A luta contra a privatização da CEDAE no Rio de Janeiro
O projeto de lei 2.345/17, que autoriza a venda de 99,9% das ações da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE), como condição para viabilizar um empréstimo de R$ 3,5 bilhões do Governo Federal ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, como parte da solução para o estado de calamidade financeira, foi votado pelos deputados da ALERJ no dia 20 de fevereiro. Em uma seção extraordinária, cheia de atropelos, em tempo recorde de cinco minutos, o PL foi aprovado depois de vários adiamentos, frutos da mobilização contrária feita pelos servidores públicos estaduais.
Os trabalhadores da CEDAE, juntamente com os representantes do MUSPE (Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais), foram impedidos de entrar nas galerias da ALERJ para acompanhar a votação. Do lado de fora da ALERJ, sofreram dura repressão da Força Nacional e do Exército, que foram enviados pelo governo Temer a pedido do governador Pezão, estabelecendo um verdadeiro Estado de Exceção. Em entrevista ao jornal Ofensiva Socialista, o sindicalista, trabalhador da CEDAE e militante da LSR Ary Girota, destaca as consequências da privatização.
Qual a relação da privatização da CEDAE com o impeachment do Pezão?
Essa possível cassação da chapa Pezão/Dornelles, votada no TRE a partir de uma ação por iniciativa do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) em 2014, confirma a ilegalidade e a imoralidade de um governo que dilapidou os cofres públicos para se manter no poder. Entramos também com o pedido de impeachment porque Pezão, baseado em uma manobra política, tenta mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal a seu favor, com a chancela e apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), para que ele possa contrair novos empréstimos.
Qual é a realidade da CEDAE hoje em termos de estrutura, trabalhadores e ativos?
Nós somos uma empresa com 5.877 trabalhadores ativos e aproximadamente 3.500 trabalhadores terceirizados, atendemos 64 municípios do Estado do Rio de Janeiro. Tivemos um lucro aproximado de R$ 400 milhões e entregamos dividendos na ordem de R$ 80 milhões em 2016. De 2011 até aqui, já tivemos R$1,5 bilhão de lucro.
Ou seja, somos uma empresa superavitária e não utilizamos nenhum recurso do Tesouro e financiamos nossas obras.
O que necessitamos é de mais atenção é no sentido de que as políticas públicas tenham um viés social. A CEDAE tem que cumprir esse papel com mais coerência e empenho. É óbvio que isso é de responsabilidade do governo do Estado, que interfere nos rumos da empresa. Para se ter uma ideia, parte das obras dos Jogos Olímpicos foi financiada com o dinheiro da CEDAE.
Ainda não temos ideia de um valor patrimonial da empresa. A sensação que dá é que estamos pedindo um empréstimo de R$ 5 mil e entregando como garantia um carro de R$ 150 mil. Ou seja, quem comprar as ações da CEDAE por R$ 3,5 bilhões, estará comprando a expansão do sistema, comprando Guandú II, obra de ampliação e universalização da água na Baixada Fluminense, financiada pela Caixa Econômica Federal num valor aproximado de R$ 3,4 bilhões, e levando de gorjeta todo o sistema de produção e distribuição de águas instalado no Complexo do Guandú, complexo de Laranjal (Tratamento e distribuição de água) no Leste Fluminense, com milhares de quilômetros de redes de distribuição de águas que atendem um número aproximado de 12 milhões de pessoas. Na área de tratamento de esgotos, temos ainda as redes de coleta e tratamento de esgotos que compõem o sistema, com Estações de tratamento e Elevatórias de Esgotos com quilômetros de redes instalados e operantes que sequer foram mencionados na avaliação patrimonial.
A que se deve essa centralidade na privatização da CEDAE?
A centralidade dessa privatização, ao que tudo indica, vem de um projeto de privatização do saneamento no Brasil. Um projeto do capital rentista, das empreiteiras – não por acaso, parte delas, como a Carioca Engenharia e a Queiroz Galvão, compõem o grupo Águas do Brasil e estão envolvidas na Lava Jato.
Estima-se que se tenha algo por volta de R$ 508 bilhões destinados ao saneamento no Brasil inteiro. As empreiteiras, portanto, estão de olho nesse dinheiro. As empreiteiras querem abocanhar esse dinheiro que será fornecido pelo Ministério das Cidades para o saneamento e, além disso, vão continuar a lucrar com a cobrança do serviço.
Além disso, se eles conseguem entregar a CEDAE, qualquer empresa estadual será mais fácil de ser entregue.
Como isso pode prejudicar os serviços de fornecimento de água e esgotamento?
Na medida que a privatização acontece, a busca pelo lucro vai impedir que as comunidades mais carentes, mais periféricas, tenham acesso ao saneamento básico. Nós temos uma prova aqui no RJ: a AP5, que vai de Deodoro até Pedra de Guaratiba, era uma área operada pela CEDAE e entregue à prefeitura do Rio em 2009. A prefeitura, por conseguinte, entregou à iniciativa privada. No contrato de concessão, esse grupo não tem obrigação de atender nas comunidades mais pobres e periféricas. E isso gera um conflito: a CEDAE não opera mais o sistema, mas é a responsável por levar o serviço a essas comunidades.
Por outro lado, nós temos o exemplo de Niterói, que há 17 anos foi privatizada e presta um serviço razoável. Mas eles não falam, por exemplo, que a empresa não conseguiu acabar com o lançamento de esgotos nos rios da cidade. Até os rios que cortam Icaraí, área nobre da cidade, são valões de esgoto. Muita gente defende a tarifa mais barata cobrada pela empresa em Niterói (R$ 2,70/m3), mas o que eles não contam é que compram por R$ 1,51/m3 por uma imposição contratual que obriga a CEDAE a entregar a esse valor. Ou seja, o Estado subsidia uma empresa privada. Isso afeta os cofres públicos.
No geral, a privatização, ao passar do tempo, precariza as relações de trabalho, há uma rotatividade muito grande de trabalhadores e, consequentemente, falta de memória do que foi realizado, precarização na manutenção e reparos. A busca do lucro vai fazer com que, ao longo do tempo, a qualidade caia e uma das coisas mais graves, a ausência de controle social que está prevista no marco nacional do saneamento (Lei 11445/2007). Numa empresa privada, esse controle vai ser limitado. Como empresa pública, a população pode e deve opinar sobre a empresa. Estamos perdendo um patrimônio do Estado do Rio de Janeiro.
Por que os deputados votaram a favor da privatização da CEDAE?
O Estado do Rio de Janeiro vai na contramão da história. No cenário mundial, as empresas privadas têm perdido espaço nos outros continentes e nos outros países. Muitas cidades reestatizaram ou remuncipalizaram seus sistemas porque, ao longo dos vinte anos, o saneamento básico não combina com lucro econômico. Por isso, as cidades estão retomando os seus sistemas. O atendimento a população tem que prevalecer. E quando o objetivo é a busca por lucro, o serviço fica prejudicado e quem sofre é a população.
Mais de 200 cidades em 37 países do mundo retomam o controle da água e do saneamento básico, porque isso não combina com lucro econômico. Grandes mobilização impulsionaram nessa direção, como a chamada Guerra da Água em 2000 em Cochabamba, na Bolívia, contra a privatização da água, ou agora na Irlanda onde um boicote barrou a introdução de taxas cobradas pela água.
Pezão conseguiu os 41 votos para a venda da CEDAE na lógica de loteamento de cargos e de troca de favores com os deputados, o velho clientelismo politico. Muitos dos que receberam cargos recentemente são parentes dos deputados que mudaram de posição nos últimos dias da votação.
E agora, o que fazer?
Continuar as mobilizações para barrar a implementação do projeto de privatização da CEDAE. Durante o ano de 2014, a crise hídrica fez com que 1.265 municípios de 13 estados das regiões nordeste e sudeste decretassem situação de emergência – ou seja, o tema da água é vital nos próximos anos e não vamos deixar que empresas privadas controlem esse importante recurso natural. Continuaremos na luta!