Natal: das urnas para as ruas

As eleições em Natal combinaram mais do mesmo com um avanço da esquerda no parlamento e uma boa perspectiva para lutas no próximo período.

As eleições municipais são comumente marcadas por uma guerra entre as legendas com discussões despolitizadas e promessas vazias. Ganha-se voto fomentando ilusões na população. Esse ano, em Natal, não foi diferente, tendo como resultado final a vitória de Carlos Eduardo (PDT) para prefeito, e de vereadores como Felipe Alvers (PMDB), anunciando o continuísmo da velha política das oligarquias. Além disso, foram eleitos também vereadores condenados pela Operação Impacto (venda de voto para aprovar a construção de edifícios no plano Diretor de Natal): Julio Protasio (PSB), Adão Eridan (PR) e Aquino Neto (PV).

Esse cenário não é surpresa diante da ausência de um debate real sobre os projetos políticos para a cidade e da desigualdade entre os competidores, com financiamento de grandes empresários e das famílias importantes da cidade para apoiar as figuras que irão sustentar seus interesses à revelia dos interesses da população.

No entanto, essa eleição municipal mostrou também um avanço inquestionável da esquerda natalense. A Frente Ampla de Esquerda (PSOL, PSTU e independentes) teve como candidato a prefeito Robério Paulino, professor da UFRN e militante da LSR, e conseguiu construir uma campanha politicamente vitoriosa e exemplar. Tivemos 13.552 votos, 3,57% dos votos válidos, um resultado bastante expressivo para uma candidatura até então desconhecida na cidade.

Além disso, a Frente elegeu três vereadores: Sandro Pimentel (PSOL), Marcos da Petrobrás (PSOL) e a professora Amanda Gurgel (PSTU), a vereadora mais votada da história da cidade, com mais de 32 mil votos. Esse resultado muda a configuração e o ambiente político da Câmara Municipal, que nunca mais será a mesma, pois terá mandatos realmente comprometidos com as causas populares, prontos a denunciar qualquer falcatrua.

Popularisando o socialismo

Para além do resultado expresso numericamente, fazemos um balanço positivo pelo aspecto educativo que a campanha trouxe para a cidade. A Frente Ampla de Esquerda foi a única que denunciou a velha política e as oligarquias do Estado, e foi quem pautou a questão do financiamento privado de campanha, constantemente explicando que “empresa não faz doação, empresa faz investimento”.

Denunciamos insistentemente a privatização da cidade, especialmente na saúde e da educação, defendendo a educação e a saúde públicas de qualidade, obrigando os demais candidatos a se posicionarem claramente sobre a privatização das UPAs. Fomos de longe quem mais discutiu e denunciou a precariedade do esgotamento sanitário em Natal. Por isso, conquistamos o respeito de tantos no movimento sindical e dos servidores.

A campanha tocou em assuntos importantes e delicados por enfrentar interesses dos empresários, como quando se posicionou contrariamente à construção de mais hotéis na Via Costeira e defendeu a construção de um Centro Cultural. Também denunciamos a concepção de cidade voltada para o automóvel como um modelo equivocado, irracional e anti-ambiental. Apresentamos como contraproposta o investimento no transporte público e em mais ciclovias.

Fomos os únicos que não trocamos nosso programa socialista e classista por votos, e por isso tivemos coragem de também debater temas polêmicos como a diversidade sexual e a legalização do aborto.

Com o slogan “Por uma Natal para quem nela vive e trabalha”, denunciamos essa cidade segregada, que se apresenta com uma fachada para o turismo e os ricos da cidade, incluindo as obras voltadas para a Copa, e ao mesmo tempo esconde a cidade real, marcada pela precariedade dos serviços para a população trabalhadora.

Dessa forma, nós da LSR temos clareza que a campanha cumpriu um papel fundamental na cidade, mas também foi uma campanha exemplar para o PSOL, por mostrar que tipo de crescimento e fortalecimento do partido defendemos. É possível fazer uma campanha classista, coerente e combativa sem aceitar financiamento de empresas, sem fazer coligações com partidos que não defendem os interesses da população e sem rebaixar o programa.

Essa campanha não se esgota no período eleitoral e não pode ser traduzida apenas na quantidade de votos. Veremos os desdobramentos disso no próximo período.

Para além das urnas: abre-se um novo turno das lutas

“Nossos sonhos não cabem nas urnas” foi uma frase recorrente durante a campanha. Aproveitamos o momento das eleições para falar da importância da organização para a luta nas ruas.

Ano passado foi um ano significativo para a cidade de Natal, o ano do #ForaMicarla, a luta contra a prefeita que mobilizou a juventude. Mas não foi essa a única luta: greve no transporte, na saúde, na educação, segurança, entre outras categorias que se organizaram para lutar por aquilo que é direito. Esse ano as lutas continuaram. Pouco a pouco a cidade desperta, mas faz-se necessário superar a fragmentação, e esses setores que estão tirando conclusões, indo às ruas, protagonizando movimentos, precisam estar organizados, articulados, unidos para avançar nessa luta que é muito mais ampla, a luta por um outro sistema econômico e político, a luta por uma outra sociedade.

Acreditamos que é necessário construir ferramentas capazes de aglutinar essas pessoas, de diferentes realidades e experiências. A campanha eleitoral teve um aspecto particular que foi aproximar pessoas que estão ativas nas lutas que ocorrem na cidade, mas que também estão desiludidas com a política e os partidos, e que viram na candidatura de Robério uma proposta diferente, de algo de fato coletivo e construído de forma democrática.

Em nossa proposta também trouxemos a preocupação de apresentar outra prática e moral em nossa esquerda, alinhada com os princípios da LSR. Sem esconder as diferenças, buscamos mostrar que é possível fazer a luta política sem transformar isso numa guerra autofágica dentro das fileiras socialistas. Com essa postura esperamos que com o tempo, na luta cotidiana, possamos nos reaproximar de companheiras e companheiros que ainda relutam em se aproximar em razão da forma autofágica e sectária em que são feitas as disputas no interior da esquerda.

O próximo período será de lutas, como deixa clara a reeleição de Carlos Eduardo Alves que, na gestão passada, aumentou a passagem de ônibus quatro vezes. Também lutaremos contra a falta de democracia aguda na UFRN, o contínuo descaso com a saúde e a educação pública e também contra a política para os megaeventos que provoca desapropriações e acentuação do modelo de cidade voltada para o turismo predatório.

Parte desse grupo reunido durante a campanha continua se organizando agora na forma de um Coletivo, com perspectivas de integrar mais pessoas que estiveram na campanha e outras que podem vir a se somar. Também construímos, como novos militantes recrutados na campanha, uma base organizada da LSR em Natal, mais um passo para a consolidação da corrente no Nordeste. 

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