Pinheirinho, a batalha pela moradia

A desocupação do Pinheirinho pode ser vista como um dos momentos nos quais o “tecido social” se rasga, mostrando as entranhas do sistema capitalista.

O Estado na sua esfera de poderes municipal e estadual agiu no âmbito do executivo e judiciário, usando do artifício do engano e da traição, sem amparo da lei, para atacar aquilo que juridicamente deveria defender. Bens como a dignidade humana, o direito a moradia, a integridade física, psicológica e o patrimônio de cerca de seis mil pessoas, foram ignorados em favor dos interesses de um conhecido criminoso de colarinho branco e da especulação imobiliária da região.

Em outras palavras o Estado não só derrubou a máscara, mas foi além, mostrando a sua faceta mais autoritária e violenta, quando defende os interesses dos ricos burgueses contra o dos trabalhadores pobres.

A reação ao ataque

Na véspera da desocupação o clima era de festa. A resistência dos moradores obteve conquistas, avançando na busca de apoios. Parecia concreta a possibilidade de desapropriação da área e regularização das moradias num prazo relativamente curto. Esta era a avaliação dos moradores e da militância diretamente envolvida, pautada também nos avanços da negociação, que contava com o apoio de parlamentares apoiadores do Pinheirinho.

A realidade mostrou que tínhamos dois erros fundamentais: confiança na via institucional e no cumprimento de acordos pelos representantes do Estado burguês. Erro este compartilhado por todas as forças políticas envolvidas na luta do Pinheirinho. Tal balanço se faz necessário para o aprendizado, a fim de evitar que o erro se repita no futuro.

Todavia, um fator positivo, fruto da resistência dos moradores do Pinheirinho, foi a rápida articulação da esquerda organizada e dos setores mais amplos da sociedade. Defensores dos direitos humanos, profissionais de diferentes áreas que denunciaram as arbitrariedades que aconteciam em São José dos Campos, o cidadão comum indignado com a injustiça tomou partido. O fato repercutiu no país e no mundo, mesmo contra toda uma corrente reacionária conduzida pela maioria da imprensa oficial. No sentido de divulgação vale ressaltar a importância que teve as redes sociais para furar o cerco midiático e o bloqueio à informação imposto pelas autoridades.

Diante da pressão o governador de São Paulo teve que dar explicações e anunciar uma bolsa aluguel para os desalojados, numa tentativa de diminuir o desgaste político que tiveram, possivelmente além de seus próprios cálculos.

Unidade de esquerda e apoio na sociedade

A reação ao ataque teve seu momento de maior expressão num ato público nacional que levou cerca de 5 mil pessoas às ruas de São José dos Campos no dia 02 de fevereiro. Sem dúvidas um dos maiores atos da história do município. A esquerda combativa, ainda hoje fragmentada na sua organização sindical e de movimentos populares, aglutinada em pequenos partidos e organizações, uniu-se incondicionalmente para combater o ataques da burguesia.

É muito provável que mais de um milhão de pessoas somente no Vale do Paraíba tenha recebido informações sobre o Pinheirinho e se posicionado acerca dos acontecimentos. Alguns milhares participaram de alguma forma na defesa do Pinheirinho e posteriormente dos desalojados. Diversos protestos foram realizados no Brasil e no mundo. Passeatas, panfletagens, protestos de artistas em eventos oficiais, denúncia nos parlamentos, denúncia de violação dos direitos humanos à OEA e à Corte Penal Internacional encaminhadas por manifesto de juristas, vídeos denúncia que circularam também internacionalmente, ativismo na internet, campanha de solidariedade aos desalojados, entre outros, revelam a dimensão que assumiu esta luta.

Frente a essa mobilização a principal bandeira levantada foi a de desapropriação imediata da área do Pinheirinho através de decreto presidencial. No entanto, nenhuma atitude neste sentido foi tomada. Uma desapropriação da área seria uma vitória grandiosa para a classe trabalhadora e representaria risco para os projetos das grandes empreiteiras e setores da especulação imobiliária, sobretudo aos relacionados às obras dos megaeventos esportivos. Não podemos ignorar o fato de que as desocupações serão regras nos próximos anos e tudo isso com o apoio da presidência.

Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken formaram o consórcio ganhador da licitação para construção do “Parque Olímpico”, previsto para ser construindo no Rio de Janeiro numa área onde vivem cerca de 4 mil pessoas de uma comunidade pobre chamada Vila Autódromo.

Não por acaso são grandes financiadores de campanhas eleitorais daqueles que governam e governarão de acordo com os interesses econômicos destas construtoras. A desocupação desta área está prevista, mas a contrapartida de moradia dignidade para aqueles que lá vivem não faz parte do projeto.

Pinheirinho hoje

Os cerca de 6 mil moradores desalojados do Pinheirinho, que não tiveram a precária solução de irem para casa de familiares, despreparadas para isso, foram encaminhados para “alojamentos” sem nenhuma estrutura para cumprir esta função. A tática adotada pelo Estado, que continuou desrespeitando direitos básicos de milhares de crianças, velhos, homens e mulheres, foi de dispersar as pessoas afim de evitar um desgaste maior para sua própria imagem.

Foram “montados” diversos “abrigos” que aos poucos foram se esvaziando, em parte por conseguirem, com muitas dificuldades, algum lugar para morar com o auxilio da bolsa aluguel. Atualmente resta somente um desses chamados abrigos. A prefeitura pretende transferi-las para o alojamento central da cidade, no qual dividirão espaço com moradores em condição de rua que diariamente dormem lá. Nenhuma assistência maior foi prestada às famílias que ainda contam com solidariedade para terem itens básicos à vida.

Um dos imensos estragos causados foi o dano psicológico à milhares de crianças que presenciaram a violência policial e tiveram suas casa destruídas. Estas precisam de um acompanhamento psicológico imediato. Portanto, há necessidade de continuar a luta e toda rede de apoio para reparar os danos causados, punir os responsáveis por esta barbárie e avançar num sentido definitivo da conquista da moradia digna para os Pinheirenses.

Novos Pinheirinhos

A luta por moradia para os trabalhadores é histórica e ganha novos impulsos. O MTST realizou em Embú das Artes e Santo André duas ocupações com mais de 1,2 famílias, chamadas de “Novo Pinheirinho”. A Vila Autódromo já está organizada para resistir ao futuro despejo assim como outros tantos programados em todo Brasil. Sem dúvida a resistência do Pinheirinho serviu de exemplo e tem contribuído para chamar a atenção para ausência ou ineficácia das políticas públicas de moradia popular e o verdadeiro massacre programado contra muitos trabalhadores pobres em favor dos grandes interesses econômicos. Tais fatos apontam para uma maior polarização da luta de classe no terreno dos movimentos urbanos por moradia. Preparar para as futuras batalhas neste campo é tarefa fundamental das mulheres e homens que lutam por uma sociedade justa e socialista.

Apoiamos e continuaremos apoiando cada uma dessas lutas em busca da moradia e de condições dignas de vida para toda classe trabalhadora. Somos todos Pinheirinho! 

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