Economia brasileira – dos “BRICs” aos “5 frágeis”
O resultado do PIB (a soma de tudo que é produzido no país num ano) de 2013 registrou um crescimento de 2,3%, comparado com o 1% de 2012. Porém, vários outros indicadores apontaram para os piores resultados em uma década ou mais.
Isso explica por que o governo federal está numa linha de arrocho fiscal, com um novo pacote de cortes de 44 bilhões de reais, apesar de ser um ano eleitoral – o que não significa que não podem abrir as torneiras para evitar problemas nas eleições ou mesmo na Copa. O cenário que está se desenhando é de grandes ataques depois das eleições para tentar recuperar a competitividade das empresas brasileiras e credibilidade no mercado financeiro. Vai vir chumbo grosso com novas contrarreformas que atacam os direitos dos trabalhadores, mais ajuste fiscal, privatizações, etc. É para isso que precisamos nos preparar.
Desindustrialização
A indústria continua a patinar. O crescimento da produção industrial no ano passado foi de 1,2%, abaixo do PIB, e não recuperou nem a metade da queda de 2012 (de 2,5%).
O fraco desempenho da indústria se reflete na balança comercial (exportações menos importações), que teve o pior resultado desde o ano 2000, com um pequeno superávit de 2,6 bilhões de dólares. Mesmo esse pequeno superávit só foi garantido com uma “contabilidade criativa”. Na verdade seria um déficit, se não fossem contabilizadas como “exportações” plataformas construídas no Brasil para uso da Petrobras aqui mesmo, mas vendidas para uma empresa no exterior no valor de 7,7 bilhões de dólares e alugadas para a Petrobras.
A política dos governos Lula e Dilma tem sido de favorecer as exportações de matérias primas e o agronegócio em detrimento da indústria, que sofreu com perda de competitividade nos anos de dólar fraco. Em 2006, o saldo da indústria no comércio com o exterior ainda era positivo, de 29,8 bilhões de dólares. Já em 2013, o resultado alcançaria valor negativo de 59,7 bilhões, mostrando que boa parte do aumento de consumo foi baseado em mercadorias baratas da China, o que penalizou a indústria doméstica.
Se olhamos para a “conta corrente” (uma medida mais ampla das relações com o exterior, que além da balança comercial inclui por exemplo, pagamento de juros, remessa de lucros, etc.), ela vem acumulando um déficit crescente desde 2008. No ano passado o déficit bateu novo recorde em números absolutos, com 81,4 bilhões de dólares, equivalente a 3,7% do PIB (o pior na comparação com a economia inteira desde os -4,2% de 2001).
Fuga de dólares
Isso só já não gerou uma grande crise por que o houve um grande influxo de dólares cobriu esse buraco. Mas no ano passado esse fluxo mudou de direção. Segundo o Banco Central, o Brasil teve uma fuga de 12,3 bilhões de dólares no ano passado, a maior desde 2002. Isso por sua vez se refletiu na bolsa de valores brasileira, que teve o menor desempenho entre as maiores bolsas, com uma queda de 15,5% no ano, já que os investidores internacionais vendiam suas ações.
Essa fuga de dólares aponta que o novo ciclo de aumento de juros, já iniciado ano passado e deve se manter por mais um tempo, não só para segurar a inflação, mas também para evitar uma fuga maior de dólares.
A geração de empregos foi a mais fraca desde 2003. Novamente a indústria, que tem salários mais altos que na área de serviços, onde tem sido gerado a maioria dos novos empregos, é quem puxa para baixo. O emprego na indústria brasileira fechou o ano de 2013 com queda de 1,1%, segundo o IBGE, seguindo a queda de 1,4% em 2012.
O alto endividamento das famílias e a inflação continuam a contribuir para um fraco desempenho do consumo. No ano passado, as vendas do Natal cresceram no menor ritmo em 11 anos, segundo o Serasa Experian. Segundo cálculos do Capital Economics de Londres, as famílias brasileiras usam 20% de sua renda para pagar dívidas –15% a mais do que as famílias estadunidenses pagavam antes de estourar a crise das dívidas!
Impacto da crise mundial
Esses dados negativos têm a ver com os limites do modelo de crescimento brasileiro e a crise internacional do capitalismo. Esse ano começou com uma grande turbulência no mercado cambial no mundo, com as moedas em vários países sofrendo uma forte queda contra o dólar. Na Argentina o peso teve a sua maior queda desde crise da dívida em 2002. Houve desvalorizações importantes também na Turquia, Índia, Rússia, África do Sul e outros países. A maioria são países que tiveram um período de crescimento baseado em exportações de commodities e influxo de capital estrangeiro, como o Brasil, mas agora enfrentam problemas com a crise.
São dois processos que afetam esses países: a desaceleração na China que leva a uma queda na demanda das commodities e o fato que o banco central dos EUA, o Fed, está diminuindo a quantidade de capital que injeta nos mercados a cada mês, o que faz com que está diminuindo a abundância de capital barato.
O Brasil também é afetado por esses fatores e no ano passado o real perdeu 15% do seu valor diante o dólar (sem que isso tenha ajudado as exportações, barateando mercadorias brasileiras, mas sim aumentando a inflação, já que as mercadorias estrangeiras ficam mais caras). Isso fez com que o Brasil agora faça parte do que o mercado chama de “os 5 frágeis”, com Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia.
Crise asiática de novo?
Muitos comparam a situação atual com a crise asiática de 1997, com fortes quedas de valores de moedas e fuga de capitais, que no ano seguinte atingiu a Rússia e em 1999 o Brasil. O contexto agora é de crise econômica mundial, o que agrava a situação. Por outro lado, no caso do Brasil, o país fechou o ano com uma reserva cambial de 359 bilhões de dólares (queda de 14 bilhões comparado com 2012) e tem ainda certa gordura para queimar. Mas numa crise mais profunda, com uma aceleração na fuga de dólares, isso não será uma garantia infinita. O governo argentino foi forçado a abrir mão de defender o peso após ter perdido a metade da reserva, o que levou a forte queda de sua moeda. No Brasil há uma montanha de dinheiro acumulado em forma de investimentos estrangeiros que equivalem três vezes a reserva de dólares e, em sua grande maioria, são investimentos fáceis de se desfazer (ações, títulos da dívida pública, etc.).
Outro fator que ainda é positivo no Brasil é que o desemprego continua relativamente baixo, apesar do fato que o IBGE ajustou o seu método de medida do desemprego, que antes era baseado nas seis maiores regiões metropolitanas. A medida mais ampla mostra que o desemprego é maior do que se dizia antes. Ainda existe a possibilidade de que o desemprego comece a subir novamente, com o fraco crescimento. Isso pode desencadear uma crise de inadimplência e afetar duramente o consumo.
A inflação tem desacelerado um pouco no último período, mas ainda está acima do centro da meta (4,5%), apesar do aumento dos juros. Há vários fatores que podem impulsionar novamente a inflação esse ano. A falta de chuva em grande parte do país eleva o preço dos alimentos e também da energia, já que as usinas termoelétricas, mais caras, são usadas para compensar a queda de geração de energia das hidroelétricas. Além disso, o dólar mais caro encarece diretamente o preço de muitas mercadorias importadas.
A dívida pública continua também a ser um fator econômico maior do que o governo admite. Num levantamento do FMI, o Brasil gasta 5% do PIB com juros da dívida pública (dados de 2011). Só a Grécia e o Líbano, dois países em profunda crise, gastam uma parte do PIB nessas proporções.
O ano passado fechou com o menor superávit primário (o saldo das receitas menos despesas excluindo os gastos da dívida pública) desde que o Banco Central começou a medição em 2001: 1,9% do PIB. A meta para esse ano é meramente repetir o desempenho do ano passado. O déficit nominal, incluindo os gastos com a dívida, ficou em 3,3% do PIB e aumentou com 60% (medido em reais) comparado com 2012.
Novos ataques virão
Tudo isso indica que após as eleições virão novos ataques por parte do governo. Mas a pressão dos “mercados” fará com que o governo não deixe tudo para depois das eleições. Nesse sentido vimos a intervenção da Dilma no Fórum Econômico Mundial em Davos, os anúncios de uma nova rodada de privatizações de rodovias e a proposta de adiar o aumento dos salários do funcionalismo federal conquistado na greve passada para 2015.
Um eventual segundo mandato de Dilma poderá ter características semelhantes ao segundo mandato do FHC que, apesar de ganhar as eleições no primeiro turno, foi um mandato de crise. É nesse contexto que temos que enxergar as lutas desse ano, como acúmulo de forças e preparações para grandes convulsões.