Como funcionaria uma economia planificada?
A defesa do planejamento socialista democrático é uma tarefa fundamental para uma transformação social vitoriosa
Este artigo é baseado em um discurso introdutório dado a uma comissão sobre “Economia Marxista – como funcionaria uma economia planificada?” na Universidade Marxista Virtual da ASI em julho de 2020.
A discussão sobre como uma economia planificada iria funcionar é crucial para o movimento de trabalhadores e para os oprimidos. Desde os anos 90 e a queda dos regimes autoritários stalinistas, os capitalistas têm cambaleado de crise em crise, cada vez mais profundas. Mas a classe capitalista tem uma grande vantagem. As recentes correntes de esquerda em torno de Bernie Sanders nos EUA, Corbyn na Grã-Bretanha e Mélenchon na França têm defendido importantes demandas sociais, mas infelizmente nenhuma delas tem promovido a ideia de um planejamento socialista democrático da economia. Após a queda das economias stalinistas planificadas burocraticamente, as ideias apresentadas pelos economistas de direita sobre “falta de informação” e “falta de inovação” nas economias planificadas foram capazes de influenciar a compreensão política dos trabalhadores e da juventude. É hora de elucidar estas questões e de rearmar os trabalhadores e a juventude com um programa de mudança fundamental.
Marx e Engels, os fundadores do socialismo científico, não quiseram dar um esboço detalhado de uma sociedade pós-capitalista. Eles não queriam apresentar ideias fantásticas sem uma base na realidade, como uma reação contra os “socialistas utópicos”. As lutas da classe trabalhadora lançariam as instituições políticas e econômicas concretas da nova sociedade. Marx limitou-se conscientemente a um esboço geral de socialismo, por exemplo, no famoso Manifesto Comunista de 1848. Era necessária uma ruptura total com o sistema de lucro dos patrões, com a pobreza e a desigualdade. Como consequência, os socialistas teriam que exigir a propriedade comum dos meios de produção – as fábricas, os locais de trabalho e a tecnologia. Uma sociedade socialista precisava se basear no planejamento da produção, os trabalhadores discutindo e estabelecendo metas de como e o que produzir.
A heroica Comuna de Paris de 1871 deu a Marx a oportunidade de dar uma imagem viva e inspiradora da democracia da classe trabalhadora. Isto envolveu eleições livres para a Comuna, representantes dos trabalhadores imediatamente revogáveis, representantes que não ganhavam mais do que o salário médio e o completo desmantelamento do Estado capitalista. Marx chamou-o de “a forma política finalmente descoberta sob a qual elaborar a emancipação econômica da classe trabalhadora”. A Comuna de Paris tomou o poder em apenas uma cidade. Portanto, só podia dar lições limitadas no que diz respeito à organização econômica do socialismo. Mas hoje – após um ataque implacável de décadas contra a ideia de planejamento econômico e após a experiência com o planejamento stalinista de cima para baixo – aqueles que lutam por um mundo socialista precisam dar um passo além.
Durante os últimos anos, lutas inspiradoras têm irrompido contra o sistema explorador, racista e sexista. Mas a maioria dos movimentos ainda é limitada por saber o que eles são contra, mas sem uma alternativa ao capitalismo como modelo econômico. É preciso dar uma imagem mais concreta de como o planejamento democrático poderia funcionar na prática e como seria diferente do planejamento stalinista e ditatorial.
Eliminando o enorme desperdício e ineficiência capitalista
Imagine se os trilhões de dólares de capital ocioso e a riqueza acumulada nos paraísos fiscais fossem confiscados pelos governos de trabalhadores, que poderiam usá-los para eliminar a fome, construir moradias sociais decentes e oferecer a todos um salário decente. Imagine se os bilhões investidos em publicidade ou serviços financeiros improdutivos fossem usados para financiar serviços públicos (educação, saúde, cuidado infantil,…) e contratar mais funcionários. Ou se a duplicação de produtos sob o capitalismo e a obsolescência planejada – produtos que quebram após um curto período de tempo – fosse eliminada. Isto liberaria enormemente os recursos para bens e serviços socialmente úteis.
E se a classe trabalhadora – através da tributação de empresas nacionalizadas em uma economia planificada – controlasse o excedente na sociedade? Uma enorme quantidade de dinheiro não seria mais desperdiçada com acionistas ricos e capitalistas que se recusam a investir por causa de uma falta generalizada de poder aquisitivo. Sob planejamento socialista, o mercado de produtos de luxo, que representa cerca de 5% do PIB nos países desenvolvidos, poderia ser desmantelado e os recursos reorientados para a produção socialmente útil. E o que os economistas de direita pensam ser “eficiente” em relação ao crescente desemprego capitalista em massa? Sob um plano socialista democrático, estes trabalhadores poderiam contribuir e encontrar empregos bem remunerados em serviços públicos, novas indústrias ecológicas ou projetos de infraestrutura.
A crise de saúde em torno da Covid-19, as desastrosas mudanças climáticas, os efeitos da nova crise econômica, etc., estão tornando a necessidade de planejamento democrático muito mais evidente para uma camada mais ampla da sociedade. Os governos capitalistas tornaram a crise do corona-vírus muito pior por não quererem prejudicar o mercado. Eles deveriam ter tomado imediatamente o controle das linhas de produção para fabricar máscaras, ventiladores, etc. Cientistas de ponta da saúde, já há anos, observaram que os vírus, com sua grande variação nos índices de infecção, não são um “modelo de negócios” estável para a indústria farmacêutica. Para o capitalismo com fins lucrativos, a destruição ecológica não é um “incentivo” para começar a produzir de formas radicalmente diferentes.
Mas o desafio para os marxistas e socialistas vai além. Precisamos mostrar que o planejamento poderia funcionar, em uma sociedade que produz milhões de produtos, com milhares de empresas, embora uma concentração e centralização de capital em grandes multinacionais, que planejam internamente, tenha reduzido o número de empresas que dominam a economia. As empresas multinacionais representam hoje quase um terço do PIB global e um quarto do emprego total.
O rescaldo do debate sobre “cálculo econômico”
Desde a década de 1930, um debate tem sido travado entre economistas capitalistas e defensores do planejamento econômico. A resposta dada por personalidades de esquerda e ativistas a objeções da direita contra o planejamento em princípio tomou diferentes formas. Houve argumentos a favor de formas centralizadas e completamente descentralizadas do chamado “socialismo de mercado”. Por outro lado, alguns tentaram inventar esquemas que saltavam imediatamente para um mundo sem dinheiro e sem mercados, produzindo diretamente para as necessidades humanas com base na tecnologia moderna e nos conselhos de trabalhadores.
Ambas as abordagens têm sérias limitações de um ponto de vista marxista. A primeira não leva em conta que em uma situação de abundância, bens ou serviços poderiam começar a ser distribuídos livremente, sem a necessidade de dinheiro. A segunda subestima como a produção direta para as necessidades humanas exigiria um período transitório de crescimento e coordenação das forças produtivas em escala mundial. As condições prévias para tal abordagem não existiriam imediatamente. Além disso, estabelecer a necessidade humana com tecnologia moderna antes que a produção ocorra não será, em muitos casos, uma forma muito eficiente de “planejamento”, por exemplo, para bens de consumo perecíveis. Existem outras formas de “planejamento em tempo real” que podem resolver este problema – mais sobre isto mais tarde.
Como reação contra o planejamento excessivamente centralizado e burocrático pelos regimes stalinistas, alguns defendem apenas a “autogestão” pelas empresas de propriedade de trabalhadores. Muitos pensadores anarquistas seguem esta tradição. Há também o influente economista marxista estadunidense Richard Wolff, que faz vídeos interessantes sobre temas atuais e é frequentemente uma primeira introdução às ideias marxistas para os jovens na internet. Wolff escreveu o livro “Democracia no local de trabalho”, no qual ele defende a ideia de “empresas de trabalhadores autogeridas”, mas também quer manter o mercado. Esta autogestão pelos conselhos de trabalhadores decide por si só quanto poder e meios são dados aos órgãos políticos superiores.
O problema com esta autogestão em um ambiente de mercado é que as empresas de trabalhadores seriam forçadas a competir umas contra as outras. Elas competiriam por participação no mercado e lucros, seriam forçadas a esmagar umas às outras e logo este “socialismo de mercado” tenderia a imitar o capitalismo de mercado. Além disso, este sistema já foi tentado na antiga Iugoslávia sob Tito após a Segunda Guerra Mundial. Ele aboliu a solidariedade entre a classe trabalhadora e levou à competição entre empresas autogeridas e entre regiões mais ricas e mais pobres. Levou também ao desemprego em massa.
É claro que a antiga Iugoslávia continuou sendo uma variante de um Estado monopartidário e do stalinismo. A autogestão era orientada por burocratas partidários não eleitos e não revogáveis que manipulavam a opinião dos trabalhadores. Não havia uma organização livre e democrática da classe trabalhadora. Mas mesmo que tivesse sido assim, o resultado sob condições de mercado e “socialismo de mercado” teria tendido a ser o mesmo. Na Iugoslávia, a competição de mercado levou a um retorno às hierarquias e liderança por parte dos gerentes em nome da eficiência e da maximização do lucro.
O aparato estatal atual controlado pelos 1% mais ricos também não ficará parado sem fazer nada enquanto mais e mais empresas forem tomadas sob a propriedade dos trabalhadores de baixo para cima. O Estado capitalista precisa ser confrontado por um movimento de massa da classe trabalhadora com o objetivo de substituí-lo por um Estado democrático de trabalhadores, mas politicamente centralizado. Os defensores da autogestão local também subestimam a divisão internacional do trabalho e a necessidade de uma revolução internacional e cooperação mundial em uma economia democraticamente planificada.
Marx: as duas etapas econômicas do socialismo
Marx pensava que, economicamente, o socialismo teria duas etapas diferentes de desenvolvimento. Durante a primeira etapa, enquanto a abundância geral ainda não fosse alcançada, certos elementos da abordagem capitalista da distribuição sobreviveriam de uma forma modificada. As pessoas ainda seriam pagas de acordo com o esforço: o número de horas de trabalho. Embora, é claro, todos teriam acesso a uma série de serviços gratuitos ou quase gratuitos: o salário indireto ou social. Como uma de suas primeiras medidas, um governo de trabalhadores encurtaria a semana de trabalho para permitir a tomada de decisões econômicas e políticas por parte da classe trabalhadora. Mas também para alcançar um melhor equilíbrio entre trabalho e família, e tempo livre. A solução do desemprego em massa através do planejamento democrático ajudará a lançar as bases para uma redução da semana de trabalho através da redistribuição do trabalho sem perda de salário. Os meios para isso estariam amplamente disponíveis, uma vez que os setores dominantes da economia sejam tomados como propriedade pública e as grandes empresas não possam enviar enormes riquezas para os paraísos fiscais.
Os marxistas chamaram esta primeira etapa do socialismo onde elementos do mercado, dinheiro, pagamento de acordo com as horas trabalhadas, etc., ainda existiria uma “economia de transição”. Leon Trotsky, líder da revolução russa e opositor do stalinismo, declarou sobre esta etapa: “Somente através da interação destes três elementos, o planejamento estatal, o mercado e a democracia soviética, é que a direção correta da economia da época de transição pode ser alcançada”.
Durante uma segunda etapa, com a expansão das forças produtivas, uma vez alcançada a abundância de certos produtos, o número de bens e serviços distribuídos livremente poderia crescer. O dinheiro pode tornar-se secundário ou desaparecer, à medida que as pessoas se acostumam a um mundo sem escassez. Marx resumiu isso em sua Crítica do Programa de Gotha como: “De cada um de acordo com sua capacidade, a cada um de acordo com suas necessidades”. Esta segunda etapa, naturalmente, precisaria ter como base uma transição ecológica radical durante o primeiro período. Precisaria haver um monitoramento contínuo da pegada ecológica das forças produtivas verdes e em desenvolvimento. Ao contrário do capitalismo de curto prazo, orientado pelo lucro, as democracias dos trabalhadores teriam constantemente um interesse material e social em garantir que nosso ambiente natural não seja afetado ou prejudicado pelo progresso econômico.
Formas de planejamento: uma abordagem não se encaixa a toda a produção
Se tanto o planejamento excessivamente centralizado e burocrático quanto a autogestão isolada precisam ser rejeitados, qual é o caminho a seguir? Para responder a essa pergunta, podemos primeiro ver quais formas de planejamento já existem sob o capitalismo que podem ser utilizadas – com o elemento de planejamento autoritário removido – sob o socialismo. Também podemos olhar para uma forma de planejamento que tem sido considerada como particularmente apta para o planejamento socialista: a análise de entrada-saída.
O gigante estadunidense Walmart é uma empresa horrível antissindical e de baixos salários. É a maior empresa do mundo por receita e tinha 2,2 milhões de funcionários em 2019. Se fosse um país, foi calculado há alguns anos que seria o 38º maior país do mundo, com base em sua receita. O Walmart também é conhecido como um pioneiro no planejamento da cadeia de abastecimento. Seus métodos têm sido copiados por inúmeras outras empresas capitalistas. Pode-se dizer que opera internamente como uma espécie de economia planificada – mas baseada em planejamento autoritário, evidentemente – para suas 11 mil lojas em mais de 20 países.
O Walmart melhorou sua eficiência operacional graças à alta tecnologia, compartilhando imediatamente as informações ao longo de suas cadeias de abastecimento. Seus fornecedores organizam seu reabastecimento de estoque: ele próprio não o faz. O Walmart apenas compartilha as informações da caixa registradora em tempo real com seus fornecedores e seus fornecedores ao longo da cadeia de suprimentos. Ele oferece a seus fornecedores preços baixos, mas com alto volume de comércio, com base em uma relação privilegiada na qual a concorrência foi suspensa. Formalmente, estes fornecedores são empresas diferentes que o Walmart paga. Mas o número de transações de mercado foi reduzido para ganhar eficiência através da cooperação e do planejamento. O Walmart e seus fornecedores, enquanto empresas diferentes, na prática se comportam como uma empresa totalmente integrada de forma planejada. Os produtos não são empurrados cegamente para o estoque do Walmart. Eles são puxados em tempo real pela demanda efetiva. É uma forma de planejamento que não se baseia em um pedido específico para aquele produto específico. O modelo de planejamento do Walmart para bens de consumo antecipa a demanda com base em sua evolução em tempo real.
Isto é diferente do planejamento baseado em pedidos, onde a produção só começa quando um pedido chega. A Cisco, empresa do setor de TI que produz roteadores e outras tecnologias para grandes empresas, tem este modelo de produção. Produtos industriais ou tecnológicos maiores e mais caros podem ser servidos pelo planejamento baseado em pedidos, também sob o socialismo.
Outra forma de planejamento baseada em metas físicas de produção – e nos recursos necessários para sua produção – tem sido apresentada como particularmente adequada para o planejamento socialista: análise de entrada/saída. Esta forma de planejamento também é útil para setores de crescimento em um Estado de trabalhadores. Quantas turbinas eólicas e painéis solares precisamos construir como parte de um plano de emergência para salvar o meio ambiente? De quais e quantos insumos precisamos para isto e quanto isto custará? Energia, tipos de matéria prima, mas também educação e transporte público são setores onde a análise de entrada-saída pode ser utilizada. Quantas escolas e professores precisamos com base no tamanho decente das turmas? De quais recursos precisamos para isso?
O planejamento de entradas-saídas pode ser usado quando a evolução da demanda (ou o número de usuários) é conhecida por um período mais longo. Por exemplo, o número de usuários de uma rede de transporte ou a evolução do número de jovens em diferentes níveis de educação. Também pode ser utilizado para setores que os estados de trabalhadores querem expandir rapidamente como prioridade (produção ecológica como parte de um plano de emergência para salvar o meio ambiente, a socialização das tarefas domésticas, etc.).
Com base na discussão democrática, pode ser decidida a parte do excedente destinada à educação, saúde, cultura, transporte público, esporte, infraestrutura, etc. Mas também o orçamento necessário para o cuidado gratuito de crianças, restaurantes públicos de bairro, lavanderias públicas, etc., para socializar as tarefas domésticas não remuneradas que ainda são feitas com frequência predominantemente por mulheres. Em todos os níveis do Estado de trabalhadores – desde os milhares de locais de trabalho até as assembleias regionais e nacionais eleitas da classe trabalhadora – haveria discussões. Isto se refletiria na imprensa dos trabalhadores através da oposição de pontos de vista e opiniões sobre os principais pontos do programa e do plano para estes setores.
Integrando níveis e formas de planejamento – uma resposta ao “problema da informação”
Dependendo da natureza do produto ou serviço em questão, o Estado de trabalhadores pode optar por diferentes formas de planejamento. Até certo ponto, estas poderiam ser herdadas do passado capitalista, mas com os elementos de planejamento autoritário removidos e substituídos pelo controle e gestão democrática de trabalhadores. Conselhos de trabalhadores e jovens nos locais de trabalho, bairros, escolas e representantes eleitos em nível regional, setorial e nacional irão administrar os setores-chave da economia.
Em princípio, a análise de entrada-saída pode ser usada hoje em dia para uma ampla gama de produtos e serviços. Os computadores podem ajudar muito com esta tarefa. Mas, na realidade, será uma discussão democrática que decidirá sobre o tipo de planejamento e controle e gestão dos trabalhadores a serem implementados. Quer o planejamento seja mais centralizado ou descentralizado, a democracia dos trabalhadores é sempre crucial para qualquer nível de planejamento. Um plano centralizado precisaria ser discutido, modificado e corrigido por uma democracia viva da classe trabalhadora de trabalhadores do setor, usuários e fornecedores.
Em setores onde há muita variedade de produtos – e onde mais produção significa muito mais entrada também – poderia ser decidido deixar o planejamento no nível da empresa nacionalizada e de seu conselho de trabalhadores. Mas então seriam necessárias medidas institucionais para evitar a concorrência entre as empresas nacionalizadas. Especificamente, faz sentido organizar conselhos setoriais de trabalhadores, ou conselhos setoriais subdivididos regionalmente, para discutir mudanças na produção em tal situação, para estender a produção de produtos de sucesso a outras empresas nacionalizadas, para reorganizar o emprego ou a duração da semana de trabalho, etc., sendo os interesses dos trabalhadores a preocupação central. Representantes do governo nacional dos trabalhadores devem estar presentes e fazer parte deste debate democrático. Quando as decisões são tomadas através do voto em uma empresa ou grupo de empresas, os marxistas apresentariam a ideia de um terço dos direitos de voto para os trabalhadores da própria empresa, um terço para os sindicatos ou representantes eleitos do setor e um terço para o governo dos trabalhadores, para refletir todos os interesses envolvidos.
Não se trata apenas de utilizar as maiores possibilidades tecnológicas de hoje para fazer com que o planejamento funcione. Nenhum algoritmo de computador com um grande número de variáveis pode ser feito eficiente sem o constante feedback de trabalhadores e usuários. Como disse Trotsky no livro “Revolução Traída”: “Sob uma economia nacionalizada, a qualidade exige uma democracia de produtores e consumidores, liberdade de crítica e iniciativa – condições incompatíveis com um regime totalitário de medo, mentiras e bajulação”.
Uma vez que uma economia planificada é dividida em vários setores econômicos e os subcontratados são integrados à empresa principal, não estaríamos falando de milhares de empresas para planejar em cada setor, mas mais provavelmente centenas. Estes setores poderiam ser planejados de forma centralizada, com representantes do setor ou através de conselhos de trabalhadores nas empresas nacionalizadas. Neste último caso, o processo precisaria ser conduzido e gerenciado por conselhos setoriais para manter a solidariedade de uma revolução socialista bem sucedida e evitar o beco sem saída da “autogestão” isolada.
Colocar as coisas sob esta luz muda as dimensões do chamado “problema da informação”, que é apresentado de forma ofuscante pela ideologia burguesa (e por alguns “socialistas de mercado” também). A ideia de “milhões de produtos produzidos por dezenas de milhares de empresas” lançada para sugerir a impossibilidade de “planejamento centralizado” cria uma imagem falsa. Não estamos falando de um grande “supercérebro” centralizado – ou de uma instituição de planejamento – lidando com a sobrecarga de informações de milhões de decisões econômicas diárias. Deve-se notar que a maioria dos produtos não interage com a maioria dos outros produtos. Embora possa haver uma sobreposição entre certos setores, é possível dividir a economia em diferentes partes, que são relativamente separadas. Quando isto está sendo feito, estamos falando de dezenas de instituições especializadas em planejamento. Estas, além disso, podem variar em relação aos graus de centralização. Elas podem ser altamente centralizadas, como para um plano de transporte público ou produção de aço. Ou podem ser mais descentralizadas, como no caso de bens de consumo.
Torna-se claro que não um, mas dezenas, e no total centenas de milhares, de “centros de planejamento” e cérebros, olhos e mãos de trabalhadores estão envolvidos em uma economia democraticamente planificada. Organizar a produção em cada setor no nível apropriado e com o tipo de planejamento mais adequado faria o planejamento funcionar. A tecnologia moderna ajudará muito com esta tarefa. Mas o controle e a gestão democrática dos trabalhadores são igualmente cruciais para uma economia saudável e planificada.
Peso decisivo para a propriedade pública e o papel do governo de trabalhadores
É claro que pequenas lojas com um punhado de trabalhadores não seriam nacionalizadas. Elas operariam sob as regulamentações sociais do Estado de trabalhadores. A decisão sobre quais empresas e de que tamanho nacionalizar precisaria ser tomada com base na abertura dos livros dessas empresas, a nacionalização dos bancos, etc. Mas a parte nacionalizada da economia precisaria representar a grande maioria da produção. Na Venezuela recentemente e na Nicarágua na década de 80, apenas uma minoria da produção foi nacionalizada e não baseada em conselhos democráticos de massa. Isto deu uma plataforma para a reação sabotar a economia e preparar a contrarrevolução política.
O governo nacional de trabalhadores estabeleceria através da discussão a parte relativa direcionada para o consumo e acumulação ou investimento. Poderia também determinar o tamanho de um “fundo de inovação” a ser mantido em uma empresa nacionalizada ou em um setor. Parte do salário dos trabalhadores seria o salário social ou indireto usado para pagar aposentadorias, assistência médica, subsídio de desemprego temporário para quando as pessoas são alocadas em outro emprego, etc. Outro papel do governo de trabalhadores seria o de controlar os preços. Os preços poderiam ser estabelecidos no nível central, setor ou empresa, de acordo com as normas contábeis socialistas. Se os preços não forem estabelecidos de forma centralizada, eles ainda poderão ser controlados com bastante facilidade por programas de computador e tecnologia da informação.
Um preço pode vir a ser diferente do preço no plano ou como prescrito pela norma estabelecida e isto pode ser um sinal para aumentar ou diminuir a produção e redistribuir recursos de outro nível de planejamento. Entretanto, um Estado de trabalhadores não funciona como uma máquina privada com fins lucrativos. Às vezes, o controle dos preços pode ser considerado necessário – junto com um excedente menor – por causa de considerações sociais enquanto os recursos estão sendo realocados.
E se um Estado de trabalhadores for boicotado pelo capitalismo internacional?
Alguns poderiam argumentar: o que acontecerá no caso de um boicote capitalista à revolução e de um governo de trabalhadores que vise a construção do socialismo? Especialmente com o crescimento nas últimas décadas das cadeias de produção mundiais? Na Bélgica, o novo PVDA/PTB de esquerda – o Partido do Trabalho – argumentou em sua revista teórica que as transformações fundamentais na economia e uma possível ruptura com o euro devem esperar os movimentos de massa em vários países europeus ao mesmo tempo, prontos para romper com o capitalismo neoliberal. Eles usaram o argumento de que a Bélgica é, em grande parte, dependente da eletricidade das grandes empresas francesas e que devemos evitar ser boicotados. A ASI na Bélgica chamou para um voto crítico no PVDA/PTB durante as eleições porque ela é a principal força no parlamento que luta contra os cortes e a ideologia neoliberais. Pensamos, entretanto, que esta perspectiva de uma ruptura com o capitalismo neoliberal é esquemática.
A ameaça de um boicote é, naturalmente, real. Mas esta abordagem subestima como uma verdadeira revolução socialista não seria apenas uma maioria de esquerda no parlamento, nacionalizando grandes setores da economia. Seria o poder concreto de trabalhadores e conselhos democráticos da classe trabalhadora assumindo o controle dos locais de trabalho. Estes conselhos nos locais de trabalho enviariam representantes eleitos dos trabalhadores e da juventude às assembleias regionais e nacionais de trabalhadores, enquanto estas novas estruturas se mobilizam para tomar o poder em suas próprias mãos e derrubar o capitalismo. A visão de tal poder democrático de trabalhadores transformaria imediatamente a consciência sobre a possibilidade e a realidade do socialismo em escala mundial. Estamos confiantes de que a classe trabalhadora francesa com suas tradições combativas seria incendiada por uma tentativa de qualquer ato bárbaro de sua própria classe dominante contra uma revolução em um país vizinho.
Uma revolução socialista democrática seria um evento que abalaria o mundo e lançaria, com seu governo de trabalhadores e oprimidos, um apelo de classe para romper com o capitalismo em outros países. Ele apelaria para greves contra tentativas de isolar economicamente e sabotar a revolução. Começaria a vincular-se economicamente com outros estados de trabalhadores revolucionários para contrariar qualquer tentativa dos capitalistas de subverter e descarrilar a transformação socialista da sociedade.
Lições do planejamento stalinista
O que deu errado com o planejamento stalinista, de cima para baixo, e o que podemos aprender com ele? A revolução russa de 1917 havia lançado conselhos de trabalhadores e de soldados que eram uma ameaça para a classe dominante em todo o mundo, pois eles ofereciam um exemplo concreto de um novo tipo de democracia socialista. Infelizmente, porém, a revolução russa permaneceu isolada em um país em grande parte camponês com um pequeno setor industrial.
Em meados dos anos 20, uma nova elite despótica em torno de Stalin começou a tomar o controle da economia planificada. Nessa época, os conselhos de trabalhadores haviam desaparecido em grande parte, enfraquecidos pela guerra e pela ruína econômica. As políticas econômicas da burocracia stalinista caracterizavam-se por ziguezagues burocráticos sem muita previsão, pois se equilibravam entre diferentes forças de classe, tentativas de autossuficiência econômica quase completa e métodos de cima para baixo ditatoriais.
Os gerentes de fábrica recebiam bônus baseados no alcance de metas físicas, o que encorajava o acúmulo de recursos e a subestimação do potencial produtivo. É revelador que em tal atmosfera, Stalin e a burocracia dependiam fortemente dos serviços secretos do Estado para obter uma imagem mais precisa do estado de espírito das massas e da situação econômica real. Em uma verdadeira democracia de trabalhadores, isto seria, naturalmente, um absurdo. A indústria pesada e a indústria bélica eram a maior prioridade para Stalin e para a nova elite. Mas a abertura dos arquivos também mostrou que o Politburo frequentemente tinha que organizar reuniões de emergência sobre o consumo das massas. Eles temiam uma reação quando o consumo ficasse muito atrás de outros indicadores econômicos.
Apesar dos horrores do stalinismo, a economia planificada permitiu que a Rússia se tornasse uma superpotência mundial. O PIB per capita cresceu por um fator de 4,1 entre 1928 e 1970, com um crescimento muito mais forte que o de países coloniais ou ex-coloniais comparáveis. Mas na década de 1970, o crescimento havia desacelerado. Os investimentos mal orientados minaram a produtividade. As despesas militares atingiram 16% do PIB no início dos anos 80. A forte ênfase nos militares arrancou especialistas técnicos do setor civil e a taxa de novas invenções na parte não-militar da economia caiu.
Nos anos 80, as estatísticas enganosas e a falta de conhecimento sobre a situação econômica real foram um fator importante na preparação do giro dos principais burocratas em torno de Gorbachev em direção ao capitalismo. É importante enfatizar que os elementos que derrubaram as economias planificadas stalinistas não existiriam necessariamente sob uma economia democraticamente planificada. A ênfase burocrática sobre a indústria pesada e os militares como prioridades, a falta de conhecimento real porque os trabalhadores não estavam organizados democraticamente e não podiam opinar, os burocratas deturpando a situação a seu próprio interesse material, o planejamento excessivamente centralizado que refletia a necessidade burocrática de um controle rígido sobre o excedente, etc. Tais elementos burocráticos precisariam ser eliminados por uma revolução política que estabelecesse a democracia de trabalhadores para que uma economia planejada se desenvolvesse de forma saudável.
“Mas onde está o incentivo?”
Os críticos capitalistas do socialismo nos dizem que as pessoas não sairão da cama com saúde gratuita, um salário mais alto e mais tempo livre. Não estamos de acordo, evidentemente. Pelo contrário, a sede por educação política e autodesenvolvimento cultural crescerá exponencialmente. A classe trabalhadora estará tão consciente e vigilante quanto a classe capitalista está hoje sobre qualquer coisa que ameace sua posição e seu padrão de vida. Uma classe trabalhadora revolucionária e consciente será a melhor garantia de produtividade, qualidade, eficácia, inovação e democracia.
É claro que o maior “incentivo” sob o socialismo será que as pessoas estarão seguras em seu trabalho, terão uma qualidade de vida muito melhor, mais tempo livre, um sistema de bem-estar social desenvolvido e a capacidade de moldar seu próprio futuro e o da sociedade através de comitês eleitos nos locais de trabalho, escolas, bairros, etc.
Se forem utilizados incentivos, eles devem ser coletivos em um setor ou nacionalmente. Os incentivos em nível de empresa nacionalizada, se tiverem muito peso, impedirão a disseminação da inovação e prejudicarão a solidariedade. Eles seriam um revés em comparação com o espírito de uma revolução socialista bem sucedida, que acaba de rejeitar todas as divisões entre os trabalhadores na luta pelo socialismo internacional. Incentivos coletivos mais amplos garantiriam que as empresas nacionalizadas bem-sucedidas enviassem seus especialistas a outras empresas do setor e – ao contrário do capitalismo – realmente beneficiaria a todos.
A atividade econômica no final, com o avanço da ciência e da tecnologia, se tornará uma parte menor da vida. Ao mesmo tempo, ela será a base indispensável para o desenvolvimento geral do indivíduo e da sociedade. Os produtores diretos, ou seja, os trabalhadores, não serão mais dominados pela produção – como sob o capitalismo – como uma força alienígena. Enquanto o capitalismo e sua crise se aprofundam, milhões escolherão o caminho da luta. Armar estas lutas com a necessidade de planejamento democrático de setores-chave da economia será crucial se quisermos organizar os trabalhadores e os jovens em torno de um programa que possa trazer mudanças fundamentais.