decisiva de Trump nas eleições, o colapso do governo alemão e uma nova crise de mísseis que levou a guerra da Ucrânia a uma escalada ainda maior. A conferência COP29 no Azerbaijão, que coincidiu com o nosso Congresso Mundial, também ilustrou como a rivalidade interimperialista e a instabilidade econômica e política predominam enquanto nosso planeta arde.
Essa turbulência global levou a uma série de desafios, debates e crises na esquerda, inclusive dentro de nossa própria organização. Aprender com esses debates e fortalecer nosso trabalho por meio dessas lições foi uma característica fundamental desse congresso.
Conflito interimperialista
Desenvolver a análise da Alternativa Socialista Internacional sobre o mundo em que vivemos tem sido o foco principal de nosso trabalho desde o início desta nova época. É somente com base em uma compreensão bem definida do mundo que podemos traçar um caminho igualmente claro para a luta da classe trabalhadora. Nossas perspectivas embasam nossas táticas, prioridades e o programa que apresentamos em um determinado período.
Nos últimos anos, a Alternativa Socialista Internacional elaborou detalhadamente a dinâmica do crescente conflito interimperialista entre o imperialismo chinês e seus aliados e o bloco rival dominado pelos EUA. A maioria dos grupos de esquerda não conseguiu compreender a importância desse conflito e o novo estágio que ele representa para o capitalismo mundial. Enquanto alguns ficaram desorientados com a ideia de uma ordem mundial “multipolar” ou não reconheceram a natureza imperialista dos regimes chinês ou russo, nós explicamos a natureza “bipolar” e imperialista desse conflito e apresentamos uma abordagem independente da classe trabalhadora e internacionalista em oposição a ele.
A discussão de abertura sobre as Perspectivas Mundiais destacou as maneiras pelas quais o conflito interimperialista entre os dois principais blocos do mundo só se intensificou ainda mais desde o nosso Congresso Mundial de 2023. Isso pode ser visto na guerra genocida em Gaza, que tem se transformado em uma guerra regional em todo o Oriente Médio, bem como na guerra na Ucrânia, que continuou a aumentar com o uso de mísseis de longo alcance britânicos e estadunidenses, enquanto milhares de tropas norte-coreanas entravam no conflito.
O congresso delineou e reafirmou o entendimento da ASI sobre uma nova época caracterizada por esse conflito de blocos imperialistas. O congresso também analisou o cenário econômico desse conflito: o crescimento lento da economia mundial, arrastado por níveis enormes de dívida e ainda mais prejudicado pelo protecionismo e pelas guerras comerciais.
Foi dado enfoque especial à crise do capitalismo chinês, em que a economia endividada entrou em um período de estagnação e declínio, que descrevemos anteriormente como “japonificação” (em referência à longa crise deflacionária do Japão). Isso terá um efeito profundo sobre o restante da economia mundial, que não poderá contar com o crescimento alimentado pela dívida chinesa para escapar de futuras recessões econômicas, como aconteceu após a “Grande Recessão” de 2008.
Esses processos aprofundam ainda mais a crise e a polarização da política capitalista, como demonstrado de forma dramática pelo retorno de Donald Trump à Casa Branca, cuja abordagem agressiva em relação à China e as ameaças de grandes tarifas, por sua vez, semearão mais conflitos e crises econômicas.
Nesse novo período de crise e instabilidade, a classe dominante foi forçada a recorrer ao nacionalismo, ao ódio contra os imigrantes, à repressão estatal, ao reforço dos papéis “tradicionais” de gênero e aos ataques aos direitos democráticos. O governo de direita da Itália aprovou novas rodadas de restrições ao direito de protestar, enquanto na Grã-Bretanha dezenas de ativistas do clima estão em celas de prisão. Na era atual, os métodos bonapartistas de “governar pela espada” e todas as características mais desagradáveis desse sistema vêm cada vez mais à tona.
Lutando contra a direita e construindo uma nova esquerda
Uma dessas características tem sido a ascensão da direita, que obteve vitórias eleitorais ou obteve ganhos em vários países, desde os EUA até a Alemanha, Argentina, Índia, Romênia e outros. Em muitos casos, essas vitórias representam um rechaço contra o establishment capitalista, mas junto com isso há um endurecimento perigoso das ideias de direita entre alguns setores da sociedade, refletido na base de apoio a figuras como Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil. Nesse sentido, há uma diferença entre a vitória eleitoral de Trump em 2016 e em 2024, com a última refletindo um deslocamento mais perigoso para a direita. Analisar e compreender essas tendências e como podemos combatê-las foi um tema abordado durante toda a semana, incluindo uma comissão sobre a luta contra a direita, além de analisar nossas perspectivas mais amplas.
A ascensão da direita ocorre no contexto da fraqueza contínua da esquerda e do movimento sindical, que ainda está nos estágios iniciais de recuperação após décadas de neoliberalismo e o colapso do stalinismo. Muitos jovens estão tirando conclusões anticapitalistas radicais, identificando-se com as ideias do socialismo e do comunismo, e um setor ainda mais amplo da sociedade está disposto a sair às ruas para protestar – como visto no movimento contra a guerra genocida em Gaza, bem como a enorme manifestação de solidariedade contra a extrema direita na onda de tumultos no Reino Unido em agosto.
Ao mesmo tempo, a falta de direção, de estratégia clara e as ideias confusas nos movimentos muitas vezes limitaram sua capacidade de obter vitórias concretas e apontar um caminho a seguir contra as falsas promessas dos políticos de direita. Apesar de muitos movimentos de massas terem ocorridos desde a crise financeira de 2008, muitas vezes encontrando expressão em novas formações de esquerda, a classe trabalhadora ainda não obteve uma vitória decisiva contra a classe dominante, permitindo que a reação ganhasse vantagem no período recente. No entanto, as forças de direita em ascensão que incorporam a decadência desse sistema também não conseguiram derrotar decisivamente as massas trabalhadoras. Para sair desse impasse relativo e virar a maré contra a direita, será necessária a reconstrução de organizações poderosas da classe trabalhadora, com base nas lições das lutas recentes.
Movimento sindical e de trabalhadores
O congresso discutiu a reafirmação contínua do movimento sindical internacionalmente, como a onda de sindicalização e ação de trabalhadores nos EUA, o impacto da onda de greves de 2022-23 na Grã-Bretanha e outras lutas na Alemanha, Argentina, Índia e em outros lugares. Uma comissão especial sobre nosso trabalho no movimento sindical destacou o aumento da disposição dos trabalhadores para lutar em muitos países e rejeitar acordos ruins apresentados por líderes sindicais burocráticos.
O avanço da luta sindical nos EUA foi um foco importante de várias discussões. Os trabalhadores da Boeing conquistaram um aumento salarial de 38% neste outono, depois de rejeitarem um acordo negociado pela direção do sindicato. Por sua vez, alguns sindicatos viram surgir novos líderes sindicais de esquerda, com base em um setor mais militante de membros e líderes sindicais, uma tendência que também se reflete nos dois maiores sindicatos da Grã-Bretanha. Ao mesmo tempo, novos grupos de oposição de base cresceram entre algumas categorias de trabalhadores, como no sindicato de carteiros dos EUA, onde a Socialist Alternative desempenhou um papel importante. A disposição de agir no local de trabalho se mistura com o apoio a figuras como Donald Trump, proporcionando novos desafios para os socialistas nos sindicatos.
Os/as delegados/as e visitantes discutiram nosso papel nos sindicatos e como nos relacionamos com esses acontecimentos, incluindo a construção de uma base de apoio para os marxistas nos locais de trabalho e entre os trabalhadores de base, bem como a tarefa de transformar os sindicatos em organizações de luta da classe trabalhadora.
Oriente Médio
O movimento de massas contra o ataque genocida em Gaza e a escalada mais ampla da guerra no Oriente Médio é um dos teatros de conflito mais significativos do mundo e levou ao maior movimento internacional de massas dos últimos anos. A Alternativa Socialista Internacional se voltou para esse movimento no último ano, juntando-se a manifestações maciças em todo o mundo, bem como a acampamentos de estudantes, e levantando o apelo para a ação de trabalhadores contra a guerra nos sindicatos.
Uma comissão sobre a situação no Oriente Médio, o movimento antiguerra e nossas intervenções discutiu como podemos levar esse trabalho adiante no próximo período, bem como o trabalho de nossa seção em Israel/Palestina, que está em campo lutando por mudanças socialistas e pelo fim do massacre.
Programa de transição
Uma parte crucial do congresso foi a reafirmação clara e o aprimoramento de nossa compreensão do método de conectar as lutas atuais com a necessidade de transformação socialista da sociedade, conforme descrito no Programa de Transição de Trotsky. As discussões na ASI durante o último período destacaram a importância de uma compreensão nítida de um método de transição para a apresentação de uma abordagem marxista e revolucionária clara para o avanço das lutas dos trabalhadores, dos jovens e de pessoas oprimidas. Para isso, os socialistas devem estar preparados para intervir corajosamente em lutas mais amplas e, ao mesmo tempo, demarcar claramente nosso próprio perfil e estratégia para convencer uma camada mais ampla de um programa marxista.
Como os camaradas apontaram, nosso programa está enraizado em nossa compreensão da “situação objetiva” – os desenvolvimentos mais amplos na organização da classe trabalhadora, a economia, o contexto político etc. Embora a maneira como levantamos nossas reivindicações deva se basear nas lutas e reivindicações da classe trabalhadora e das pessoas oprimidas de hoje, nosso programa é “científico”, fundamentado em uma análise concreta do que é necessário no período atual, e não baseado meramente nas ideias que são populares em um determinado momento. Mais material será produzido no próximo período, analisando a importância de um programa de transição e desenvolvendo esse programa para os movimentos de hoje.
Uma abordagem marxista para o combate às opressões
Outra característica que permeou o nosso congresso e muitas das discussões e debates na ASI foi a nossa compreensão da luta contra todas as formas de opressão. Foi acordado que devemos continuar a aprofundar nossa compreensão marxista da opressão de gênero, inclusive sobre a luta pela libertação trans, como parte de uma sessão dedicada ao feminismo socialista.
Importantes lutas pela autonomia corporal e contra a violência de gênero ocorreram em todo o mundo, incluindo greves e protestos em massa na Índia após o estupro e o assassinato de uma jovem médica, protestos de milhares de pessoas no Quênia contra o feminicídio e protestos feministas em massa na Argentina contra o governo reacionário de Milei. Mas agora, a onda feminista também se vê confrontada com uma reação da direita. Nesse contexto, uma abordagem feminista socialista clara para a luta é mais essencial do que nunca.
Nesse contexto, o congresso discutiu a preparação para o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 2025, enquanto preparamos uma campanha internacional que inclui declarações e materiais conjuntos para construir uma luta feminista socialista contra a reação da direita contra a opressão das mulheres e pessoas LGBTQIA+.
No entanto, o feminismo socialista também é apenas um pilar de nosso programa socialista revolucionário para acabar com todas as formas de opressão enraizadas nesse sistema, que é uma parte crucial e integrada de nosso programa mais amplo. A necessidade de aprofundar nossa compreensão da opressão racial, como parte da preparação para as lutas deste período, também foi destacada.
Também discutimos como podemos fortalecer a luta da ASI contra a opressão na prática. A proteção dentro do nosso movimento tem sido uma parte importante das discussões na ASI no último período, e ter uma abordagem forte para a luta contra todas as manifestações de opressão dentro do movimento sindical e socialista, como parte da nossa luta para unir a classe trabalhadora em toda a sua diversidade, é uma prioridade crucial para nós. Isso envolve a elaboração de um balanço desse trabalho, incluindo a identificação de erros e o esforço para melhorar nossa prática, o que foi uma tarefa fundamental para este Congresso Mundial. Como resultado dessas discussões, o congresso aprovou várias atualizações importantes do nosso código de conduta internacional e elegeu uma nova equipe de encarregadas/os de proteção para lidar com essa área de trabalho.
Construindo uma internacional revolucionária
Ao sair do Congresso Mundial, a ASI trabalhará incansavelmente para fortalecer suas seções em todo o mundo, bem como sua integração como parte de uma organização genuinamente internacional, lutando por um mundo socialista. Concordamos em aprofundar a coordenação em torno da campanha contra o militarismo no contexto da escalada do conflito entre os blocos imperialistas e em dar continuidade ao importante trabalho da nossa Campanha de Solidariedade à Nigéria. Um novo Comitê Internacional (que dirige a ASI entre os Congressos Mundiais) também foi eleito, incorporando uma nova geração de líderes.
Uma prioridade crucial para nós será o aprimoramento de nossa compreensão marxista dos eventos mundiais e dos métodos necessários para mudar a sociedade. Isso inclui o relançamento de nossa revista política internacional, bem como a continuidade das discussões no próximo ano. Esse congresso foi, em muitos aspectos, a “primeira parte” de um processo mais amplo de discussão, incluindo eventos internacionais em 2025 e outro congresso mundial nos meados de 2026. A partir dessas discussões, lutamos por uma clareza e unidade políticas renovadas, com base em discussões abertas, claras e democráticas em todos os níveis da nossa organização. Parte desse processo será a elaboração e o acordo de um programa internacional para a era atual, com base nas principais tarefas que os revolucionários e as massas trabalhadoras enfrentam como um todo.
Nossas forças são muito aquém do necessário para lutar pela mudança revolucionária de que precisamos. No entanto, com base em um entendimento e uma abordagem claros e comuns, estamos confiantes de que podemos dar novos passos à medida que a classe trabalhadora se reergue diante desta nova era de crise e guerra imperialista.
Publicaremos mais materiais e relatórios no momento oportuno. Se você quiser ajudar a construir uma força revolucionária internacional contra a crise capitalista, a guerra e a opressão, por que não se juntar a nós!