Esgotamento do Lulismo? As tarefas da esquerda em um momento de mudanças
A força demostrada pelo lulismo nos últimos anos tem representado a maior conquista por parte da classe dominante desde o final do regime militar. As ilusões nesse modelo significam também o obstáculo mais importante para a reconstrução de uma esquerda socialista de massas no Brasil.
O PIBinho de Dilma (crescimento do PIB de 2,7% em 2011 e expectativa de menos de 2% em 2012) acendeu um sinal de alerta. Dilma corre o risco de ficar atrás de FHC em termos de crescimento econômico. Alguns dos pilares fundamentais que sustentaram o lulismo nos últimos anos tendem a se deteriorar em meio à crise atual.
Um processo de esgotamento, ainda que lento e contraditório, do modelo lulista resultante das graves turbulências no cenário internacional e das contradições inerentes ao capitalismo brasileiro, tem uma importância fundamental para a oposição de esquerda ao governo. Novas tarefas e novos desafios se colocam de forma ainda mais aguda.
Limites da exportação de produtos primários
Uma das marcas centrais do período lulista foi o aprofundamento do modelo econômico baseado na prioridade dada à exportação de produtos primários para um mercado asiático em franca expansão. Isso garantiu um crescimento que, apesar de fraco em comparação com os períodos áureos de crescimento na história do país, ficou acima da média de FHC.
Esse crescimento, contraditoriamente, consolidou uma dinâmica retrógrada de reprimarização da pauta de exportações do país. Esse modelo primário exportador, além de ser historicamente vinculado à superexploração da força de trabalho e o aumento da desigualdade, provoca uma tendência clara em direção à desindustrialização do país e uma maior dependência.
O lulismo aprofundou uma tendência que vem desde FHC. Os produtos primários representavam 25% das exportações brasileiras no início da década de 90. Em 2010 já representavam 45%. Enquanto isso os produtos industrializados e bens de capital caíram de 70% das exportações no início dos anos 90 para 47% em 2010.
Nos dias de hoje, com o agravamento da crise internacional, incluindo a desaceleração da economia chinesa, esse modelo baseado na exportação de produtos primários não garante o dinamismo econômico anterior. Volume e preço das commodities exportadas tendem a cair. O modelo se mostra estruturalmente retrógrado e conjunturalmente ineficiente até mesmo do ponto de vista da classe dominante.
Consumo a crédito
Outro pilar do lulismo foi o estímulo ao consumo através da ampliação do crédito. O nível do crédito em relação ao PIB cresceu de 25% para quase 50% com Lula. Apesar do impacto no curto prazo, é evidente que há sérios limites para a continuidade dessa expansão. As dívidas têm comprometido, em média, 42% da renda familiar, segundo pesquisa recente. O nível de inadimplência só não cresce mais pelo caráter perverso do crédito consignado.
Se o crédito ao consumidor cresceu, os investimentos não seguem a mesma dinâmica. A proporção entre a formação bruta de capital fixo (investimentos em máquinas e equipamentos) e o PIB no último período chega a ser inferior até àquela observado na “década perdida” de 1980 (17% hoje para 19% naquele período). Um crescimento econômico baseado no crédito ao consumidor e não em investimentos produtivos apresenta poucas chances de se manter de forma prolongada e sustentável.
Nova classe média?
Para além das medidas de caráter compensatório e assistencial, como o “Bolsa Família”, há quem indique que a marca principal do lulismo foi a incorporação de milhões de brasileiros ao mercado de trabalho formal em conjunto com a elevação relativa do valor do salário mínimo.
Essa seria a base da formação do que os propagandistas do governo e do neoliberalismo chamam de “nova classe média” e que na verdade se trata de uma nova camada de trabalhadores que deixou uma situação de exclusão social extrema, mas que permanece no patamar de grande precarização. 95% das novas vagas de emprego geradas no último período tem uma remuneração máxima de 1,5 salários mínimos.
Com a desaceleração da economia, além do aumento do desemprego, há a tendência de queda na arrecadação, o que também afetaria a política de aumento do salário-mínimo. Com mais desempregados e cortes no reajuste do mínimo, a tendência é um retrocesso na tendência de ascensão social mesmo limitada para um setor dos trabalhadores mais pobres e excluídos.
Base de sustentação política e sindical
Outro sustentáculo fundamental para o modelo lulista tem sido a relação carnal entre governo e dirigentes das organizações sindicais e movimentos sociais cooptados. Foi fundamental para o modelo contar com a colaboração da burocracia sindical da CUT, Força Sindical, CTB, UGT, etc.
As escaramuças entre governo e burocracia sindical logo no início do governo Dilma em torno da política de reajuste do salário-mínimo, indicou dificuldades à frente. A atual onda de greves, protagonizada pelo funcionalismo federal, tem provocado uma situação onde mesmo as direções sindicais pelegas e governistas tem sofrido a pressão da radicalização de suas bases sindicais e têm sido levadas ao conflito com o governo.
Um setor da burocracia passa a teorizar que Dilma não tem a mesma sensibilidade que Lula para o movimento sindical. É verdade que Lula tinha mais autoridade para frear as lutas e cooptar/comprar lideranças. Mas, mesmo Lula protagonizou o um profundo ataque às lutas do funcionalismo no momento da greve contra a contrarreforma da previdência de 2003.
A tendência é que Dilma, em meio ao agravamento da crise, entre em conflitos mais profundos com o movimento sindical, abrindo espaço para a construção de novas direções combativas do movimento.
A construção das alternativas
É evidente que o modelo lulista ainda mantem importantes reservas de força. A própria figura de Lula, como um “Pelé no banco de reservas”, representa uma garantia de diante de qualquer desgaste mais profundo de Dilma, o governismo ainda terá fortes alternativas.
A fragilidade das alternativas de oposição ao governo também é um fator que contribui para a sobrevivência do lulismo. A direita tradicional de tucanos e demos viu seu projeto político e de classe ser sequestrado e aplicado com muito mais eficiência pelo lulismo.
A oposição de esquerda, encabeçada pelo PSOL, por sua vez, demonstra coerência e vê seu espaço crescer aos poucos ainda que de forma desigual no país. Ainda assim, a fragmentação das lutas e dos movimentos sociais combativos, a falta de um projeto político anticapitalista e socialista suficientemente elaborado e fortemente enraizado socialmente, junto com as enormes pressões eleitoralistas, colocam dúvidas sobre seu futuro.
É por isso que se torna ainda mais inadmissível que o movimento sindical e popular combativo e independente de governos e patrões continue ainda mais dividido e disperso. É preciso unir as lutas em curso e construir ferramentas organizativas unitárias do movimento sindical, popular, estudantil e de todos os setores oprimidos.
A esquerda socialista precisa estar unificada nas ruas e no processo eleitoral para levantar um projeto alternativo de poder para todos aqueles que lutam ou são afetados pela crise e os ataques do lulismo que começa a entrar em sua fase decadente.