Venezuela: Uma nova fase na luta – as estatizações e a ameaça renovada de contra-revolução

 A ameaça de contra revolução, novamente, levantou sua cabeça na Venezuela quando a luta entre revolução e reação parece entrar em uma nova fase.

Após a reeleição de Bush o imperialismo norte-americano tomou novamente uma atitude mais agressiva, principalmente verbal, frente ao governo de Hugo Chávez.

Assim como consistentemente avisamos as forças de contra-revolução tentarão novas aventuras até terem sucesso na remoção de Chávez do poder e derrotarem o movimento de massas, a menos que a classe trabalhadora seja capaz de tomar os passos necessários para derrubar o capitalismo e estabelecer uma democracia dos trabalhadores.

Usualmente um impasse entre as classes, tal como existe na Venezuela, é decisivamente resolvido em favor da revolução ou da contra-revolução. Na Venezuela este processo pode se estender por um longo período de tempo. Isto por causa do alívio que Hugo Chávez teve graças ao lucro do petróleo e ao enfraquecimento e divisões existentes entre a classe dominante.

Porém, tal como os eventos recentes mostraram as forças reacionárias de direita continuarão tentando sabotar e desestabilizar Chávez. A intervenção renovada pelas forças reacionárias na Venezuela começaram em dezembro de 2004. Pela segunda vez Uribe, presidente da Colômbia e representante de Bush na região, orquestrou uma intervenção direta na Venezuela. Isto envolveu o seqüestro, em Caracas, de Rodrigo Granda, um líder do maior exército guerrilheiro da Colômbia: as FARC. Granda é um dos principais oficiais das FARC e é conhecido como “Ministro de Relações Exteriores” destas. Este incidente conduziu a um grande conflito diplomático entre Venezuela e Colômbia. Os EUA apoiaram totalmente a Colômbia neste conflito.

Então, em janeiro de 2005, a nova Secretária de Estado, Condoleezza Rice, usou sua presença diante do Comitê do Senado norte-americano para atacar Chávez. Ela advertiu que o governo de Chávez é uma “grande ameaça para toda a região” e que Chávez permanece uma “força negativa” e proclamou que os EUA “não podem permanecer indiferentes para o que a Venezuela está fazendo para além de suas fronteiras”.

Estes ataques feitos por Rice foram seguidos por um artigo do jornal britânico London Financial Times (13/01/05), o qual advertiu que Chávez apresenta uma crescente ameaça “autoritária” para a região.
Somente para dar ênfase a este ponto o antigo embaixador dos EUA na Venezuela (atual Vice-secretário Adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado), escreveu no jornal espanhol de Miami, “El Nuevo Herald”, um artigo justificando o compromisso dos EUA em continuar apoiando a oposição venezuelana. Desde 2001 mais de 20 milhões de dólares foram dados às organizações e partidos de oposição, por meio da Fundação Nacional para a Democracia e a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Os líderes do falido golpe e os instigadores do lock-out (paralisação empresarial) foram referidos como ‘venezuelanos’ que procuram proteger seus direitos democráticos” (El Nuevo Herald 12/01/05).

Bush quer Chávez fora

O imperialismo norte-americano claramente continua a considerar o governo de Chávez como um obstáculo para seus interesses na América Latina e quer remove-lo do poder. Enquanto Bush hipocritamente proclama seu regime como uma “força pela democracia” em toda a parte do mundo o fato de que Chávez teve uma vitória esmagadora em, ao menos, 6 disputas eleitorais é convenientemente omitido pelas considerações norte-americanas. O imperialismo norte-americano teme que o regime de Chávez possa se tornar cada vez mais irritante e perder seu suprimento de petróleo da Venezuela. Também temem que o movimento de massas na Venezuela possa empurrar o regime de Chávez à tomada de políticas mais radicais e conflitivas com os interesses do imperialismo e do capitalismo.

Não é acidental que as ameaças renovadas de reação chegam a luz após a apreensão de 13.000 hectares de terra pelo governo. Esta era uma fazenda de gado possuído pelo magnata britânico Lord Vestey. A apreensão desta propriedade foi seguida pela estatização da Venepal, uma companhia de papel – a primeira estatização levada a cabo por Chávez.

Porém, um fator crucial é o de que Washington não considera a Venezuela um fornecedor seguro de petróleo. Richard Lugar, chefe do comitê de relações internacionais do Senado norte-americano tornou pública, em janeiro, uma carta que ele mandou ao Escritório de Contabilidade do Governo dos EUA em novembro de 2004. Esta carta expressava a opinião que o Departamento de Estado não mais considerava a Venezuela um fornecedor confiável de petróleo graças à “instabilidade política”.

Este medo renovado sobre a instabilidade do suprimento de petróleo pela Venezuela, que corresponde a aproximadamente 15% das importações norte-americanas de petróleo, aparece quando Chávez abre negociações com a China, a Russia e o Irã buscando diminuir a dependência da Venezuela em relação ao mercado norte-americano. Conseqüentemente 33 acordos, principalmente com companhias norte-americanas, assinados durante os anos 90 estão sob re-avaliação. Uma companhia norte-americana, Harvest Natural Resources of Houston, que recebe todo o seu petróleo da Venezuela, teve de suspender toda a exploração de petróleo no país. Como resultado tal companhia perdeu um quarto de todo o seu estoque. O agravamento da crise no Oriente Médio, especialmente no Iraque, levou ao crescimento da importância do petróleo venezuelano para os EUA. Claramente Bush quer um “par de mãos seguras” sobre o petróleo.
A decisão de Chávez de tentar e abrir acordos com alguns rivais do imperialismo norte-americano – Rússia, China e o Irã – vêm acompanhados de um fortalecimento dos laços econômicos de Cuba. Tudo isto aumentou o antagonismo do imperialismo norte-americano frente a Venezuela.

Apesar das tentativas de Chávez de alcançar um acordo com a classe dominante venezuelana após sua vitória no referendo de 2004 os antagonismos subjacentes permaneceram. Estes estão prontos a explodir vezes e vezes até que uma vitória decisiva seja conquistada para a revolução ou a contra-revolução. É possível que este processo na Venezuela seja mais prolongado do que usualmente é. O acesso às reservas de petróleo e as divisões e fraquezas da classe dominante dão a Chávez maior margem de manobra. Em 2005 o lucro do petróleo permitiu o governo gastar 4 bilhões de dólares em investimentos sociais na saúde, educação e habitação. Porém, mesmo estes fatores não permitirão a situação continuar indefinidamente.

É possível que a reação vá, eventualmente, atacar de forma decisiva na forma de um golpe. Alternativamente, as massas podem começar a se desgastar depois de um período de tempo devido à falha da revolução em se completar e uma crise social cada vez mais grave. Em certo estágio isto pode permitir que a direita furtivamente volte ao poder e dar à reação um triunfo de aparência “democrática” resultante da exaustão e do desgaste das massas. Este processo ocorreu na Nicarágua durante os oitentas, após a tomada do poder pela FLSN em 1979. Daniel Ortega venceu as eleições em 1984 com 67% dos votos. Porém, apesar de estatizarem todas as propriedades do ditador anterior, Somoza, o que permitiu que a economia estivesse nas mãos do Estado mais do que está hoje na Venezuela, e, mesmo assim, o capitalismo não foi derrotado. Uma democracia dos trabalhadores com uma economia socialista planificada não foi instituída. A reação de direita, apoiada pelo imperialismo norte-americano, preparou suas forças e quando as massas esfriaram pela crise prolongada, ela foi, eventualmente capaz de retomar o controle. Em 1990 os EUA apoiaram a Unión Nacional de Oposición na vitória durante as eleições.

Colômbia – sequestro em Caracas

Hoje o imperialismo norte-americano tem uma estratégia dual para tentar derrubar Chávez. Uma envolve o apoio à direita opositora da Venezuela e a outra é o uso do estado cliente na região, Colômbia, para tentar desestabilizar Chávez. O programa de auxílio militar dado à Colômbia chega a 3 bilhões de dólares – somente é superado pelo apoio militar dos EUA a Israel. Como um resultado deste pacote as forças armadas colombianas triplicaram em tamanho nos últimos anos chegado ao número de 267.000 tropas.

Cento e trinta paramilitares colombianos foram enviados para a Venezuela em 2004 no que pareceu ser uma tentativa de desestabilizar Chávez em uma série planejada de ações terroristas incluindo, possivelmente, um plano para assassiná-lo. Apesar deste plano ter sido impedido, ele foi seguido por uma nova provocação em dezembro de 2004.

O seqüestro de Rodrigo Grana em um café de Caracas lembra uma cena de “O poderoso chefão”. Não havia qualquer pedido de extradição e, no momento de seu seqüestro, Granda nem mesmo estava na lista de terroristas procurados da INTERPOL. O governo de Uribe originalmente alegou que ele foi “preso” na Colômbia – mas, desde então, assumiu que Granda foi capturado em Caracas por membros dos serviços de segurança da Venezuela. Agora foi revelado que estes eram oficiais de segurança “dissidentes” que foram subornados por Uribe. De acordo com alguns relatórios Uribe esteve pessoalmente envolvido e autorizou um pagamento de mais de um milhão de dólares para as forças de segurança venezuelanas envolvidas.

Tudo isto foi feito com o envolvimento e conhecimento do regime Bush em Washington. O embaixador norte-americano na Colômbia, William Wood, declarou em janeiro que: “Nós apoiamos totalmente as declarações do Palácio Presidencial (da Colômbia)”. Adam Ereli, porta-voz presidencial dos EUA, quando questionado sobre o grau de envolvimento dos EUA, deixou o gato escapar do saco: “Até ao ponto em que ajudamos a prover e dividir informações, sim”.

Estas incursões na Venezuela formam parte de um amplo programa de operações pelo imperialismo norte-americano na região através do desenvolvimento do “Plano Colômbia”. Uma intervenção militar em grande escala pelas forças norte-americanas não é uma opção viável por dois motivos. Primeiro a sobrecarga das forças norte-americanas no conflito com o Iraque e no Oriente Médio. Segundo, qualquer tentativa de uma intervenção militar direta na Venezuela encontraria a resistência armada das massas da Venezuela e de toda a América Latina em uma base muito mais séria do que a que os EUA enfrentam hoje no Iraque. Isto também provocaria protestos em massa nos EUA, especialmente, entre os milhões de latinos que vivem no “ventre da besta”.

O imperialismo norte-americano, portanto, prefere lutar uma guerra por procuração usando as forças paramilitares e governo colombiano de direita de Uribe. Isto é justificado como parte de uma “guerra por procuração” na qual Chávez é acusado de ser benevolente com o terrorismo e de não apoiar a luta de Uribe contra as FARC. Além disso, não são somente as FARC que são classificadas como terroristas. Parece que qualquer um que é opositor do programa neoliberal de Bush é jogado na mesma categoria. Na Bolívia mesmo o líder social-democrata, Evo Morales (cujo papel funcionou com um freio para o movimento revolucionário e que agiu como um “bombeiro” que tentou extinguir o movimento de massas), quem recentemente falou de tornar-se um “Chávez boliviano”, foi denunciado em 2001 pelo embaixador norte-americano, Manuel Rocha, como um “Bin Laden boliviano” junto com os camponeses “cocaleros” chamados de “Talibã Andino”.

As intervenções unilaterais pelo regime Uribe são um eco da política de ataques preventivos de Bush, mas em uma escala muito menor. As incursões na Venezuela foram repetidas em alguns outros países.

No período recente seqüestros foram organizados pelas forças colombianas e pela CIA no Equador, o que inclui a captura em 2004 de um negociador de paz representando as FARC. Em outro incidente seis soldados venezuelanos foram mortos em um evento “inexplicável”.

Estes desenvolvimentos na Venezuela indicam um provável ressurgimento da luta entre as forças da revolução e da contra-revolução. Demonstrando, novamente, a urgente necessidade da classe trabalhadora da Venezuela ir para a ofensiva e tomar os passos necessários para derrubar o capitalismo como um primeiro passo em direção à construção de um Federação Socialista e Democrática das Américas como a única forma de derrotar o imperialismo, o capitalismo e as ameaças de reação.

Políticas mais radicais na Venezuela

O governo Chávez tomou alguns passos em uma direção mais radical, o que é refletido na apreensão da propriedade de Vestey e na estatização da Venepal. Socialistas e marxistas saúdam as estatizações que surgem como um passo importante. Porém, muito mais é necessário para derrotar o capitalismo e a ameaça de reação.
A apreensão das terras de Vestey foi um progresso significativo. A questão da reforma agrária é uma parte importante da luta pelas massas. A Venezuela, assim como outros países da América Latina, é uma sociedade altamente urbanizada onde apenas 12% dos 25 milhões de habitantes vivem em áreas rurais. Porém, esta questão ainda tem grande importância na consciência das massas. Muitas famílias pobres e da classe trabalhadora nas cidades ainda tem importantes laços familiares no interior do país. A difícil situação da pobreza rural é fortemente presente na consciência política das massas urbanas. O abismo que existe entre ricos e pobres é, usualmente, claramente expresso entre a população rural.
Na Venezuela, onde 60% da propriedade da terra está nas mãos de 1% da população, a questão da reforma agrária tornou-se parte importante da luta desde que Chávez chegou ao poder em 1998. Os vastos latifúndios possuídos por dinastias multinacionais, como a família Vestey, simbolizam a riqueza e o poder da classe dominante e do imperialismo.

Quando o governador de Cojedes, Johnny Yánez, chegou com 200 membros da Guarda Nacional nos 13.600 hectares da fazenda de gado El Charcote possuída pelo magnata britânico Lord Vestey e as apreendeu (ou “interveio”, tal como é falado na Venezuela) indubitavelmente desfrutou de esmagador apoio entre as massas. Agora uma comissão foi estabelecida para determinar a posse da terra. Esta foi a primeira vez que o programa de reforma agrária do governo Chávez envolveu uma propriedade privada, apesar da nova constituição declarar que qualquer latifúndio maior que 5000 hectares é “contrário ao interesse social”. Antes da apreensão das terras de Vestey o programa de reforma agrária envolveu apenas fazendas sob posse do Estado.

Esta intervenção provocou oposição entre os grandes latifundiários que têm medo de que possam ser os próximos a perder suas propriedades. Porém, apesar do governo ter apreendido esta fazenda ainda não é claro se este será um passo temporário ou um passo que será revertido com uma decisão da comissão de que a terra foi comprada legalmente.

Os fazendeiros locais que ocuparam esta fazenda temem que o governo possa converter parte da terra em uma cooperativa e retorne a outra parte para os supostos “proprietários legais”. Os fazendeiros locais lutaram por 30 anos para provar que ela foi adquirida ilegalmente e apontar que foi “comprada” originalmente pelo ditador venezuelano Juan Vicente Gomez em 1936. Todas as terras de Gómez foram, eventualmente, estatizadas.

O governo Chávez, subseqüentemente, anunciou a estatização da Venepal. Os trabalhadores desta fábrica, que originalmente empregou quase 2.000 pessoas, estiveram em conflito com seus proprietários por anos. Membros do conselho de diretores da companhia estiveram presentes na cerimônia de juramento do curto governo reacionário liderado por Pedro Carmona, o qual derrubou Chávez em um golpe em abril de 2002 por algumas horas. Os proprietários desta fábrica juntaram-se ao lock-out de empresários que ocorreu posteriormente naquele ano. Parcialmente, como resultado de seu próprio lock-out, os empresários declararam que a companhia estava falida em 2003. Os trabalhadores responderam com a ocupação da fábrica. Eventualmente um acordo de curta vida foi alcançado, mas em 2004 os empresários fecharam a fábrica novamente. Outra vez os trabalhadores ocuparam a fábrica e organizaram uma série de protestos. Eles eventualmente marcharam para Caracas demandando a intervenção do governo, a qual resultou no recente decreto de estatitzação.

Marxistas usualmente argumentaram que a reforma é um produto da luta das massas em uma revolução. Tanto a apreensão do latifúndio de Vestey quanto a expropriação da Venepal resultaram das lutas das massas. A luta de massas pressionou o governo Chávez na primeira estatização de uma companhia depois de 6 anos no poder. Estes progressos podem indicar que Chávez está dirigindo-se para a adoção de medidas mais radicais. Isto ocorre em seguida a tentativas de apaziguar a classe dominante na Venezuela após a sua vitória no referendo em 2004.

Quando estatizava a Venepal Chávez declarou que o capitalismo é baseado na escravidão e “que é por isso que em Washington estão furiosos conosco, porque nós queremos nos libertar do capitalismo, assim como eles estiveram furiosos muitos anos atrás com as idéias do Libertador Simon Bolívar”.

Significativamente, no recente Fórum Social Mundial no Brasil, Chávez, pela primeira vez, falou da necessidade do socialismo. Ele afirmou que a cada dia, torna-se mais convencido de “que é necessário transcender o capitalismo. Mas o capitalismo não pode ser transcendido desde dentro do próprio capitalismo, senão através do socialismo, verdadeiro socialismo, com igualdade e justiça. Mas estou também convencido que é possível fazê-lo sob a democracia, porém não o tipo de democracia que é imposta desde Washington”.

Um programa socialista revolucionário é necessário

É bem vindo que ele tenha mencionado o socialismo como uma alternativa ao capitalismo. Porém, não é suficiente apoiar a idéia de socialismo – um programa para alcançá-lo também é necessário. Infelizmente, Chávez não está defendendo um programa claro que permitirá a classe trabalhadora derrubar o capitalismo e estabelecer uma economia socialista planejada. Isto é o que é urgentemente necessário na Venezuela e em toda América Latina.

Quando anunciava a estatização da Venepal, Chávez também fez referência a planos futuros de “recuperar” uma fábrica processadora de milho e a criação de “diversas fábricas que processem alimentos em uma tentativa de romper o monopólio do setor privado” e todas as indústrias básicas em mãos privadas na região industrial de Guyana.

Enquanto trabalhadores e socialistas saúdam estas medidas eles acumulam alguns passos parciais para a estatização de alguns setores falidos da economia. Isto não é parte de um plano de romper com o capitalismo e estabelecer um plano socialista de produção baseado na estatização de monopólios, grandes companhias, bancos e do setor financeiro (tanto nacional quanto internacional) decisivos sob um sistema democrático de controle e gestão dos trabalhadores.

Chávez indicou isto quando ele também declarou que “a expropriação da Venepal é uma exceção, não é um gesto político ou governamental. Nós não vamos tomar a terra se ela é sua. Mas a companhia que é fechada e abandonada, iremos buscá-las. Todas elas”.

Todos socialistas poderiam saudar a expropriação de todas as companhias abandonadas pela classe capitalista. Mas pó que parar aí? Porque tomar somente as companhias falidas deixa aquelas que ainda funcionam e deixam o lucro nas mãos da classe dominante. Tais medidas parciais não permitirão que a economia seja planejada pela classe trabalhadora para dar fim ao sofrimento e a miséria que as massas e os pobres da Venezuela enfrentam.

Alinda, tais passos paliativos irão enfurecer e aterrorizar a classe dominante e o imperialismo fortificando sua decisão de derrubar o regime. Tais medidas deixarão o governo encurralado entre a fúria e a hostilidade da classe dominante enquanto, ao mesmo tempo, não tomam as medidas necessárias para derrotá-las e controlar a economia.

No Chile entre 1970-73 o governo da Unidade Popular de Salvador Allende apoiou a idéia de socialismo. Ele estatizou aproximadamente 40% da economia, incluindo companhias multinacionais. Allende clamou aderir ao marxismo. Porém, mesmo isto não foi suficiente para romper com o capitalismo. O imperialismo norte-americano e a classe dominante chilena prepararam suas forças contra-revolucionárias. Os lideres da Unidade Popular argumentaram que a revolução não deveria ir tão longe tão rápido pois poderiam provocar a reação. Esta política permitiu que a direita reacionária ganhasse tempo para preparar o terreno para o sanguinário golpe de 11 de setembro de 1973, o qual resultou em um banho de sangue para a classe trabalhadora.

Em um eco destes argumentos Chávez afirmou em Porto Alegre: “No começo de minha presidência, muitos de meus apoiadores me criticaram, me pediram que eu fosse a um passo mais rápido (para implementar mudanças) e para ser mais radical, mas eu pensei que aquele não era o momento certo porque cada processo tem várias fases e diferentes ritmos que não tem que ver somente com situações internas de cada país, mas também com a situação internacional”.

Cada país realmente tem ritmos e fases particulares. Porém, compreender as condições específicas existentes em cada país não significa botar um freio no processo revolucionário. Infelizmente, isto é exatamente o que Hugo Chávez fez em cada estágio crítico na revolução venezuelana. A contra-revolução ganhou tempo para reagrupar e preparar suas forças para atacar novamente. Chávez até agora se salvou em cada ocasião graças a intervenção das massas e as divisões e enfraquecimento da classe dominante venezuelana.

Porém, esta situação não pode continuar indefinidamente. Revolução ou contra-revolução – na forma de um golpe militar ou na de um retorno gradual ao poder com uma aparência “democrática” – em algum estágio eventualmente triunfará.

Para a vitória da revolução, a classe trabalhadora necessita organizações próprias, independentes e que tenham abraçado um claro programa socialista revolucionário. Enquanto é bem-vindo que Chávez tenha mencionado o socialismo como um programa claro a ser alcançado, é também essencial evitar uma vitória eventual da contra-revolução.

Assim, o que Chávez parece defender não é a derrota do capitalismo, mas a construção de uma economia paralela de empresas parcialmente estatizadas, cooperativas e “boas companhias privadas” que irão competir com os grandes conglomerados capitalistas. Isto é claramente demonstrado pelo lançamento de uma nova rede de televisão via satélite, TeleSur. Ela estará “a disposição dos povos e não dos governos da América Latina”. O lançamento de tal rede é bem-vindo, porém não é claro quem controlará a mesma.

Ao mesmo tempo a imprensa e a mídia estão concentradas nas mãos da oposição de direita e conduziram uma campanha viciosa contra Chávez e a revolução. Chávez corretamente referiu-se a isto como “os quatro cavaleiros do apocalipse”. A classe trabalhadora tem seu acesso negado à imprensa e à mídia. Socialistas apoiariam o direito de todas as opiniões e partidos, incluindo a classe capitalista, de terem acesso à imprensa e mídia para defender seu ponto de vista. Dentro do contexto da estatização dos serviços de imprensa e mídia seria possível democraticamente alocar recursos para todos os partidos e agrupamentos baseando-se no apoio que eles tem na sociedade.

Mesmo a estatização da Venepal possa ser apenas uma medida temporária. O decreto do governo incluiu um crédito de 6,7 milhões de dólares para recomeçar a produção. Também se especulou que será entregue aos trabalhadores para formarem uma cooperativa. A experiência da classe trabalhadora demonstrou internacionalmente muitas vezes que “cooperativas” dentro de uma economia capitalista não podem oferecer soluções para a classe trabalhadora. Podem no máximo oferecer uma solução mínima e temporária para pequenos grupos de trabalhadores, mas elas não podem oferecer uma solução para resolver os problemas que a classe trabalhadora enfrenta como um todo. Como “ilhas” isoladas cercadas por um mar de monopólios capitalistas elas inevitavelmente terminarão engolidas pelo capitalismo.

O próprio Chávez falou, também, da necessidade de “avançar para a co-gestão” – uma vaga formulação que pode significar muitas coisas, mas é uma forma de colaboração de classes. Isto pode incluir co-gestão com antigos proprietários ou um plano para a participação dos trabalhadores dentro de uma companhia estatal.

Controle e gestão democráticos dos trabalhadores

Porém, ao invés de um sistema de “participação” pela classe trabalhadora, o estabelecimento de um sistema de controle e gestão dos trabalhadores é necessário se a revolução tiver que ser vitoriosa.
Isto necessitaria a eleição de comitês de trabalhadores em todas as fábricas e locais de trabalho. Delegados para estes comitês devem ser eleitos e sujeitos a imediata destituição por assembléias dos trabalhadores. Nos correntes setores privatizados da indústria tais comitês poderiam introduzir o controle dos trabalhadores para ocupar-se com o dia a dia de cada local de trabalho. Isto poderia servir como uma escola para preparar a classe trabalhadora para as tarefas necessárias para planejar e gerir a indústria e toda a economia como parte de uma economia socialista planejada.

Nos setores da economia já estatizados, incluindo a crucial companhia estatal, PVDSA, é necessário ir além e estabelecer não somente um sistema de controle democrático pelos trabalhadores mas também um sistema democrático de gestão pelos trabalhadores. Os conselhos de diretores de tais companhias devem ser compostos por representantes eleitos pelos trabalhadores da indústria, representantes eleitos por outros trabalhadores, a ampla comunidade e o governo.

Estes comitês nos locais de trabalho junto com comitês eleitos pelas comunidades locais, devem também se unir nos níveis do distrito, cidade, região e nação formando a base para um novo governo dos trabalhadores e camponeses. Os comitês de local de trabalho e da comunidade precisam também estabelecer uma força de defesa dos trabalhadores junto com os comitês eleitos de soldados e marinheiros da base. Estes precisam impor um sistema de eleição de todos oficiais purgando a máquina estatal de conspiradores golpistas e reacionários.
Este tipo de iniciativas deve ser tomado pela própria classe trabalhadora. Infelizmente grande parte da direção da “Revolução Bolivariana” resiste a tais tentativas de ação independente pelas massas. Isto foi refletido durante a campanha do referendo em 2004. Freqüentemente assembléias locais colidiram com representantes do governo que tentaram burocraticamente “impor” organizadores para a campanha desde cima. Os “líderes” burocráticos do movimento temem a organização independente e a iniciativa das massas. Para a revolução avançar, romper com o capitalismo e derrotar, conscientemente, a reação a organização de iniciativas desde baixo pela classe trabalhadora e todos aqueles explorados pelo capitalismo é necessária.

O poder econômico da classe dominante deve ser decisivamente quebrado e uma economia socialista democrática e planejada necessita ser introduzida. Todas as companhias falidas precisam ser imediatamente estatizadas com compensações pagas baseadas em necessidades provadas. As medidas de estatização necessitam ser estendidas para todos os setores decisivos e lucrativos da economia, tanto nacional quanto multinacional, para romper com o capitalismo e estabelecer uma democracia dos trabalhadores genuína e uma economia socialista planejada. Através destas medidas um plano nacional poderia ser planejado como parte de um amplo plano emergencial para reconstruir a economia.

Programa socialista internacional

Um governo socialista dos trabalhadores e camponeses baseado em um sistema de democracia dos trabalhadores enfrentaria indubitavelmente tentativas de isolamento e de derrubada pelo imperialismo e o capitalismo. Um governo dos trabalhadores e dos camponeses não poderia construir o socialismo em um país e enfrentar tentativas de subversão pelo capitalismo e o imperialismo.

Só seria possível superar estas dificuldades através de uma tentativa consciente de apelar para a classe trabalhadora da América Latina e todas as Américas, incluindo trabalhadores dos EUA, por solidariedade e apoio. Isto incluiria a perspectiva de espalhar a revolução para estes países e apoiar a classe trabalhadora neles em seus esforços por romper com o capitalismo e o imperialismo. Tal perspectiva abriria o prospecto de trabalhadores nestes países tomando medidas similares para derrubar o capitalismo em seus próprios países e colocar as bases para a construção de uma Federação Socialista e Democrática das Américas. Nesta base a ameaça da reação do capitalismo e do imperialismo pode ser derrotada.

Em seu discurso em Porto Alegre Chávez expressou sua admiração por Che Guevara, quem corajosamente lutou para derrotar o capitalismo e o imperialismo. Ele corretamente disse que os métodos de Che não são aplicáveis. “A tese de um, dois ou três Vietnãs não funciona, especialmente, na Venezuela”.

Porém, infelizmente Che Guevara não foi o único a receber cumprimentos de Hugo Chávez. Enquanto não falava nada sobre as políticas aplicadas por outros, ele elogiou Lula como um “bom homem com um grande coração. Ele é um irmão, um companheiro” e deu apoio para Kirchner na Argentina e Vasquez no Uruguai.

Em relação a Rússia e a China (Venezuela está tentando estabelecer contratos para suprir petróleo para ambos!) ele se referiu a: “Putin é um bom presidente no volante” e elogiou a China por seu “crescimento econômico”.

Ele apelou aos políticos capitalistas destes países que estão em conflito com o imperialismo norte-americano, para seus próprios interesses, ao invés de apelar para a classe trabalhadora destes e outros países.

Parece que a luta na Venezuela entra agora em uma nova fase. Se Chávez tomar passos futuros em uma direção mais radical, tal como os eventos indicam que ele pode fazer, então a luta entre as classes, as forças da revolução e da contra-revolução, serão postas de uma forma muito mais nítida do que já ocorreu desde que ele chegou ao poder em 1998.

O imperialismo dos EUA e a classe dominante da Venezuela e da Colômbia parecem determinados a fazer novos ataques contra Chávez novamente. Agora é urgente que um partido socialista revolucionário de massas seja construído na Venezuela para que junto da classe trabalhadora seja capaz de levar a revolução em frente e, decisivamente, derrote a ameaça de reação. Um partido socialista revolucionário de massas é essencial dar direção às aspirações revolucionárias das massas venezuelanas e auxiliá-las no abraço à idéia de socialismo e de um programa necessário para alcançá-lo. É necessário retirar lições da experiência da classe trabalhadora internacional. As lições da derrota da revolução chilena entre 1970-73 e a vitória da revolução russa em outubro de 1917 e outras experiências devem ser extensivamente discutidas, absorvidas e aplicadas à situação concreta que existe na Venezuela hoje. A reação até o momento foi derrotada. Porém, as massas da Venezuela não têm tempo ilimitado. Um programa socialista para levar a classe trabalhadora ao poder é mais urgente do que nunca.

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