O ensino privado lucra bilhões, com você dentro ou fora da universidade
No momento em que várias universidades pelo país dão boas-vindas aos seus calouros, milhares de estudantes que não conseguiram ingressar no ensino superior retornam aos cursinhos pré-vestibulares. Mas o que significa isso?
O vestibular funciona, desde sua criação, como um grande filtro de seleção para aqueles que desejam continuar estudando. Assim, contribui com a manutenção das desigualdades de um país em que a educação não é tratada como direito, mas como privilégio.
Na esteira da seleção dos “melhores”, o vestibular sustenta um sistema perverso de privatização da educação nos conhecidos “cursinhos”. Os grandes empresários das redes de ensino privadas, chamadas de grupos educacionais, são os beneficiários desse sistema: ao mesmo tempo em que a população pobre é excluída do ensino superior público, eles lucram cada vez mais.
Só o Kroton lucrou R$ 8,6 bilhões
No ano de 2012, segundo dados fornecidos pelas próprias empresas: o grupo educacional Kroton lucrou R$8,6 bilhões com 514 mil alunos; a Anhanguera obteve R$5,8 bilhões, com 459 mil alunos matriculados, e a Estácio de Sá teve rendimentos de R$5,3 bilhões atendendo a 271,5 mil alunos.
Em abril de 2013, a fusão dos gigantes Kroton Educacional e Anhanguera Educacional formou o maior conglomerado do setor privado de educação em nível mundial. Juntos, os grupos educacionais totalizaram cerca de um milhão de alunos e um valor de mercado de R$12 bilhões. A forma como essas grandes empresas tratam a educação é clara: abriram seus capitais na bolsa de valores.
Cada estudante inserido nesses sistemas perversos é visto como “dinheiro entrando”. Não há investimento proporcional ao preço da mensalidade, a qualidade do ensino oferecido é duvidosa: aulas à distância (EAD), poucos professores especialistas, baixa remuneração dos funcionários. Isso sem falar nas dívidas dos estudantes que adotam o Fies, que são pagas durante anos.
Um fato recente e significativo sobre a qualidade do ensino desses sistemas privados foi o fechamento de cursos no Centro Universitário da Cidade (UniverCidade) e na Universidade Gama Filho, ambas no Rio de Janeiro.
Esses grupos educacionais englobam não só universidades privadas mas também escolas de educação básica e redes de cursinhos pré-vestibulares. Em São Paulo, o colégio e curso Objetivo faz parte da UNIP, o sistema Anglo é integrado ao grupo Abril e é extensa a lista de outras redes de ensino privado que oferecem desde a educação infantil até a pós-graduação, como o grupo educacional Etapa.
Lucros com ajuda do MEC
Mas o pior mesmo é que o Ministério da Educação (MEC) isenta estes empresários do pagamento de impostos em troca de uma reserva de pequenas quantidades de vagas para bolsistas estudarem, geralmente, no período noturno. E mais: esses bolsistas ainda têm de por um processo seletivo! Ou seja, os empresários lucram e o governo os incentiva, enquanto milhares de trabalhadores matriculam seus filhos nas escolas públicas, cada vez mais sucateadas, sem vagas e com os professores mal pagos e em situações precárias de trabalho. Os governos estaduais, municipais e federal, ao invés de investir a sério em educação pública, fazem “convênios” de parcerias público-privada!
Os cursinhos desses grupos educacionais são os mais engajados em difundir a meritocracia. Investem em slogans como “as melhores cabeças” e mentem para seus milhares de alunos, em salas extremamente lotadas, reforçando a ideia de que devem se esforçar individualmente para, assim, garantir uma vaga na universidade. O que eles não dizem é que precisam que os alunos não passem para garantir seus lucros cada vez maiores.
Exemplo disso foi o ano de 2013, em que o vestibular da USP teve recorde histórico de inscritos: um total de 172 mil candidatos disputaram apenas 11.057 mil vagas de cursos oferecidos em 2014.
E os outros 160 mil estudantes que não entraram, qual seu destino? Voltar para os cursinhos pré-vestibulares para “se prepararem melhor e tornarem-se mais inteligentes e competitivos”? Entrar em uma universidade privada, tendo que trabalhar somente para pagar as mensalidades ou ficar anos endividados pelo Fies? Desistir do curso superior?
Os cursinhos pré-vestibulares alimentam um sistema de seleção que restringe o acesso à universidade pública e o transforma numa competição, a qual já conhecemos os “perdedores”: pobres e pretos.
Cursinhos populares combatem a lógica privatista
Atualmente, há muitos cursinhos populares nas periferias que oferecem uma alternativa, fazem resistência e não se inserem nessa lógica de preparo alienado e competitivo, contribuindo com a luta pelo fim do vestibular. Atualmente, o Coletivo Construção coordena o Cursinho Popular do Jardim Pantanal, em São Paulo, e o Práxis, em Niterói.
Mas sabemos que esse esforço não será suficiente se não combatermos a lógica da educação-mercadoria, que só garante lucros de empresários e precarização do direito à educação. A bandeira de luta por 10% do PIB para a educação pública é uma demanda concreta pela qual devemos lutar, assim como a estatização do sistema privado de ensino, sob controle democrático dos trabalhadores.