É preciso defender o PSOL como partido socialista independente
A definição geral das alianças do PSOL nas eleições de 2012 foi feita na reunião do Diretório Nacional do PSOL de 16 e 17 de junho. Antes disso, ela havia sido preparada por uma resolução da Executiva Nacional em 18 e 19 de maio, e ela foi ainda complementada na reunião da Executiva Nacional de 16 de julho. Com as deliberações desta reunião, a “Resolução Política sobre o PSOL e as Eleições de 2012”, que havia sido aprovada (sem os nossos votos) no Congresso Nacional do PSOL de dezembro de 2011, foi alterada de modo significativo, e para muito pior.
A Resolução do Congresso disse o seguinte: “O Diretório Nacional avaliará caso acaso as alianças políticas e sociais que avançarem para além do acúmulo da Frente de Esquerda (PSTU e PCB), cabendo somente a essa instância a decisão final sobre a possível concretização de ampliações, tendo como parâmetros básicos a indicação da candidatura a prefeito (a) pelo PSOL e a firme defesa de nosso programa de profundas mudanças sociais e políticas”.
Ou seja: alianças eleitorais para além do PSTU e do PCB deveriam ser analisadas e aprovadas pelo DN caso a caso, isto é, tratadas como exceções. Fica, portanto, claramente excluída a ideia de um “arco de alianças” para além do PSTU e do PCB. Além disso, foram definidos parâmetros para os casos de coligação com outros partidos: “a indicação da candidatura a prefeito (a) pelo PSOL, e a firme defesa de nosso programa de profundas mudanças sociais e políticas”. Não foi dito que não haveria nenhuma exceção que fugisse destes parâmetros, mas ficou evidente que, se fosse o caso de haver alguma, ela seria uma espécie de “exceção da exceção”.
Ora, a reunião da Executiva Nacional do PSOL de 18 e 19 de maio aprovou por maioria uma orientação que começou a caminhar numa linha distinta: “(…) refutamos desde já qualquer aliança com partidos da direita, tais como: PSDB, DEM, PMDB, PR, PTB, PSD e PP. Conforme aprovado em nosso III Congresso Nacional, nos casos de alianças eleitorais que avançarem para além dos partidos que compuseram a Frente de Esquerda (PCB e PSTU), envolvendo partidos que estejam de acordo com nosso programa, e, portanto, em contradição com suas direções nacionais (tais como PV, PCdoB, PDT, PPS, PSB, PT e outros) deverão ser analisados caso a caso, avaliando os critérios já definidos por nosso Congresso”.
Assim, foram proibidas alianças com sete partidos – os maiores partidos que são, sem sombra de dúvida, partidos burgueses. Foram explicitamente admitidas alianças com vários dos principais partidos que compõem a base de apoio do governo federal, e ainda com o PV (que participa, em parte, do governo federal, mas também dos governos da oposição de direita tradicional) e o PPS, que tem sido um aliado firme do PSDB – partido com o qual, aliás, ele já cogitou sua fusão (fusão que incluiria também o DEM). E não foram explicitamente mencionados todos os outros partidos brasileiros – particularmente as chamadas “legendas de aluguel”. Entretanto, a interpretação que foi dada depois a esta resolução foi a de que o PSOL poderia se aliar com qualquer partido não explicitamente vetado – o que deixou a porta aberta para alianças com qualquer “legenda de aluguel”. É importante observar que alguns destes partidos estão entre os mais empenhados na defesa de políticas de direita, não sendo, portanto, “apenas” legendas de aluguel. É o caso, por exemplo, do PSC, partido que tem estado na linha de frente dos ataques aos sexo-diversos (LGBTs), aos direitos reprodutivos das mulheres e da legalização das drogas, condição necessária para combater a criminalização da pobreza. O PSC se coloca hoje no Congresso Nacional como a representação partidária mais acabada do fundamentalismo religioso mais conservador, que se alastra pais afora.
Na reunião do Diretório Nacional do PSOL de 16 e 17 de junho as propostas de coligações foram analisadas pela maioria dos membros de acordo com uma interpretação que adotou a orientação da Executiva Nacional de forma ainda mais permissiva. A ressalva de que as alianças com os partidos para além do PSTU e do PCB deveriam ser feitas apenas com setores que estejam “em contradição com suas direções nacionais”, que havia sido incluída para tornar esta absurda “abertura” do arco de alianças mais palatável, foi completamente desconsiderada. Este tema sequer foi mencionado na defesa das coligações aprovadas.
a) Propostas de coligações que incluíssem algum dos sete partidos explicitamente proibidos (PSDB, DEM, PMDB, PR, PTB, PSD e PP) foram rejeitadas.
b) As propostas de coligações com o PSOL como cabeça da chapa majoritária e sem algum dos sete partidos mencionados foram todas aprovadas, com uma votação em bloco. Não apenas não houve uma avaliação caso a caso, como não houve tampouco nenhuma avaliação de programa, nenhum argumento de setor do partido no município está “em contradição com sua direção nacional”. Os defensores da linha aprovada fizeram referência, várias vezes, a estes casos, chamando-os de “coligações dentro do arco de alianças aprovado pelo PSOL”. Ou seja, segundo este entendimento, o PSOL teria agora um arco de alianças que inclui não apenas o PT, o PC do B, o PDT, como ainda o PPS, PSC, o PRTB… A desobediência drástica da Resolução Política do Congresso do partido ficou evidente.
c) Com relação às propostas de coligações sem um dos sete partidos proibidos, e com outros partidos (que não o PSOL ou o PSTU ou o PCB) na cabeça da chapa majoritária, o setor majoritário do DN fez uma divisão em dois sub-blocos. Uma parte foi aceita, e outra não. Não foram dadas ao conjunto dos membros do DN explicações de por que em um sub-bloco as coligações foram aprovadas e, no outro sub-bloco, não. O mesmo procedimento, de divisão em dois sub-blocos, um aprovado, e outro recusado, foi adotado para o caso de coligações apenas proporcionais, isto é, sem nenhum (a) candidato (a) majoritário (a), igualmente sem explicação para o conjunto dos membros do DN sobre as razões da aprovação de um sub-bloco e da recusa de outro.
A reunião da Executiva Nacional de 16 de julho, que analisou casos que não haviam sido apreciados na reunião do DN, ou as reformulações das coligações já examinadas, adotou o mesmo procedimento: foram rejeitadas coligações que incluíam algum dos sete partidos proibidos, aprovadas automaticamente as coligações com o PSOL na cabeça de chapa e sem algum dos sete partidos proibidos, e divididas em dois sub-blocos as coligações em que o PSOL não ocupa a cabeça de chapa (quer por haver candidato (a) majoritário de outro partido, quer por não haver candidato (a) majoritário). As coligações de um sub-bloco foram aprovadas, as de outro rejeitadas, sem que as diferenças entre os sub-blocos ficassem claras.
É importante ressaltar que esta forma de tratar as coligações eleitorais, adotada pela maioria dos membros do DN-PSOL e da Executiva Nacional em contradição clara com a Resolução Política aprovada no Congresso, é muito mais permissiva do que tudo o que o PT fez antes de 2002. (Observação: ainda não está disponível a lista definitiva das coligações realizadas pelo PSOL; o que avaliamos foram as coligações aprovadas pelo DN e pela Executiva Nacional.)
A frágil maioria que mudou as regras
Sem qualquer mandato congressual, formou-se uma nova e frágil maioria do Diretório Nacional e da Executiva que aprovou um novo arco de alianças para o PSOL, composto por todos os partidos que existem no Brasil, com exceção de PSDB, DEM, PMDB, PR, PTB, PSD e PP. Foi aplicada a ideia autoritária de que basta ter maioria numa instância para aprovar qualquer coisa.
A nova maioria que se formou na direção nacional do PSOL é composta, basicamente, por dois grupos: a) os setores (que romperam recentemente com a maioria dos (as) militantes da APS) liderados pelo deputado Ivan Valente e pelo Senador Randolfe Rodrigues, aos quais se uniu o setor dissidente do Enlace; b) pelo bloco formado desde o Congresso do PSOL pelo MTL e pela dissidência do MES.
a) O Diretório Nacional foi formado a partir de um Congresso em que houve diferenças enormes nos critérios para eleição de delegados (as) – o caso mais evidente de um número de delegados (as) muito exagerado foi o caso do estado do Amapá, mas houve outros; estas diferenças de critérios inflaram a representação no DN dos setores que agora se aliaram para formar uma nova maioria.
b) O Diretório Nacional foi composto sem respeitar a resolução congressual, a que estabelece um mínimo de 40% de participação feminina, o que reduz sua legitimidade; de modo semelhante, a Executiva Nacional foi composta sem um mínimo de 30% de mulheres.
c) A grande maioria dos cargos preenchidos por militantes da APS no DN (e na Executiva) foram ocupados pelos setores liderados pelo deputado Ivan Valente e pelo Senador Randolfe Rodrigues, o que reforça a conclusão de que a composição do Diretório Nacional não corresponde a real correlação de forças na militância do partido.
d) A nova maioria inclui setores que flertam abertamente com outro projeto partidário, em torno da ex-senadora Marina Silva. Por isso, esta maioria se opôs a que se aprovasse na reunião do DN uma resolução de afirmação da candidatura própria do PSOL em 2014.
Lutar pelo PSOL como partido socialista independente
A maioria que se formou nas instâncias de direção nacional do PSOL coloca em risco a concepção do PSOL como partido socialista independente, e caminha na direção da transformação do PSOL em mais um partido institucional.
Mas a última palavra está longe de ser dada. De um lado, como já dissemos, esta maioria é frágil. De outro lado, constituiu-se uma frente de resistência às políticas que descaracterizam o PSOL. Na reunião do DN, foi apresentado um texto alternativo – “A nova conjuntura política e as tarefas do PSOL” – que expressou a visão de um partido colado nas lutas sociais, que afirmou uma política de alianças coerente e da candidatura própria em 2014.
No período imediato, até as eleições de outubro, a luta pela defesa do PSOL como partido socialista independente se dará nas ruas, no apoio às greves e ao conjunto das lutas sociais, e em uma participação eleitoral voltada para afirmar um perfil de oposição de esquerda.
Estamos em um novo momento político. O agravamento da crise internacional, com efeitos que começam a bater no Brasil, e o aumento de lutas e conflitos sociais, vão na direção oposta à que foi sugerida pelas deliberações da reunião do DN e das duas últimas reuniões da Executiva Nacional do PSOL. Estas deliberações estão em contradição com os novos acontecimentos mundiais e seus desdobramentos necessários no Brasil.
Nosso caminho é o da defesa do nosso patrimônio político coletivo, as ideias e bases fundamentais que deram origem, desde 2004, a um novo projeto de partido socialista, plural e democrático da classe trabalhadora brasileira. Isso significa aumentar a intervenção nas lutas sociais da classe trabalhadora, da juventude, das mulheres, do movimento popular, do meio-ambiente, contra a discriminação racial, contra a discriminação dos sexo-diversos (LGBTs). Aumentar o nosso engajamento para ajudar cada greve ou ação dos explorados diante dos ataques dos governos e do capital. Isso significa, nas eleições municipais, eleger vereadores e prefeitos do partido comprometidos com a luta para afirmar o PSOL como partido operário e socialista independente. Isso significa acumularmos posições no movimento e no partido para que esta luta se traduza na afirmação independente do PSOL, em 2014, com candidatura própria à presidência da República.
Estamos seguros de que, ao defendermos esta concepção de partido, de estratégia e de tática eleitoral estamos sintonizados tanto com os desafios da conjuntura quanto com o sentimento da grande maioria da militância partidária. No próximo Congresso do partido, daremos nossa contribuição para construir uma direção que esteja à altura de defender o projeto do PSOL.
19 de julho de 2012