Problemas da construção de novos partidos: Lições da Itália, da Alemanha e do Brasil

Um dos principais desafios enfrentados pelos trabalhadores por todo o mundo é o da representação política. As organizações tradicionais dos trabalhadores têm se deslocado rapidamente à direita abandonando as idéias do socialismo. Neste texto, Peter Taaffe tira algumas conclusões a partir da história e da experiência recente da Itália, da Alemanha e olhando especialmente para os últimos acontecimentos no Brasil.

Uma questão central para o movimento dos trabalhadores mundial – talvez a mais crucial no presente momento – é a ausência, em quase todos os países, de uma voz política independente, na forma de um partido ou de partidos de massas dos trabalhadores. O colapso do muro de Berlin e dos odiosos regimes stalinistas também testemunhou a liquidação das economias planificadas. Este foi um importante acontecimento histórico, com grandes conseqüências para a classe trabalhadora e, especialmente, a sua consciência. Coincidindo com o prolongado boom dos anos 90 e da inescrupulosa pressão do capitalismo neo-liberal, isto contribuiu para o apodrecimento das bases da social-democracia e dos “partidos comunistas”. Os primeiros, caracterizados no passado por Lenin e Trotsky como “partidos burgueses dos trabalhadores”, testemunharam o completo desaparecimento de sua base “trabalhadora” na medida em que se tornaram formações puramente burguesas. Isto significa que, pela primeira vez em gerações – por mais de 100 anos no caso da Inglaterra – a classe trabalhadora está sem uma plataforma política de massas.

Mas não é a primeira vez na história, que os marxistas foram confrontados com uma situação como esta. Nem Marx e nem Engels acreditavam que o movimento da classe trabalhadora desenvolveria sozinho uma consciência de classe independente ou socialista pela agitação, propaganda ou mesmo se apropriaria de suas poderosas idéias teóricas. Marx argumentava que a experiência seria a principal professora da classe trabalhadora, combinada com as idéias do socialismo científico. Foi por esta razão que Marx, apesar de nunca diluir seus valiosos esforços teóricos, empenhou-se em unificar na ação as díspares forças da classe trabalhadora por meio da construção da I Internacional.

I Internacional

Os marxistas juntaram-se com os sindicalistas ingleses e até mesmo com os anarquistas no trabalho da Internacional. Marx sempre partiu do nível existente de organização e de consciência da classe trabalhadora, buscando, por meio de sua importante intervenção conduzi-la para um patamar superior.

A I Internacional cumpriu esta tarefa colossal, mas, após a derrota da Comuna de Paris e da tentativa de sabotagem e divisão por parte dos anarquistas liderados por Bakunin, a I Internacional esgotou sua missão histórica e foi terminada. Porém, esta experiência foi vital na preparação do solo para a II Internacional, com o desenvolvimento dos partidos de massas, a aceitação do socialismo, etc.

Engels e o Partido Trabalhista

A mesma abordagem básica de Marx foi adotada por Engels no fim do século XIX, na Inglaterra, durante o “prolongado inverno” da classe trabalhadora. Ele pacientemente divulgou a idéia de um “partido independente do povo trabalhador” em oposição às forças socialistas e mesmo “marxistas” de sua época. Ele não se associou à Federação Social-Democrata que aderiu formalmente ao “socialismo científico” e que chegou a ter mais de 10 mil membros, mas que adotou uma atitude sectária e de ultimato em relação às outras forças e particularmente quanto à idéia de unidade para criar um partido independente da classe trabalhadora. Não houve maior teórico no movimento dos trabalhadores do que Engels, que historicamente ficou atrás apenas do próprio Marx, e ele insistiu que, dado o nível existente de consciência e de organização política da classe trabalhadora inglesa, um “verdadeiro passo em frente” valeria mais do que vários programas. Este era o claro reconhecimento, confirmado posteriormente pelo desenvolvimento do próprio e massivo Partido Trabalhista, de que uma organização marxista “pura” na Inglaterra com raízes nas massas não se desenvolveria sem o conjunto da classe trabalhadora passar pela experiência de um partido independente “próprio”.

Lenin adotou a mesma abordagem diante do Partido Trabalhista quando este passou a existir, mesmo não tendo uma cláusula socialista. Ele argumentou que, enquanto o Partido Trabalhista “não reconhece a luta de classes, a luta de classes certamente reconhecerá o Partido Trabalhista”. Ele foi novamente confirmado pelo brusco giro para a esquerda na Inglaterra, com explícitas roupagens revolucionárias, após a Revolução Russa. Isto foi manifesto com a adoção da aspiração socialista pelo Partido Trabalhista por meio de sua famosa Cláusula Quatro. Esta só foi liquidada apenas pelo “entrista burguês” Blair em 1995.

Desde então, o processo de degeneração política do “Novo Trabalhismo” foi inexorável e inevitável. Isto se deu apesar das infelizes esperanças daqueles, como Tony Benn, quem ocupa uma posição reformista de esquerda isolada em um mar de neoliberalismo do Novo Trabalhismo. Esta degeneração não é apenas ideológica em suas conseqüências, mas foi materialmente afetada pelas lutas da classe trabalhadora. A burguesia foi enormemente bem-sucedida ao usar o colapso do stalinismo, para realizar uma contra-revolução ideológica em escala mundial. Os principais efeitos estavam na social-democracia e na direita do sindicalismo. O abraço entusiástico do mercado por estes fortaleceu a possibilidade da burguesia vender o seu programa neoliberal acompanhado pelo mantra de Thatcher de que “Não existe alternativa” (There is no alternative). Diferentemente dos anos 80, quando esta idéia foi rejeitada, ela foi reforçada por líderes ex-social-democratas e pela direita do sindicalismo.

O único jogo na cidade

Quando os reformistas “partidos burgueses dos trabalhadores” existiam, a classe dominante ao menos era forçada a olhar por cima de seu ombro. Estes partidos eram, em alguma medida, um “sinal” parcial de que a burguesia estava indo “longe demais”. Um olhar para a Alemanha hoje reforça este argumento. O surgimento do partido “A Esquerda” liderado por Oskar Lafontaine, mesmo com todas as suas contradições, exerceu um efeito sobre os Social-Democratas (SPD). Envolvido em uma coalizão burguesa com os Democratas Cristãos de Merkel, o SPD assistiu à uma perda dramática de apoio, tanto eleitoralmente, quanto em suas filiações. Ao contrário, o partido “A Esquerda” absorveu o apoio que o SPD perdeu e atualmente possui 12% nas pesquisas de opinião. Isto, por sua vez, obrigou os social-democratas a fazerem oposição contra algumas “reformas”, como o ataque brutal contra os desempregados, que eles mesmos anteriormente aceitaram no interior da coalização e no governo anterior de Schröder.

Na Inglaterra, o mantra de Thatcher agora é de Brown. “Qual é a sua alternativa para o Novo Trabalhismo?” ele pergunta para os líderes sindicais. A resposta destes é se segurar nas pernas de Brown como uma vítima de um assalto enquanto ele ataca a classe trabalhadora e os sindicatos. As eleições – sendo efetivamente impossível de diferenciar os três principais partidos uns dos outros no “meio de campo” – são virtualmente uma farsa na Inglaterra. O sistema eleitoral de maioria simples (first-past-the-post) combinado com a ausência de “escolha”, significa que o resultado das próximas eleições na Inglaterra, tal como Polly Toynbee do The Guardian assinalou, será determinado pelos “marginais”. Ultimamente, apenas 20.000 votantes indecisos (swing voters) para estas posições são determinantes para o resultado.

Tudo isto se soma com a dominação de uma ossificada casta burocrática de direita no topo dos sindicatos, como Prentis do Unison e agora outros, tal como foi demonstrado nas recentes eleições locais e na disputa postal, que atuam como um enorme freio para qualquer ação operária efetiva. Mas o descontentamento colossal vindo debaixo significa que esta situação não continuará sem ser desafiada. Sem um sério desafio por parte da esquerda, incluindo a esquerda sindical, Brown continuará a tratar os sindicatos, especialmente a sua liderança, com desprezo, seguro de que o “Novo Trabalhismo é o único jogo ocorrendo na cidade”.

Um dilema similar é enfrentado pela classe trabalhadora francesa, envolvida atualmente em uma luta épica com o governo de Sarkozy, que busca destruir os seus direitos e suas condições. Nos últimos 15 anos, em cada momento que a burguesia francesa buscou confrontar a classe trabalhadora desta maneira, ela acabou ou na derrota parcial ou em um “empate”. Mas por achar que está perdendo posição para seus rivais capitalistas, tanto na Europa como internacionalmente, a burguesia francesa “desta vez” está determinada a forçar a classe trabalhadora a fazer concessões. A ausência de um pólo de atração de massas, na forma de um partido de massas, é sem dúvida um fator enfraquecendo a luta na França.

Sarkozy foi capaz de vencer as últimas eleições com uma campanha contra o seu próprio governo, o qual, de acordo com ele mesmo, estava presidindo uma “sociedade bloqueada”. Ele foi capaz de fazer isto, apenas porque não foi desafiado por Ségolène Royal e seu burguês Partido “Socialista”. Fazendo falsos elogios à semana de 35 horas de trabalho, ela imediatamente repudiou isto após as eleições. Mesmo em 1995, quando os trabalhadores franceses derrotaram a burguesia e seu “plano Juppé”, a ausência de uma alternativa política das massas era palpável. Ali os capitalistas poderiam ser forçados a recuar, mas isto não ocorreu porque não existia um governo alternativo e nem um partido político de massas que realizasse isto, todas as conclusões necessárias não foram tiradas.

Lições no Brasil

Esta situação não existe no Brasil, por causa da formação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), criado em 2004 a partir da revolta contra o giro à direita do governo Lula após a sua eleição em 2002. A criação deste partido e sua evolução subseqüente é importante para o Brasil, mas também possui muitas lições para os trabalhadores e para o movimento de esquerda internacional. A criação do PSOL foi um produto da completa indignação especialmente por parte dos trabalhadores do setor público diante da veloz traição do governo Lula e seu Partido dos Trabalhadores (PT) atacando-os seguindo o comando do capitalismo brasileiro.

Antes disto, setores da esquerda brasileira, mesmo aqueles com um passado trotskista, alimentavam esperanças de que Lula no poder começaria um governo de “esquerda”. Apesar do fato de que o próprio Lula indicou sua capitulação ao “consenso de Washington” do neoliberalismo – privatização, trabalho precário, abertura ao capital estrangeiro – antes mesmo das eleições. Sua evolução para a direita foi indicada pela glorificação que ele recebeu dos grandes papas do neoliberalismo “social-democrata” internacional. Enquanto no passado Blair e Mandelson atacaram o PT, agora ele recebia apenas elogios. Sendo fiel à sua palavra, Lula provou ser um “instrumento seguro” para o capitalismo brasileiro e para o imperialismo. Porém, o ataque sobre os servidores públicos provocou oposição dentro do PT, manifesta por alguns parlamentares do PT, como Heloísa Helena, Babá e Luciana Genro. Eles foram sumariamente expulsos, junto com outro parlamentar, por Lula porque se opuseram à “reforma da previdência”.

O sentimento de traição era agudo, visto que Lula – diferentemente de Blair – veio originalmente do interior da classe operária. O PSOL reuniu setores significativos da esquerda militante e combativa no Brasil. Em sua conferência de fundação em 2004, o partido era marcadamente socialista e de esquerda, com a maior parte de seus participantes vindo de uma trajetória trotskista. O trotskismo possui fortes raízes na América Latina, especialmente no Brasil e na Argentina. Isto se refletia em duas grandes tendências, o Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI) de Ernest Mandel e as organizações “morenistas” lideradas por Nahuel Moreno. O “morenismo” e a sua organização internacional, a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) representou uma reação à Mandel, quem combinou em certo momento políticas ultra-esquerdistas – incluindo o apoio desastroso aos movimentos de guerrilha urbana – com oportunismo, o que levou o SUQI à divisão no Brasil. Alguns de seus antigos membros eram ministros no governo Lula.

Dentro da tradição morenista é possível achar incríveis trabalhadores, sendo que muitos deles fizeram enormes sacrifícios chegando a pagar com a vida pela causa dos trabalhadores. Este foi especialmente o caso na Argentina e no Brasil. Mas, ao mesmo tempo, a oposição de Moreno ao oportunismo de Mandel era expressa de forma grosseira. Além disso, o próprio Moreno, tal como foi demonstrado pela sua super-estimação do MAS na Argentina durante os anos 80, cometeu sérios erros de caráter ultra-esquerdista. Apesar do MAS na Argentina ter se transformado em uma força considerável, Moreno superestimou a capacidade dele “tomar o poder”. Após a sua morte, os seus sucessores cometeram diversos erros, sendo que o mais importante foi a caracterização do colapso do stalinismo. Eles unilateralmente o tomaram como algo “progressivo”. Muito diferentemente disto, a burguesia internacional, cuja atitude foi sintetizada por um editorial do Wall Street Journal, declarou, para o capitalismo, “nós vencemos”.

O resultado disto foi a divisão do morenismo em diversas organizações e “internacionais” competindo ferozmente uma contra a outra em busca de uma base cada vez menor de militantes morenistas. Quando confrontada pela oposição, ao invés de debater e discutir suas idéias – tal como faz o Comitê por uma Internacional Operária (CIO) – a atitude usual da direção era a de expulsar, tal como procede o SWP britânico, ou fazer um “convite para se retirar”.

Sucesso inicial

Apesar disso tudo, aqueles que construíram o PSOL saíram do PT e tinham um histórico trotskista. Nas eleições presidenciais de 2006, Heloísa Helena, que vem da tradição mandelista, era a candidata presidencial do partido e obteve quase sete milhões de votos como uma alternativa de esquerda ao suposto governo de “esquerda tradicional” de Lula. Este sucesso espetacular de um partido extremamente jovem – um sucesso maior do que o PT em sua primeira participação nas eleições nacionais em 1982 – foi uma confirmação completa daqueles, como o Socialismo Revolucionário (SR) e o CIO, que consistentemente buscaram a criação de um novo partido de massas. O SR foi um dos pioneiros do PSOL – oferecendo seus recursos e espaços para o partido em seus momentos iniciais – e também estava na Executiva Nacional do partido. Acima de tudo, este novo partido dava direito a tendências, garantido a sua democracia interna.

Porém este partido, tal como o partido “A Esquerda” na Alemanha, não nasceu em um período de intensa luta de classes, especialmente de lutas operárias, tal como foi o caso do PT nos anos 80 ou com a COSATU, a federação sindical sul-africana que em seu primeiro momento de existência era explicitamente socialista e “revolucionária”. Isto marcou o PSOL: ele era e continua sendo um pequeno partido de massas da classe trabalhadora. Os novos partidos de massas que foram criados logo após a Revolução Russa surgiram de divisões nas antigas organizações da classe trabalhadora, da social-democracia, levando com eles a grande maioria dos trabalhadores ativos dos velhos partidos. Mesmo então, a social-democracia, sendo cada vez mais esvaziada, conseguiu manter um apoio residual de trabalhadores inativos. Em certas situações, era a maioria dos trabalhadores que se agarrou a estas organizações por uma absoluta inércia histórica e pela ausência de consciência da necessidade de um novo partido revolucionário. Isto demandou, tal como Lenin e Trotsky propuseram, que os novos partidos comunistas adotassem a tática de “frente única” para alcançar e influenciar na ação os trabalhadores que ainda estavam sob a bandeira da social-democracia.

Porém as novas formações, os partidos comunistas, que surgiram em um período de revolução, eram geralmente grandes, com uma base ativa e com raízes no interior da classe trabalhadora. Este não é o caso de “A Esquerda” na Alemanha, que é principalmente um fenômeno eleitoral neste momento. Somente alguns trabalhadores e jovens estavam preparados para ingressar em suas fileiras – especialmente em Berlin e no leste da Alemanha. Nestas áreas, ele é visto com suspeita por causa das ligações do partido com o stalinismo e com governos de coalizão em Berlin atacando as condições de vida da classe trabalhadora. O PSOL em seus primeiros momentos de existência era diferente. Diversas organizações trotskistas estavam presentes, mas também um importante setor de trabalhadores, de “independentes”, etc.

Ao mesmo tempo, o governo Lula se separava cada vez mais de sua base e caminhava para a direita. O presidente do senado brasileiro apoiado pelo PT, Renan Calheiros, foi forçado a abandonar esta posição por causa de um escândalo de corrupção. Alega-se, entre outras coisas, que ele fazia pagamentos para uma ex-jornalista, com a qual ele tinha um caso e uma filha de três anos de idade. O Brasil está acostumado com a corrupção, que é endêmica em partidos burgueses. Mas a saga de delitos de Renan era um “escândalo que ia longe demais”. A pressão popular forçou Lula e Renan foi retirado de seu posto.

O governo Lula esteve envolvido com acusações de corrupção desde maio de 2005. Inicialmente, elas causam sérios danos, mas a vida política brasileira está tão acostumada e tão “integrada” com a corrupção que o povo brasileiro “não esperava nada de diferente de seus políticos”. Por volta de 30% dos representantes do congresso possui processos criminais abertos contra eles. Na realidade, muitos buscam o parlamento para evitar os cortes! O custo da corrupção, de acordo com um estudo, é equivalente a 0,5% do produto interno bruto. Porém, existia uma época em que o PT era visto como “diferente”, com uma visão socialista de uma nova sociedade. Agora, tal como seus congêneres, os líderes ex-social-democratas e ex-comunitas na Europa e em outros lugares, aceitaram o capitalismo e abraçaram sua filosofia de “benefícios”.

A burguesia brasileira se reconciliou com o governo Lula porque ele está “fazendo o trabalho” ao defender os lucros do capitalismo. As demandas domésticas e de crédito estão aumentando enquanto milhões de brasileiros pobres tornam-se “consumidores pela primeira vez” (Financial Times). O que acontece quando o apoio da economia dos EUA é perdido e tem repercussões sobre a China, um enorme mercado para as mercadorias brasileiras, é uma outra questão. Mesmo uma desaceleração na taxa de crescimento da economia brasileira será uma catástrofe para milhões, especialmente os pobres, que buscaram o governo Lula em busca de alguma salvação do pesadelo da vida diária de milhões de brasileiros. A agricultura, o setor de serviços e mesmo a indústria cresceram apoiando-se no crescimento da economia mundial. Além disso, o consumo aumentou, algo que foi apoiado por certo crescimento no salário mínimo, pelos benefícios para os mais pobres e pela injeção de crédito na economia, que duplicou em tamanho desde 2003. Tal crédito compõe por volta de 35% do PIB. Uma desaceleração ou recessão da economia mundial poderia ter um efeito devastador sobre milhões cujas esperanças foram alimentadas pelo recente crescimento da economia e pela criação de trabalhos, ainda que muito mal pagos.

O governo afirma que criou mais de 1,2 milhões de empregos entre julho de 2006 e 2007. Isto significou que alguns dos setores mais pobres da população e mesmo da classe trabalhadora tiveram ganhos com o governo Lula. Como conseqüência, o apoio eleitoral para o governo ainda não evaporou. A burguesia tolera Lula como a “melhor opção” e os pobres e a classe trabalhadora, em sua grande maioria, ainda não retiraram seu apoio do governo. Por outro lado, a classe média sente de forma mais aguda a crise na infra-estrutura, especialmente no setor aéreo. É ela, na maioria, que se opõe ao governo. A situação econômica, social e política é, consequentemente, altamente volátil.

Para aumentar sua importante, mas limitada, base eleitoral de 6%, o PSOL deve buscar atrair para suas fileiras os “batalhões pesados” da classe trabalhadora que ainda se mantém atrás de Lula e do PT. Eles romperão com este ancoradouro, assim que o Brasil for afetado pelas tumultuadas e iminentes ondas social e econômica. Mas isto não garante que esses batalhões passarão para o PSOL, se este partido não assumir políticas, estratégia e táticas para ganha-los.

A armadilha da coalizão

O desenvolvimento do Rifondazione Comunista (PRC) na Itália possui muitas lições e avisos para o PSOL e o Brasil. A criação do PRC representou um passo gigantesco para a classe trabalhadora italiana, mas, inicialmente, ele ganhou apenas os setores militantes mais avançados. O partido, particularmente sob a direção de Bertinotti, não atingiu seriamente a base dos Democratas de Esquerda (DS – a maior parte do ex-Partido Comunista) mesmo quando estes foram para a direita. Uma das razões disto foi a posição inconsistente do PRC, particularmente a sua ênfase no eleitoralismo ao preço de uma política dinâmica para a classe trabalhadora. Além disso, ao invés de buscar uma política de intransigência da classe trabalhadora ao capitalismo, a direção do PRC escorregou para o pântano do coalizionismo. Mesmo antes da formação de um “bloco nacional”, o PRC nos níveis locais e estaduais estava compartilhando o poder com partidos burgueses. Isto invariavelmente resultou em ataques aos trabalhadores e aos sindicatos nos níveis locais, cuja responsabilidade, do ponto de vista dos trabalhadores, era do PRC.

Não era difícil sair disto para uma coalizão formal com os partidos burgueses em torno de Prodi no nível nacional. Inicialmente, era um apoio “externo” do PRC para o governo da coalizão “A Oliveira” de 1996. Mesmo sem os “benefícios” ministeriais e as armadilhas que vem junto com elas, o PRC ganhou a odiosa associação com os ataques deste governo sobre a classe trabalhadora e os sindicatos. Isto abriu o caminho para a volta de Berlusconi. Atualmente o PRC deu um passo adiante, juntando-se formalmente à coalizão de Prodi que, tal como Lula no Brasil, está atacando a previdência, a educação e todas as conquistas passadas da classe trabalhadora italiana. Sob o domínio de Bertinotti como “presidente” da Câmara de Deputados italiana, o PRC perdendo seu perfil de um partido independente dos trabalhadores para se tornar parte de uma “coisa vermelha”, uma máscara para a criação de outro partido capitalista liberal.

Este processo ainda não se desenvolveu completamente no interior do PRC, mas é um importante aviso para o PSOL e para todas as novas organizações da classe trabalhadora que possam vir a assumir o coalizionismo. Sem claras políticas isto significa que estas novas formações, ao invés de ser um embrião de um pólo de atração de massas, podem ser estranguladas já em seu nascimento. O PSOL ainda não alcançou este estágio. Mas as enormes pressões da sociedade burguesa para “conformar”, para elevar o perfil eleitoral ao preço da intervenção na luta de classes, especialmente a luta operária e dos movimentos sociais em geral, já teve certo efeito sobre a direção do PSOL.

Giro à direita

Isto foi refletido nas eleições e no rebaixamento das políticas radicais, especialmente por sua candidata presidencial, Heloísa Helena. Isto foi feito para tentar conquistar o máximo de votos. Ela também se opôs ao direito de aborto, mas esta questão a colocou em conflito com o conjunto da direção do PSOL. A posição de Heloísa enfrentou a oposição implacável da maior parte dos delegados no recente congresso do PSOL. Todavia, um grupo em torno dela, especialmente alguns como a parlamentar Luciana Genro do Rio Grande do Sul, buscaram pressionar o PSOL para políticas mais “práticas”, isto é, para uma posição mais à direita. Eles foram reforçados por refugiados do PT que hoje entraram nas fileiras do PSOL.

Juntos, eles foram bem-sucedidos em colocar em um rumo mais à direita, o que, por sua vez, criou uma oposição de esquerda, na qual o Socialismo Revolucionário atua. Esta oposição recebeu por volta de ¼ dos votos no congresso do PSOL. O SR busca avançar para, além disto, forjando uma frente única com as organizações mais consistentes da esquerda, por meio de um “bloco dos quatro” dentro do PSOL. Isto envolveu o SR com outros grupos espalhados pelo Brasil, todos eles com um histórico trotskista.

Há alguns paralelos históricos com este processo. Após a vitória de Hitler em 1933, sem o Partido Comunista realizar uma resistência séria, uma profunda crise de confiança nas “internacionais” existentes surgiu. Trotsky levantou a bandeira da necessidade de uma nova, “Quarta” Internacional. Daí surgiu a formação de um “Bloco dos Quatro” partidos, descrito por Trotsky como “excepcionalmente importante”. Os quatro partidos eram a Oposição de Esquerda Internacional trotskista, O Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (SAP), dois partidos holandeses de esquerda, o Partido Socialista Revolucionário (RSP) e o Partido Socialista Independente (OSP) que assinaram a declaração por uma “nova internacional” a partir dos princípios propostos por Marx e Lenin.

Este antigo “bloco dos quatro” definiu para si mesmo objetivos mais grandiosos do que o presente bloco dos quatro dentro do PSOL, mas as questões eram fundamentalmente as mesmas: como maximizar o potencial para a esquerda no movimento da classe trabalhadora. Este bloco nunca se consolidou em uma nova formação permanente por causa das inconsistências políticas dos líderes dos partidos não-trotskistas. No caso do Brasil, as organizações são muito mais próximas politicamente, com grandes chances, caso a clareza política seja alcançada, de forjar uma força política coerente dentro do PSOL.

O PSOL mostra, tal como foi com o “experimento” anterior do PRC na Itália, que sucesso contínuo, o crescimento em influência e números, não é automaticamente garantido se um novo partido muda seu rumo para a direita. Porém, a esquerda tem mais clareza e potencial no PSOL do que no PRC. Isto porque as organizações trotskistas, desde a fundação do PRC, buscaram uma política fundamentalmente incorreta. O SUQI, liderado pelo velho Livio Maitan, era indistinguível de Bertinotti – eles foram por um longo tempo parte da mesma “fração” e, consequentemente, não ganharam forças substanciais. Outros adotaram uma posição ultra-esquerdista ou puramente propagandística, o papel de comentaristas super-sábios.

O bloco dos quarto no Brasil

A atual oposição de esquerda organizada no PSOL é muito mais forte politicamente do que os exemplos anteriores. A frente única de organizações, o bloco dos quatro dentro do PSOL, inclui companheiros da Alternativa Revolucionária Socialista localizada principalmente em Belém/PA. Outra organização em São Paulo é o Coletivo Liberdade Socialista formado por trabalhadores com uma história de luta, tanto em São Paulo quanto em Minas Gerais, onde o CLS tem uma base importante nos movimentos sociais, principalmente o movimento sem-terra e os gráficos. Duas outras organizações estão participando neste bloco. Espera-se que este “bloco dos quatro” seja consolidado em uma série de reuniões e atividades públicas que podem atrair outros grupos dissidentes no PSOL.

Ao mesmo tempo, um processo de reagrupamento dos marxistas e trotskistas está ocorrendo. No recente congresso do SR, no qual participaram representantes dos grupos participando no bloco dos quatro, o SR assumiu a tarefa de, junto com estes companheiros, construir uma força marxista numericamente mais forte e muito mais influente. Dado que no momento atual o PSOL está sem novos setores da classe trabalhadora, esta tarefa não será conquistada, meramente pela atividade concentrada no interior do partido. A luta econômica é muito importante no presente momento. Mas o PSOL não esgotou o seu potencial. O colapso do “lulismo” e do PT resultará em mais setores colocando suas esperanças no PSOL. Uma das justificativas para um novo partido de massas dos trabalhadores é a de que isto dá a chance para a classe trabalhadora e para a esquerda aglutinar forças que até agora estavam fragmentadas.

Novos partidos como este são uma arena para a discussão, o debate e o desenvolvimento de políticas que podem garantir sucesso para a classe trabalhadora no futuro. A existência de um pólo marxista e trotskista viável dentro de tal partido é vital para o seu sucesso. Sem isto, estes partidos, incluindo o PSOL, podem estagnar ou mesmo perder espaço e desaparecer do cenário político, mesmo que tenham um sucesso inicial. Este não parece o cenário mais provável no Brasil, dada a influência do marxismo dentro do partido.
As tarefas dos marxistas no Brasil, as quais serão entusiasticamente seguidas por marxistas em todo o mundo, são atuar nos processos se desenvolvendo no PSOL e se diferenciar claramente do reformismo e das sombras do centrismo – palavreado revolucionário, mas ações reformistas – unindo as melhores forças da esquerda do PSOL. O primeiro passo para este objetivo é a criação de uma poderosa organização trotskista com claras perspectivas, táticas, estratégia e organização. O capitalismo está caminhando para a crise, mas isto não significa que a esquerda automaticamente terá conquistas. Para isto ocorrer, é necessário criar novos partidos de massas dos trabalhadores. Os acontecimentos no PSOL serão ansiosamente observados e estudados por marxistas em todo o mundo, com o fim de aprender as lições para acontecimentos similares em outros lugares. 

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