Argentina por um fio
A Argentina está à beira de um colapso econômico e social. Alta inflacionária, desvalorização do peso com disparada do dólar, apagões de luz, aumento da pobreza e do custo de vida combinados com o baixo crescimento econômico, formam o coquetel explosivo que pode levar milhões de argentinos às ruas no próximo período, relembrando as manifestações de 2001/2002.
A inflação, umas das vilãs do salário dos trabalhadores, está acima dos 30%. A saída encontrada pelo governo de Cristina Kirchner para combater o problema foi tentar congelar os preços e maquiar os índices inflacionários. Desde 2007 os dados oficiais sobre inflação – que hoje dizem estar em 10,9% ao ano – são considerados “maquiados” e caíram em descrédito dentro e fora do país.
A carestia de vida é percebida no aumento do aluguel, que passou a ser reajustado em 35% ao ano, assim como nos alimentos, que têm alta de preços entre 20 e 30%. Segundo o Instituto de Investigação Social, Econômica e Política da Cidadania, em dezembro de 2013, uma família composta por dois adultos e duas crianças precisava de 1.695,95 pesos para se alimentar durante 30 dias. Agora são necessários, no mínimo, 2.272,41 mensais, enquanto o INDEC (IBGE argentino) insiste que 680 pesos são suficientes.
Outro grave problema é a disparada do dólar associada à assustadora desvalorização do peso. Em 23 de janeiro o peso argentino desabou 11%, configurando a maior queda diária desde a crise de 2002 e fechando a oito pesos por dólar no início de 2014 – no paralelo a cotação é ainda maior, 10 pesos por dólar.
Argentinos estocando dólares
Em tese, essa desvalorização deveria contribuir para as exportações argentinas, mas a China passou a comprar menos em função da crise econômica mundial. Em meio à desvalorização do peso, a reserva de dólares do governo argentino também está em queda livre, contando atualmente com menos de US$ 30 bilhões. Um dos motivos que explica este fenômeno é o fato de que os argentinos retomaram a prática de sacar dinheiro dos bancos para poupar em dólares.
Diante deste quase colapso da economia alguns economistas estimam um pífio crescimento de 1,5% em 2014. Não é à toa que o centro de estudos ligado à revista The Economist incluiu a Argentina, assim como Bolívia, Egito, Iraque e outras nações, no rol dos países de “muito alto risco” de instabilidade.
Crise social
Os blecautes que atingiram Buenos Aires no final de 2013 serviram para acirrar ainda mais o ânimo do povo argentino. Quase um milhão de pessoas foram afetadas pelos apagões, resultando em protestos isolados.
O fim do ano passado também foi marcado por uma greve de policiais que se espalhou por várias províncias, provocando uma onda de saques e violência no interior do país – 13 pessoas morreram. Para por fim à greve, muitas províncias praticamente dobraram o salário dos policiais, o que fez alguns economistas duvidarem da capacidade destas administrações sustentarem os ajustes.
A pobreza é outro problema que avança. De acordo com a Universidade Católica Argentina, 25% da população está em situação de pobreza, o que representa 10 milhões de pobres num país com cerca de 40 milhões de habitantes.
Fim da era Kirchner
A grave situação econômica e social é um sinal de que a era Kirchner está chegando ao fim. Cristina optou por um giro à direita, propondo novas ofertas para pagar a dívida com credores dos EUA e também indenizar a multinacional YPF em 5 bilhões de dólares. Soma-se a isso o pacote de austeridade batizado de “ajuste” que o governo está preparando para 2015. Essas medidas trarão duras consequências aos trabalhadores e jovens.
Refletindo o novo momento que se inicia, a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) – uma aliança entre o Partido Obrero, PTS e Izquierda Socialista – obteve 1,2 milhão de votos na última eleição parlamentar e conseguiu eleger 3 deputados nacionais, um resultado histórico.
Este formidável desempenho da FIT demonstra que um setor da classe trabalhadora e da juventude está buscando uma alternativa à esquerda. O desafio, a partir de agora, será fazer avançar a organização política dos trabalhadores e jovens argentinos numa perspectiva anti-capitalista e socialista. Estão colocadas as condições para impulsionar a formação de um novo partido de esquerda na Argentina, amplo, e que consiga unificar as organizações combativas num patamar superior.