Uma candidatura para as lutas, militante e socialista

MIGUEL LEME fala sobre o papel do PSOL nas eleições

Por que ser candidato num momento de tanto descrédito e desprestígio da ação política parlamentar?

De fato existe uma crise política profunda no país. O episódio do mensalão, os sanguessugas, ‘caixa 2’, a impunidade e tudo que estamos vendo, são um reflexo direto de um regime político podre que, por sua vez, também reflete um sistema econômico, capitalista e neoliberal, que é decadente e sem futuro.


O velho PT foi varrido pela lógica degenerada do neoliberalismo na política e na economia. Mensalão e superávit primário pra pagar a dívida são os dois lados da mesma política. A perda do PT teve um impacto na consciência. Mesmo as camadas mais conscientes dos trabalhadores e da juventude foram afetadas ao ver sua principal referência política passar para o lado de lá.

Uma das conseqüências são as dificuldades enfrentadas nas lutas concretas dos trabalhadores e outros setores. A falta de uma alternativa política global organizada, um norte político mais amplo, conduz à fragmentação das lutas reivindicatórias e isso bloqueia o caminho das vitórias. Perde-se assim a percepção de força da nossa classe, da nossa luta coletiva.

Isso provoca um ceticismo grande que se reflete não apenas na descrença em relação ao processo eleitoral, mas também no plano das próprias lutas. Com a exceção de um pequeno setor, a maior parte daqueles que tendem ao voto nulo, branco ou abstenção no Brasil de hoje não o fazem para priorizar a luta direta, mas sim refletindo um ceticismo generalizado.

Nesse contexto, apresentar uma alternativa de esquerda e de classe no campo eleitoral ajuda na difícil tarefa de recompor a alternativa política global de esquerda que a luta dos trabalhadores tanto precisa. Isso ajuda nas lutas, mais do que chamar pelo voto nulo ou algo do gênero.

As perspectivas para as lutas seriam muito mais complicadas sem candidaturas como a de Heloísa Helena nacionalmente ou Plínio de Arruda Sampaio em São Paulo. Melhor ainda que sejam candidaturas que reflitam não apenas o enorme esforço do PSOL, que joga um papel protagonista, mas também uma Frente que envolve outros partidos da classe trabalhadora, como o PSTU e o PCB. Essa demonstração de unidade, com todos os problemas, é muito importante.

É claro que essa alternativa no campo eleitoral tem que servir para elevar o nível de consciência dos trabalhadores, acumular forças para a luta e a resistência e levantar um programa alternativo conseqüente. Nisso ainda há muitas divergências entre nós, no interior do próprio PSOL e na Frente de Esquerda. Não devemos subestimar essas diferenças, pois podem ser fatais. Mas, de qualquer forma as candidaturas da Frente representam um enorme passo adiante. Veja os resultados de Heloísa, a capacidade de interlocução com um amplo setor, o renascimento da esperança, a quebra da falsa polarização entre PT e PSDB. Tudo isso é muito bom.

Minha candidatura reflete essa visão. De um lado apoiar e construir uma alternativa que ocupe o terreno eleitoral para ajudar na luta de nossa classe e, de outro, um instrumento que sirva inclusive para defender uma política claramente socialista, militante, democrática no campo do próprio PSOL e da Frente de Esquerda. A resposta até agora tem sido muito boa.

De que divergências você fala? Como é defender essa política no campo do PSOL e da Frente? Que significa isso?

Bem, em primeiro lugar é importante insistir que as candidaturas do PSOL e da Frente representam uma conquista. Nós lutamos duro pela legalização do PSOL e agora vemos como foi correto batalhar por isso.

A questão é que quanto mais o PSOL e a Frente crescem nas pesquisas de opinião, mais crescem as pressões para enfatizar um perfil de ‘viabilidade’, no sentido de que “podemos governar” e coisas do tipo, em lugar de uma campanha para usar toda a autoridade de Heloísa e das grandes figuras públicas do PSOL para ganhar setores de massas para uma estratégia de ruptura com o grande capital e por uma alternativa socialista.

Esse é o grande dilema clássico da esquerda socialista. Intervir no processo eleitoral burguês com bons resultados, mas ao mesmo tempo não adaptar-se à sua lógica limitada e contrária à estratégia de ruptura. Esse é o dilema do PSOL também.

A campanha do Plínio em São Paulo, com grande esforço do próprio candidato e alguns setores do partido, apesar de um semi-boicote de outros, é pautada pelo esforço de usar as eleições para reconstruir a esquerda em bases adequadas, um programa anti-capitalista e a necessidade da luta de massas para resistir aos ataques e conquistar vitórias. A campanha nacional, por sua vez, é muito mais ambígua. Há uma pressão para que o discurso seja mais para não assustar o eleitorado dito “não ideológico” ao invés de tentar trazer esse setor para nossas posições.

Além da trajetória de Heloísa, só o fato de se apresentar contra Lula e Alckmin confere à sua candidatura um perfil combativo e de oposição que é reconhecido por milhões de brasileiros. Isso por si só já confere à sua candidatura uma importância histórica. Mas nós entendemos que é preciso levantar certas discussões sob risco de ver o projeto do PSOL e da Frente de Esquerda ameaçados num futuro bem próximo.

Há uma forte pressão para dissolver o partido na campanha eleitoral. Isso fortalece a concepção de que o PSOL não passa de uma legenda utilizada por diferentes candidatos e correntes. Isso é muito ruim e ameaça o futuro da recomposição da esquerda no Brasil de forma parecida com os problemas enfrentados em outros países.

O programa também é algo central. Não dá para usar a campanha eleitoral para estabelecer novas bases para uma esquerda coerente no Brasil sem clarificar a questão do programa e, muitas vezes, o discurso e a retórica utilizada na campanha nacional não refletem o acúmulo já conquistado pelo partido na direção de uma alternativa anti-capitalista, anti-imperialista, de classe e socialista.

No PSOL, minha candidatura e a atuação do Socialismo Revolucionário vão no sentido de construir um caminho de superação plena do PT. Defendemos um partido democrático que se construa com base na ação militante consciente de seus membros e não uma mera frente eleitoral ou frente de tendências. Buscamos construir também um programa e uma estratégia socialistas, que vinculam as reivindicações imediatas com a necessidade de romper com o capitalismo neoliberal e o imperialismo e apresentar o socialismo como alternativa.

O que é, para você, sair vitorioso dessa campanha eleitoral?

Nosso objetivo central é avançar na organização da resistência contra os ataques neoliberais que inevitavelmente virão no próximo período. A campanha serve para isso. Eleger parlamentares é bom se servir para isso. Mas, divulgar um programa alternativo e recolocar as posições classistas e socialistas na cena política é fundamental.

No nosso caso em particular, queremos mostrar como uma luta conseqüente em defesa da educação e dos direitos dos trabalhadores e jovens implica na ruptura com o grande capital. O não pagamento da dívida interna e externa aos grandes tubarões capitalista é uma necessidade para garantir vagas para todos, qualidade e democracia nas escolas e universidades.

Nós falamos claramente em não pagar a dívida, romper com a lógica do grande capital e tornar públicos e colocar sob controle dos trabalhadores os setores estratégicos da economia. Estamos usando a campanha para divulgar esse programa e construir uma alternativa de classe em torno dele. Nesse sentido tenho certeza que seremos vitoriosos.