”Água não é mercadoria”
Marzeni Pereira da Silva trabalha na Compania de Saneamento Básico de São Paulo, as Sabesp, onde ele é ativo no sindicato Sintaema. Ele é fundador do PSOL e candidato a deputado federal pelo partido em São Paulo.
Ele luta contra a privatisações e as PPPs e falamos com ele como a política neoliberal afeta a questão do saneamento e a água.
Explica o processo de privatização no mundo e no Brasil.
– Parte da política neoliberal e do consenso de Washington e de transformar a água em uma mercadoria e privatizar o setor de infra-estrutura.
– Em vários países isso levou a luta contra as privatizações. Na Argentina a privatização da água foi revertida com mobilização popular, que protestava contra o aumento de custo e baixa qualidade. Na Bolívia também.
– No Brasil as principais empresas de água e saneamento, a Vivendi e Suez da França e Thames Water da Grã Bretanha, atuam. Normalmente eles formam consórcios com empresas locais. Temos por exemplo Águas de Limeira ou Sanepar no Paraná. No último caso a maior fatia é do governo estadual, mais a administração está na mão da empresa privada. Três anos atrás a Suez comprou a empresa municipal de Manaus.
– Governo federal impulsiona esse processo. Em acordo com a política neoliberal os investimentos em água e saneamento foram incorporados nos gastos públicos, submetidos aos cortes para garantir o superávit primário proibindo empréstimos por exemplo da Caixa ou BNDES se não processo de privatização com ações privadas. Existe somente uma pequena verba federal e os governos locais tem que buscar recursos no mercado privado.
– Hoje grande parte do saneamento já é privatizado. Por exemplo a Sabesp de São Paulo, a metade das ações estão em mãos privadas. Além disso, grande parte do serviço é terceirizado para empreiteiras. Isso significa que a quantidade de trabalhadores da Sabesp foi reduzida bastante, e parte substituída por mão de obra precária.
O que significa as PPPs?
– As Parcerias Público-Privadas significa que o governo entra com a maioria dos investimentos, o setor entra com uma pequena parte e depois de pronto administra o serviço. De certa maneira as PPPs chega a ser piores que as privatizações. Na privatização comum a empresa privada fica com o lucro, mas também com o risco. Com a PPP o risco fica com o governo, que garante o lucro da empresa privada pelo contrato.
– As PPPs tendem a aumentar as tarifas, para garantir o lucro. Ou reduzem os lucros demitindo trabalhadores. A qualidade também é um problema, especialmente no setor de água. O setor privado pode ter alguma preocupação com a qualidade se o consumo depende disso. Mas água você não pode deixar de consumir.
Porque a água não deve ser privada?
– O nosso corpo é 70 por cento água. Ficamos totalmente a mercê da iniciativa privada com água privada. O que faz quem não pode comprar? A lógica privada existe já nas empresas públicas, que cortam o abastecimento depois de contas não pagas. Os governos estaduais e municipais brigam sobre quem que vai cuidar do saneamento, mas só para poder usar como moeda de troco, para vender.
– A água é um recurso natural de qual todos os seres vivos dependem. Ela não pode ser uma mercadoria, ter um valor econômico. Se não barramos as privatizações elas vão continuar, vão querer privatizar os rios etc.
Como é a situação do abastecimento de água e do saneamento?
– Aqui no Sudeste o abastecimento de água nas cidades e melhor. No estado de São Paulo chega a quase 100 por cento das cidades. O problema é a qualidade e o vazamento. Por causa de falta de investimento, a metade da água tratada e desperdiçado por vazamento. Mas o principal problema é o esgoto. Esgoto não trás lucro e é um investimento caro que não interessa muito o mercado. Em São Paulo 70 por cento da água de esgoto é coletada, e 60 por cento é tratada.
Qual é a conseqüência da falta de saneamento?
– Doenças. 80 por cento das internações poderiam ser evitadas com um saneamento e tratamento de água adequado. Na verdade, por cada 1 real de investimento em saneamento, você reduz o custo de tratamento médico com 5 reais! Mas não há interesse disso no mercado, pelo contrário, os donos dos hospitais não quer perder seu mercado.
Qual é o papel do agro-negócio nisso?
– Três quartos da água consumida hoje é consumida na agricultura. Grande parte disso é para exportação. Na verdade o Brasil é um grande exportador de água. Por cada quilo de arroz produzido você gasta 4.500 litros de água. Por cada quilo de carne bovina você gasta 20.000 litros de água!
– O agro-negócio não aceita nenhuma responsabilidade para garantir tratamento da água. Muito pelo contrário. Usam grandes quantidades de agrotóxicos que poluem os rios. Contribuem com o desmatamento que leva a erosão da terra que leva aos rios chegando a ser entupidos de areia. O desmatamento também afeta a chuva. Isso junto com as barragens que fazem para irrigação e poços artesianos leva a que os rios secam. Isso é que está acontecendo com os afluentes do rio São Francisco, que está morrendo.
– A transposição do São Francisco que o governo Lula quer implementar não é por preocupação pelo meio ambiente ou a população local. É por demanda empresarial, do agro-negócio e do hidro-negócio (criação de camarão, peixe etc).