Cresce crise política no segundo mandato de Lula

O ano de 2007 termina mostrando as grandes debilidades do governo Lula, apontando para que seu segundo mandato, apesar do crescimento e estabilidade econômica, junto com uma base mais ampla do governo, será mais parecido ao segundo mandato de FHC, marcado pela crise política, lutas e instabilidade.

No dia 05 de dezembro finalmente, após mais de seis meses de crises e denúncias, Renan Calheiros (PMDB) renunciou do cargo de presidente do senado, para salvar seu mandato de senador da cassação.

Começou na ofensiva

Lula começou o seu segundo mandato indo pra ofensiva, lançando o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e com uma perspectiva de retomar as reformas neoliberais. Agora com as duas alas do PMDB apoiando o governo e uma perspectiva de crescimento maior, auxiliado pelo crescimento das exportações, o governo poderia sair do impasse que vinha desde a crise do mensalão.

Mas a realidade foi muito diferente. De um lado, vimos a retomada da resistência contra a política neoliberal, com um avanço das lutas. Por outro lado, o ano foi marcado por novas crises, de infra-estrutura (crise aérea, racionamento do gás no Rio de Janeiro e São Paulo), mas, mais grave ainda foi o aprofundamento da crise política, principalmente a longa crise do Renan e a dificuldade do governo votar a aprovação da prorrogação da CPMF.

Ainda que o governo, e principalmente Lula, mantenham apoio, ajudado pela estabilidade econômica, programas assistencialistas e a bancarrota da oposição de direita, esse quadro poderá mudar rapidamente com uma desaceleração da economia. Lula tenta propagandear ao máximo qualquer avanço, seja real ou fictício, mas na verdade para a maioria do povo a situação pouco mudou.

“Alto desenvolvimento”?

O governo saudou no novo Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, divulgado recentementente pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), no fim de novembro, que mostra que o país ingressou no grupo dos países considerados de alto desenvolvimento humano. Mas um IDH (índice de desenvolvimento humano) de “0,800” não mostra a realidade do país.

Um estudo recente mostra como a maioria dos habitantes do país ainda não tem esgoto e que 80% do esgoto que existe não é tratado. Em Belém, somente 6,3% da população está ligada à rede de esgoto. Quase metade da água potável produzida no país é desperdiçada. Apenas 6 das 27 capitais atende a população inteira com água potável. Porto Velho, por exemplo, só atende 30,6% da população.

Educação em caos

Apesar de toda a propaganda do governo sobre a educação, ela continua um caos. O Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) da OCDE mostra que entre os 57 países incluídos no estudo, o Brasil só atinge a 52ª colocação.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, tenta pregar paciência, dizendo que o que “plantamos hoje colheremos na década que vem”, mas a verdade é que o governo planta mais caos, aprofundando o sucateamento da educação. O governo quer, por exemplo, prorrogar a DRU (Desvinculação das Receitas da União) que permite que 20% das verbas garantidas na constituição para educação e saúde, sejam desviadas para o pagamento da dívida pública, quer dizer para os bolsos dos banqueiros e especuladores. O próprio Haddad afirma que nos últimos 12 anos a educação perdeu 50 bilhões de reais com a DRU.

Isso mostra também a hipocrisia do governo sobre a CPMF, dizendo que a saúde vai falir sem a CPMF, já que a prorrogação da DRU, que rouba verbas da saúde, foi lançada ao mesmo tempo que a prorrogação da CPMF.

Lula agora é magnata do petróleo?

Outro grande tema na propaganda foi o anúncio no dia 7 de novembro da “descoberta”, pela Petrobrás, da maior reserva de petróleo e gás do país, com 5,8 bilhões de barris no campo de Tupi.

Na verdade, o campo já era conhecido, mas o “anúncio” serviu para tentar abafar a crise atual do abastecimento de gás, que levou o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner a desaconselhar donos de carro a fazer conversão para gás. As reservas são consideráveis, mas a produção começará só em 2013.

O governo continua a política de abrir a exploração de petróleo e gás para o setor privado. A 9ª Rodada de Leilão das Reservas de Petróleo e Gás foi realizada dia 27 de novembro. 250 representantes de movimentos sociais ocuparam a sede na Agência Nacional do Petróleo em protesto. Foi suspensa a participação no leilão de petróleo 271 lotes em área próximas do megacampo de Tupi, mas só temporariamente.

O petróleo joga um papel mais e mais importante na economia brasileira. A estimativa que com o campo de Tupi o petróleo vai crescer de 16% (2006) para 20% do PIB daqui alguns anos (segundo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, Iedi). Em 1996 era 7%. Mas uma crescente parte dessa riqueza é entregue aos capitalistas brasileiros e estrangeiros.

A política de privatizar os recursos naturais é parte do neoliberalismo. Agora o governo Lula está planejando licitar reservas de água do país. Com o crescimento do setor agropecuário, o Brasil se tornou um enorme exportador de água. A agropecuária consome 70% da água do país. Lula pode falar de “12 milhões com sede”, argumentando contra o bispo Luiz Flávio Cappio, que retomou a greve de fome contra a transposição do rio São Francisco, mas esse é um enorme projeto para garantir maior parte dos reservatórios do país para a agroindústria.

“Lula privatiza melhor que FHC”

Durante o segundo turno das eleições presidenciais, Lula usou as privatizações como um dos principais argumentos contra Alckmin. Mas o governo Lula continua com as privatizações. Agora o argumento é diferente. Depois da recente privatização de novos trechos de rodovias federais, Lula argumentou que privatiza “melhor” que os tucanos.

Mesmo assim uma maioria da população é contra as privatizações, demonstra uma pesquisa do Estado/ Ipsos. Segundo a pesquisa, 62% dos brasileiros são contra as privatizações, e somente 25% a favor. 49% acha que foi “mal” as privatizações de rodovias e ferrovias de Lula, contra 35% que acharam que foi “bom”.

Desaceleração mundial afeta Brasil

No ano que vem o crescimento econômico, (ou melhor, a falta de) poderá se tornar o novo pesadelo de Lula. Os sinais de alerta sobre uma desaceleração da economia mundial soam cada vez mais alto, o que vai afetar a economia brasileira. As previsões são que o superávit no comércio exterior vai cair pela metade no ano que vem. O real forte torna mais difícil a exportação. No período janeiro-outubro as exportações aos EUA de produtos industrializados caíram em 7%, enquanto subiu em 29% para a União Européia.

Uma queda no crescimento vai levar ao aumento do desemprego e queda na renda dos trabalhadores novamente. Durante o crescimento dos últimos anos houve um certo aumento do crescimento da renda dos trabalhadores, mas é muito pouco comparado com o aumento dos lucros e não foram suficiente para repor as perdas dos anos anteriores.

No primeiro semestre de 2007, os trabalhadores conseguiram aumentos reais (acima da inflação) em 88% das negociações salariais. Mas desses ganhos, 60% ficaram abaixo de 1,5%. Compare isso com as empresas listadas na Bovespa, que nos primeiros nove meses aumentaram seus lucros em 45,6% comparado com o mesmo período de 2006.

Crise política atrasa as “reformas” de Lula

A perspectiva de uma queda no crescimento e a proximidade das eleições municipais fazem com que o governo fique com uma menor margem de manobra para implementar suas “reformas”. A crise da CPMF atrasou todas votações, inclusive o orçamento do ano que vem. A reforma política está parada e a reforma tributária que está pronta para ser apresentada foi adiada.

O Fórum Nacional da Previdência Social, que foi lançado para livrar o governo do ônus de uma nova reforma da previdência, não chegou a um consenso e o ministro Luiz Marinho diz que o governo mesmo vai apresentar a reforma. Isso em quanto uma pesquisa do instituto Sensus mostra que 73% da população é contra uma nova reforma.
As crises de corrupção continuam a colher vítimas. Além de Renan Calheiros, o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia (PTB), deixou o cargo dia 22 de novembro depois de ser denunciado pelo procurador-geral da República por envolvimento no mensalão mineiro (caixa dois usado na campanha a governador do hoje senador Eduardo Azeredo, PSDB).

Isso serve para mostrar como o PT e PSDB têm as mesmas práticas e parceiros corruptos. E em quanto o mensalão ilegal leva a queda de ministros, continua a prática de compra de votos via o mensalão legal, que vai sob o nome de “liberação de verbas”. Na tentativa de garantir uma maioria para votar a CPMF, o governo destinou R$ 645 milhões em verbas federais para atender emendas parlamentares durante o mês de novembro, comparado com 173 milhões em outubro, segundo dados do Siafi (sistema de acompanhamento de gastos da União).

Guerra de todos contra todos

A crise política afeta na verdade todos os partidos do poder. A base governista ficou mais instável. O PTB anunciou uma certa distância do governo, mesmo se mantendo na base governamental. Na ala “esquerda” do governo temos o bloquinho do PDT, PCdoB e PSB se posicionando para as eleições do ano que vem.

No PSDB, há uma disputa sobre como se posicionar sobre a CPMF, sendo que os governadores (Serra, Aécio e Yeda Crusius) querem a prorrogação desta. A relativa paz interna dentro o PMDB, com a expansão de cargos no governo, é temporária. Por cima de tudo, tem o espectro das eleições presidenciais de 2010. Diante dessa grande incógnita, é uma disputa de todos contra todos.
Esse cenário aponta para um 2008 mais turbulento que 2007. O governo consegue se manter muito por causa da falta de uma verdadeira alternativa. Por isso é uma tarefa chave para o PSOL ajudar a construir as lutas e dar continuidade à Frente de Esquerda de 2006 (PSOL, PSTU e PCB) nas eleições municipais, para fortalecer a construção de uma alternativa socialista. 

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