14N – o dia em que a Europa parou
No dia 14 de novembro parte da Europa amanheceu efervescente. Esta foi uma das maiores greve simultânea em diversos países da história. Milhares de pessoas tomaram as ruas, operários pararam suas fábricas, servidores públicos de diversos setores se negaram a trabalhar, o transporte público parou, ocorreram marchas de professores e estudantes. Trabalhadores e trabalhadoras cruzam os braços contra o desemprego e os pacotes de austeridade. Ocorreu greve geral na Espanha e Portugal, greves parciais na França, Grécia e Itália e diversas manifestações e paralisações de solidariedade em 23 dos 27 países da União Europeia. O dia em que a Europa parou!
No entanto, uma greve internacional como a deste dia histórico é inédita e representa um passo importante para a ampliação das lutas coordenadas da classe trabalhadora de diversos países.
Transportes parados
Em Portugal os transportes foram amplamente paralisados: metrô, barco, ônibus, e a empresa de aviações, a TAP teve mais da metade de seus voos suspensos. Fábricas fecharam, funcionários públicos pararam repartições. Na Espanha a greve foi forte na indústria química, automotiva, construção civil, coleta do lixo, transportes e indústria agroalimentar. O governo usou de repressão policial para “controlar” a explosão das lutas, que apesar disso foram numerosas. A polícia espanhola foi orientada a “sufocar” as manifestações, reprimir os militantes que estavam fazendo piquetes em porta de fábricas e rodovias. Centenas foram presos e feridos.
A Grécia, na semana anterior ao 14N, foi palco de uma greve geral de 48 horas. No segundo dia reuniram mais de 100 mil pessoas num ato em Atenas, isso ocorreu durante uma sessão do parlamento que discutia a aprovação do pacote adicional de cortes de gastos e aumentos de impostos para os próximos dois anos, no valor de € 13,5 bilhões.
Na Bélgica, os trabalhadores do transporte interromperam a operação dos trens ferroviários afetando principalmente as ligações internacionais. Na Itália, houveram greves parciais e manifestações. Outros países fizeram manifestações em solidariedade aos países que saíram em greve, como a Alemanha, a França e a Polónia.
Nos últimos anos a Europa tem passado por uma enorme crise econômica, social e política, mais de 25,7 milhões de pessoas estão desempregadas nos países da União Europeia. A taxa de desempregados é de 11,6% em toda a zona do euro, sendo 23,3% para os jovens. Na Espanha e na Grécia o desemprego entre os jovens supera 50%. Na Grécia, a economia retrocedeu 7,2% no terceiro trimestre, na comparação com o mesmo período de 2011, progressivo retrocesso.
Europa em recessão
Um dia depois do 14N foi divulgado que a zona do euro está oficialmente em recessão pela segunda vez em três anos, ao apresentar uma queda do PIB de 0,1% – o segundo trimestre de queda seguido, o necessário para ser caracterizada a recessão.
O capitalismo está completamente integrado internacionalmente, isso faz com que os efeitos da crise atinjam a todos os países da Europa, e outros continentes, mas sua lógica baseada no acúmulo de capital também possibilita que alguns países se mantenham mais protegidos em função da exploração de outros.
A Alemanha se faz de vítima ao ter que arcar com a maior parte dos resgastes dos países em crise, mas o fato é que o país tem resistido melhor aos efeitos da crise, por que explora os países mais pobres da Europa, como Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia. Estes são os países que precisaram pedir resgate econômico, o que os tornam eternos devedores de uma dívida pública a juros enormes, o que a faz ser impagável.
A Alemanha é o país que mais empresta dinheiro e possui os títulos das dívidas públicas destes países. O ministro espanhol de Economia, Luis de Guindos afirmou “os governos dos países endividados perderam o controle de suas finanças e estão condenados a seguir o receituário ditado principalmente pela Alemanha se pretendem evitar a quebra”.
A dívida e o déficit público da península Ibérica, Portugal e Espanha, e também a da Grécia, não estão sendo diminuídos como a Troika (União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) determina. Um exemplo é a Espanha, que deveria reduzir para 3% do PIB o seu déficit, por ser o limite determinado pelo tratado de constituição do euro. No entanto em 2014 ainda terá um déficit de 6,4%.
O capitalismo não possui saída para esta crise, somente medidas paliativas, que adiam quebras maiores. Essas saídas imediatistas passam pelos pacotes de austeridade, que jogam para os trabalhadores e trabalhadoras a responsabilidade pela crise econômica. A população Europeia tem pago a conta da crise com a diminuição de seus salários, aumento de impostos, desemprego em alta, quedas nas verbas para os serviços de assistência sociais, como saúde e educação. No 14N Luis de Guindos não mentiu quando disse: “O plano do governo é a única alternativa”, referindo-se aos pacotes de austeridade, ele só esqueceu de dizer que falta de alternativa está intrínseca ao capitalismo.
No 14N os trabalhadores forjaram uma nova forma de fazer luta, mais forte e complexa como a situação exige, as greves coordenadas internacionais. Pela primeira vez na histórica houveram greves simultâneas entre tantos países, os trabalhadores estão se unindo, esta ressurgindo uma identidade de classe.
Nossa luta tem que ser internacional
Da mesma forma que o capitalismo está cada vez mais integrado internacionalmente, a nossa luta não deve ser diferente. Manifestações de solidariedade por toda a Europa, como vimos, aumenta a comoção social contra as injustiças, devido aos pacotes de austeridade e mostram, para aqueles que também estão descontentes, que a solução dessas mazelas é coletiva.
As ações no 14N surgiram com o aumento progressivo das lutas devido a indignação e revolta do povo e não por interesse das direções dos sindicatos, que em sua maioria estão cooptados pelos governos e cumprem o papel de segurar as lutas. Enquanto o povo saía às ruas exigindo seus diretos, o representante do sindicato UGT (União Geral de Trabalhadores), da Espanha, Cándido Méndez, pediu aos manifestantes uma “greve de consumo”, indicando que não comprassem nada no dia 14. Saídas individuais só irão nos enfraquecer, fica claro para nós a sua intenção de boicotar as lutas coletivas.
Não podemos esperar a burocracia sindical pelega. A classe trabalhadora europeia deve criar formas democráticas e amplas de organização, temos que construir a nossa solução para a crise e uma saída que beneficia a todos/as só ocorrerá se conseguirmos nos organizar amplamente, com grandes setores da população. Os primeiros passos para isso já foram dados. Um avanço seria a construção de assembleias, comitês de greve coordenados nas empresas, bairros, escolas e universidades, como vimos no Chile, aonde 80% das universidades estavam ocupadas e possuíam comitês coordenados durante a luta dos estudantes. Desta forma, seria evidente o potencial para construir verdadeiros mecanismos de organização e controle social dos trabalhadores, para lutar por uma estratégia de substituição deste sistema sócio econômico. Desde já temos que exigir a suspensão do pagamento da dívida, a nacionalização dos bancos e a taxação das grandes fortunas.
Construir uma alternativa socialista
Não podemos ter nenhuma ilusão nas burguesias nacionais, que na primeira oportunidade rifaram o povo aceitando os pacotes de austeridade, entregando a eles a conta da crise. Soluções por dentro do sistema capitalista estão fadadas ao fracasso, pois os interesses dos trabalhadores são antagônicos ao da classe dominante que detém o poder hoje. Somente a luta coletiva, a identidade de classe e a união dos trabalhadores internacionalmente irá possibilitar a construção de uma sociedade que não se pauta pelo lucro, acumulação e exploração.
As greves gerais são fundamentais, mas são uma forma para acumular forças, as luta devem ser aprofundadas progressivamente. Não podemos deixar que acabem as manifestações após o 14N, pois agora é a hora de pautarmos qual modelo de sociedade queremos e lutarmos por ele. Por isso é necessário também trabalhar para construir alternativas políticas, em forma de novos partidos de trabalhadores, armados com um programa socialista que pode oferecer uma saída da exploração, opressões e crises que são parte do sistema capitalista. Este dia foi um primeiro passo importante para construir as bases que permitam a ampliação das lutas internacionais no próximo período.