Golpe de 64 – 50 anos de luta contra a repressão e por democracia e igualdade
Neste ano, completam-se 50 anos do golpe de 1964. Após ele, tivemos 21 anos de ditadura no Brasil. Em virtude de sua importância na história recente do país, os meios de comunicação de uma forma geral, como TV e jornais impressos, têm dado um certo destaque e realizado reportagens especiais sobre o golpe, mas também têm feito um balanço do regime que foi instaurado a partir de 1964. Para todos aqueles que lutam pela transformação socialista da sociedade, é também importante e necessário que tiremos algumas lições desta experiência histórica.
Para tanto, algumas perguntas continuam presentes. O golpe foi apenas militar ou civil-militar? O golpe de 1964 poderia ter sido evitado se o PCB e demais movimentos sociais tivessem organizado a resistência? É possível num país atrasado, como o Brasil, realizar reformas democráticas importantes, como é o caso da agrária, sem avançar numa perspectiva de transformação socialista da sociedade? Quem teria condições de realizar estas reformas? Uma suposta burguesia nacional “progressista” ou através da unidade dos trabalhadores do campo e da cidade?
O método de guerrilha foi a tática de luta mais apropriada de resistência à ditadura? A Lei de Anistia foi uma conquista ou tem servido apenas para evitar que civis e militares que cometeram atrocidades paguem pelos seus crimes? A Comissão da Verdade é limitada ou instrumento consequente que pode punir torturadores e colocá-los na cadeia? Há ainda resquícios do regime militar presentes na sociedade brasileira? Podemos fazer algum paralelo histórico entre o regime militar e a onda de criminalização dos movimentos sociais? Por que o governo de uma ex-guerrilheira, como é caso de Dilma Rousseff, tem bancado esta criminalização? Estas são algumas das questões que tentaremos responder neste breve artigo.
Um golpe a serviço da classe dominante brasileira e do imperialismo americano
Durante muito tempo, a historiografia brasileira definiu a golpe e o regime criado a partir de 1964 apenas como militar. Entretanto, pesquisas realizadas no último período mostraram que o golpe foi planejado com muita antecedência e teve a participação decisiva não só de militares, mas também de setores civis da classe dominante brasileira: banqueiros, multinacionais, grandes empresários ligados à indústria e à construção civil, OAB e quase toda a imprensa. Um dos setores que mais apoiou o golpe foi a Igreja Católica, que ajudou a construir o movimento de massas que foi a base para o golpe, as conhecidas “Marchas com Deus, pela Pátria e pela Família”.
Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, teve participação direta na derrubada do governo João Goulart. Mesmo políticos ditos como democratas, como Juscelino Kubitschek e Ulisses Guimarães apoiaram inicialmente o golpe.
Além desses setores, o golpe teve a participação direta do governo dos EUA. No contexto da chamada Guerra Fria, havia o receio, por parte do governo americano, de que Jango tentasse implantar um governo comunista no país. Um dia antes do golpe, navios de guerra americanos foram enviados para a costa brasileira para combater qualquer possível resistência.
PCB e demais movimentos sociais não organizaram a resistência ao golpe
Não temos bola de cristal e, por isso mesmo, não podemos afirmar que, caso o PCB e demais organizações sociais tivessem organizado a resistência, o golpe teria sido derrotado. O fato concreto é que, sem resistência, o golpe foi implementado com facilidade. O PCB era o principal partido de esquerda na época, com forte influência no movimento sindical, no campo, nas universidades e em setores da oficialidade do exército.
Entretanto, apesar de toda essa força, por que o PCB não organizou a resistência ao golpe? O PCB, seguindo a visão dos partidos stalinistas da época, defendia a teoria das duas etapas para a revolução socialista. Ou seja, a tarefa dos partidos comunistas dos países atrasados era o de apoiar as burguesias nacionais “progressistas” de seus países para que reformas democráticas-capitalistas, como a reforma agrária, fossem implementadas.
Tão somente após a concretização destas reformas democráticas é que seria possível colocar na ordem do dia a tomada do poder pelos trabalhadores. Essa visão etapista fez com que o PCB tivesse ilusões em um suposto setor “progressista” da burguesia brasileira.
De fato, o PCB considerava que as condições estavam dadas para passar do governo ao poder, como declarou o secretário-geral do partido, Luis Carlos Prestes, poucos dias antes do golpe, em reunião em Recife. Havia um risco de golpe, mas se confiava na força dos militares “patriotas” para resistir e derrotar as forças reacionárias. O que ocorreu foi exatamente o contrário.
O golpe de 1964 no Brasil é mais um exemplo histórico que comprova a teoria de Revolução Permanente de Leon Trotsky. Para ele, nos países coloniais, semicoloniais ou atrasados, as burguesias nacionais são débeis e atreladas aos países ricos e, portanto, incapazes de realizar as reformas democráticas capitalistas, como continua sendo a reforma agrária no Brasil.
Esta reforma só poderá ser realizada pela classe trabalhadora em unidade com os camponeses. Apesar de ser uma reforma nos marcos do capitalismo, para ser implementada, esta medida reformista acabaria se confundido com as tarefas socialistas. Diferentemente do que afirmam muitos setores de esquerda, o problema de João Goulart foi exatamente a ausência de um programa radical de esquerda e de mobilização popular.
A guerrilha foi um método de luta equivocado contra a ditadura
No momento em que houve o golpe no Brasil, o mundo (e, em particular, a América Latina) enxergava a Revolução Cubana como um modelo a ser seguido, pois derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista e, naquele momento, estava tomando medidas rumo a uma sociedade socialista.
Diante da política fracassada do PCB, que não organizou a resistência ao golpe, diversos jovens acabaram vendo na guerrilha a única forma de derrotar a ditadura no Brasil. Muitas organizações de esquerda foram criadas, tendo a guerrilha como método de luta.
Essa transposição mecânica da experiência cubana foi um erro que teve como consequência a prisão, tortura, desaparecimento e a morte de milhares de militantes das organizações de esquerda.
No entanto, a violência do Estado atingiu não apenas os ativistas que defendiam a guerrilha, mas impedia qualquer forma de organização operária, nas fábricas, a partir de um intenso controle do processo de trabalho e da organização sindical, no chão da fabrica.
Neste período de forte repressão, o desafio que estava colocado era o de acumular forças para criar as condições para que a massa dos trabalhadores pudesse, mais à frente, derrubar a ditadura.
Infelizmente não houve esta compreensão à época e valorosos militantes de esquerda tombaram no combate à ditatura.
Lei da Anistia tem que ser anulada
A Lei de Anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979, resultou de um pacto imposto pela ditadura. Em razão da pressão política pela anistia aos exilados e aos presos que sofriam torturas nos órgãos de repressão, a lei foi vista por muitos setores da esquerda como um duro golpe contra a ditadura. Mas não foi bem assim.
Além de permitir o retorno de exilados e a libertação de presos políticos, a Lei foi e continua sendo usada para impedir que crimes de tortura e assassinato de presos políticos sejam julgados.
Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) moveu uma ação para tentar derrubar a lei. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no entanto, manter a legislação.
Em uma decisão inédita, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) condenou o Estado brasileiro por não ter investigado crimes cometidos pela ditadura no combate à Guerrilha do Araguaia.
A sentença de 24 de novembro de 2010 afirma que a Lei de Anistia, de 1979, é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e não pode ser “um obstáculo” que impeça a investigação dos casos, bem como a identificação e a punição dos responsáveis por violações dos direitos humanos.
No entendimento da Corte, que condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas, estes são crimes imprescritíveis. O país também foi condenado devido à aplicação da anistia como um “empecilho”, à ineficácia de ações e à falta de acesso à justiça, à verdade e à informação.
Na decisão, o tribunal afirma que o Brasil descumpriu “a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre Direitos Humanos como consequência da interpretação e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a respeito de graves violações de direitos humanos”.
Em seu voto, o juiz Roberto de Figueiredo Caldas, responsável da corte da OEA pelo caso, disse à época que a decisão do STF esbarrou na jurisprudência da entidade internacional e não levou em consideração obrigações que deveriam ser seguidas pelos Estados signatários da Convenção Americana.
O magistrado afirmou que o Pacto de San José equivale a uma Constituição supranacional referente aos direitos humanos e diz que todos os poderes públicos e esferas nacionais, bem como as respectivas legislações federais, estaduais e municipais de todos os Estados signatários devem respeitá-lo.
A Corte responsabilizou o Estado brasileiro pelo desaparecimento forçado e pela falta de investigação, julgamento e sanção dos responsáveis. Além disso, aponta para a “violação do direito à liberdade de pensamento e de expressão consagrado pela afetação do direito a buscar e a receber informação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido”.
Apesar da sentença da corte interamericana da OEA, o governo Dilma afirmou que a Lei da Anistia não permite a punição de envolvidos em crimes de tortura e violação de direitos humanos.
Em parecer, a Advocacia-Geral da União reforçou o entendimento já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que a anistia vale para os agentes repressivos do Estado.
Os limites da Comissão Nacional da Verdade
A Comissão Nacional da Verdade tem por objetivo investigar violações de direitos humanos consideradas ocorridas entre 1946 e 1988 no Brasil por agentes do estado.
Essa comissão foi formada por sete membros nomeados por Dilma Rousseff e catorze auxiliares. Após essa investigação, será produzido um relatório, que pode ser público ou enviado apenas para a presidente da república ou o ministro da defesa.
A Comissão teve acesso a todos os arquivos do poder público sobre o período e convocou vítimas ou acusados das violações para depoimentos. Essas convocações não tiveram caráter obrigatório.
Entretanto, o grande limite desta Comissão reside no fato de ela não ter o poder de punir ou mesmo recomendar que acusados de violar direitos humanos sejam punidos.
Resquícios da ditadura e criminalização dos movimentos sociais
Após as manifestações de junho, temos acompanhado uma intensificação da criminalização dos movimentos sociais. Há nove projetos no congresso nacional que visam criminalizar as manifestações. Alguns projetos enquadram as manifestações em crime de terrorismo.
Estas leis têm objetivo imediato de conter as manifestações que serão intensificadas com a proximidade da Copa do Mundo no país. Já houve três protestos em São Paulo contra a Copa do Mundo. Ao menos 400 pessoas foram presas.
O Governo Dilma disse que utilizará o exército e contará com uma tropa de choque de dez mil homens, que serão responsáveis por apoiar as polícias militares na contenção de protestos durante o evento.
Os investimentos em equipamentos repressivos estão em R$1,9 bilhão. As aquisições incluem robôs anti-bomba, minirrobôs espiões, tanques com jatos d’água, drones, além de bombas de efeito moral, sprays de pimenta e pistolas de choque.
Os tribunais de exceção já estão funcionando 24 horas por dia em algumas cidades-sede da Copa do Mundo, como é o caso de São Paulo.
Toda esta preparação para combater as manifestações contra a Copa do Mundo, combinada com o genocídio da população pobre e negra na periferia, em que os assassinatos de Amarildo, do jovem Douglas e Cláudia Silva são os casos mais recentes, mostram que os resquícios da ditadura continuam muito presentes no Brasil.
Lula e Dilma: governos neoliberais e a retórica da luta contra a ditadura
Após o fim da ditadura no Brasil, tivemos vinte anos de governos de pessoas que, de uma forma ou de outra, lutaram contra a ditadura no Brasil, como é o caso de FHC, Lula e Dilma.
Do ponto de vista econômico, todos eles implementaram um política econômica neoliberal. Todos esses governos realizaram cortes de gastos nos setores sociais, como saúde e educação, para amortizar juros e pagar parte da dívida pública, bem como a privatização de setores estratégicos da economia brasileira.
No caso de FHC e Lula, foram realizadas contrarreformas previdenciárias que atacaram o direito à aposentadoria dos trabalhadores brasileiros. Em ambos governos, todos esses ataques foram realizados através da compra de votos de parlamentares.
A partir dessa política, que não difere muito da praticada pelos partidos da direita tradicional, a única coisa que resta para pessoas como Lula e Dilma, é o de darem um certo verniz de esquerda às suas biografias ao afirmarem que no passado lutaram contra a ditadura civil-militar.
Infelizmente, essa retórica tem sido e continuará sendo utilizada atacar direitos e conquistas importantes dos trabalhadores brasileiros.