Hugo Chávez e o socialismo: Uma contribuição ao debate internacional
Venezuela, Bolívia, e mais recentemente o Equador são hoje o epicentro da revolta continental dos trabalhadores, camponeses, jovens e outros explorados pelo capitalismo, que está varrendo a América Latina. México, Peru, Guatemala, Argentina, Brasil e outros países foram sacudidos pela agitação política e levantes sociais, com as massas de todo o continente jogadas na luta contra as privatizações, o desemprego e as políticas neoliberais.
As devastadoras conseqüências do neoliberalismo na América Latina foram demonstrada ao longo dos últimos 26 anos. Entre 1980-2006, o Produto Interno Bruto (PIB) na região cresceu meros 15%, comparado com os 82% dos vinte anos de 1960 a 1980.
É nos países andinos da Venezuela e Bolívia onde a luta de classes e o conflito entre revolução e contra-revolução atualmente estão sendo travados de modo mais agudo. Se a América Latina é a linha de frente da luta dos trabalhadores, a Venezuela e a Bolívia são sua guarda avançada.
Questões cruciais são postas agora para os socialistas e a classe trabalhadora nestes países, caso se pretenda derrotar a contínua ameaça de contra-revolução e realizar uma revolução socialista vitoriosa. As questões postas nestes movimentos são cruciais não apenas para os trabalhadores e camponeses destes países. São também ricas em lições importantes para a classe trabalhadora internacional e os socialistas. O capitalismo internacional está para entrar em um novo período de turbulências e levantes políticos e sociais como conseqüência de mudanças qualitativas e das crises agora se desdobrando nos mercados financeiros mundiais. Os trabalhadores de outros países no futuro enfrentarão muitas das questões agora enfrentadas pela classe trabalhadora venezuelana.
A chegada ao poder de Hugo Chávez, em 1998, abriu um novo capítulo na luta de classes na América Latina e internacionalmente. Sua vitória eleitoral foi um sub-produto de uma rejeição de massas ao neoliberalismo e de uma demanda pelo fim das corruptas oligarquias dos dois partidos que governaram a Venezuela durante décadas.
De uma perspectiva internacional, como o Comitê por uma Internacional Operária (CIO) notou na época, a eleição de Chávez foi também extremamente significativa. Desde os anos 90, foi o primeiro governo a chegar ao poder que não estava disposto a abaixar a cabeça às exigências do imperialismo dos EUA e aplicar as políticas neoliberais.
Inicialmente, Chávez falava de uma “revolução bolivariana”, uma “terceira via”, um sistema que seria mais “humano” e democrático”. Na época, ele não falava de socialismo. Nove anos depois, como conseqüência de uma série de choques entre revolução e contra-revolução, na forma de uma tentativa de golpe em 2002, da greve patronal dos patrões em 2002/3, de um referendo revogatório em 2004 e inúmeras eleições e lutas, a questão do socialismo voltou à agenda política. A Venezuela foi agora declarada uma “República Socialista Bolivariana” e a construção do “Socialismo no Século XXI” é o objetivo declarado de Chávez e seu regime.
Reformas do governo
O governo introduziu várias reformas significativas para ajudar os mais oprimidos e explorados, pagas pela bonança de rendas que o estado adquiriu através do aumento do preço do petróleo. A reforma mais profunda foi feita na área da saúde. Em 1998, havia 1.628 médicos para uma população de 23,4 milhões. Hoje, há 19.571 para uma população de 27 milhões. Em 1998 havia 417 salas de emergência, 74 centros de reabilitação e 1.628 centros de saúde. Hoje, há 721 salas de emergência, 445 centros de reabilitação e 8.621 centros de saúde, incluindo 6.500 postos de exame, normalmente em áreas pobres. Desde 2004, 400 mil pessoas tiveram operações oculares e restauraram a visão, freqüentemente feitas por doutores cubanos. Em 1999, apenas 335 pacientes de HIV recebiam tratamento antiretroviral. Em 2006, este quadro aumentou para 18.538.
O governo também forneceu acesso à alimentos subsidiados. Cerca de 15.726 lojas vendendo alimentos subsidiados (Mercal) foram criadas. No total, o gasto do governo central aumentou massivamente de 8,2% do PIB em 1998 para 13,6% em 2006. Se o gasto social da companhia petrolífera estatal PVDSA for incluída, o quadro aumenta para 20% do PIB. Em outras palavras, o gasto social per capita aumentou 170% entre 1998- 2006. Estas importantes reformas são sem dúvidas saudadas pelo povo e aumentaram a popularidade de Chávez.
Elas s ão um contraste marcante com as políticas neoliberais e pró-capitalistas implementadas, no mesmo período, por vários governos internacionalmente. Segundo os dados do governo, como resultado destas reformas e do crescimento da economia, a pobreza total reduziu-se de seu auge de 55.1% em 2003 para 30.4% no fim de 2006. Indicam que desde que Chávez chegou ao poder, as taxas de pobreza declinaram em 30.4%.
Estes eventos tremendamente positivos representaram um importante passo à frente para as massas na Venezuela e a classe trabalhadora internacional. O reaparecimento da idéia do socialismo como alternativa ao neoliberalismo, capitalismo e imperialismo refuta a afirmação dos capitalistas e seus papagaios nos antigos partidos de trabalhadores como Brown, Zapatero, Bachellet e Papandreou que pensam que o socialismo foi posto no porão do museu da história. Eles pensam que o capitalismo e o mercado são o único sistema viável.
Debate e discussão internacional
Os tumultuosos eventos na Venezuela levantaram um tremendo interesse entre os socialistas e trabalhadores internacionalmente. Todos os socialistas têm a responsabilidade de expressar em palavras e ações solidariedade para com os trabalhadores e jovens venezuelanos, especialmente quando são ameaçados pelos ataques do imperialismo e da contra-revolução. Mas o genuíno internacionalismo também inclui uma troca de idéias e experiências da luta dos trabalhadores em diferentes países. Através de tal intercâmbio de experiências, será possível ajudar os trabalhadores venezuelanos a encontrar o caminho certo para derrotar o capitalismo e a contra-revolução. Isto não significa dar de fora da Venezuela, de forma arrogante, lições sobre o que é necessário. O CIO nunca adotou tal abordagem. O diálogo genuíno com os trabalhadores e socialistas venezuelanos também pode olhar para as lutas internacionais da classe trabalhadora. Uma troca genuína de idéias e experiências entre os socialistas venezuelanos e internacionais pode ajudar os trabalhadores de todos os países a chegar às conclusões corretas sobre o programa, tarefas, métodos e ações necessárias para implementar uma revolução socialista vitoriosa.
Embora colocar a idéia do socialismo de volta à agenda política na Venezuela represente um desdobramento positivo muito importante, isto não é o mesmo que realmente consegui-lo. A questão crucial é como levar as lutas na Venezuela adiante até uma revolução socialista vitoriosa.
Os marxistas saúdam todo passo positivo à frente na luta e cada avanço conquistado pela classe trabalhadora e as massas. Ao mesmo tempo, especialmente quando lidamos com as questões cruciais da revolução e contra-revolução, é preciso reconhecer as deficiências e fraquezas no programa e métodos que são apresentados pelos líderes. Estas podem se tornar obstáculos para a revolução socialista. Se isto não é feito, então tais fraquezas podem, como em outras situações, abrir o caminho para retrocessos, derrotas e a vitória da contra-revolução. Condições mais favoráveis do que as que atualmente existem na Venezuela e Bolívia foram perdidas por causa do fracasso em sanar tais fraquezas.
A magnífica revolução espanhola de 1931-7 – na qual a classe operária e os camponeses controlaram quatro quintos da Espanha – foi perdida para as forças fascistas de Franco. Não por causa da falta de determinação ou heroísmo dos operários espanhóis, que empregaram coragem e iniciativa suficientes para fazer dez revoluções. Foi perdida por causa de questões cruciais de programa, organização e a construção de um partido revolucionário de massas, que não foram resolvidas.
Os marxistas apóiam entusiasticamente cada passo a frente tomado pela classe trabalhadora e são otimistas com a luta pelo socialismo. Os marxistas também precisam de uma análise realista e precisa de cada etapa da luta. Portanto, não é tarefa dos marxistas agirem apenas como líderes de torcida para o movimento, ou uma cobertura de esquerda para seus líderes. É preciso dizer quais passos concretos são necessários no programa, método e ação para levar a revolução adiante.
Os eventos na Venezuela provocaram um debate e discussão internacional entre os socialistas sobre como se engajar neste movimento, como se relacionar com o regime de Chávez e que programa é preciso para derrotar o capitalismo. O CIO entusiasticamente participou e contribuiu para este debate e criticou a análise e métodos de algumas outras organizações da esquerda. Por exemplo, o CIO produziu “Os Socialistas Revolucionários e a Revolução Venezuelana” em junho de 2004, como uma contribuição para esta discussão. Infelizmente, alguns que concordam com o marxismo, por exemplo, os camaradas da Tendência Marxista Internacional (cujas idéias comentamos na obra acima citada) e outros, consideram tal crítica como um “censura sectária de quem está de fora”. Trotsky foi também criticado de maneira similar por seus alertas, comentários e análises durante a Guerra Civil Espanhola.
É um equívoco, para os marxistas, considerar tal discussão como “sectária” ou retratá-la como “censura crítica”. Os leitores são convidados a relerem a análise apresentada pelo CIO dos eventos na Venezuela desde a chegada de Chávez ao poder. Encontrarão um consistente método e análise dos eventos em cada etapa. O marxismo é a ciência das perspectivas e, portanto, ajuda a preparar a classe trabalhadora para as lutas que terão que enfrentar contra a classe dominante. A TMI preencheu este papel na análise que apresentou? Não foi feito isso. Em alguns países, a atividade do TMI focou na solidariedade à Venezuela, mas, enquanto louvava Chávez, algo que é necessário fazer quando ele toma um passo positivo com relação aos interesses da classe trabalhadora, a TMI falhou em apresentar um suficiente alerta e críticas de seus erros e deficiências. Desde que “Os Socialistas Revolucionários e a Revolução Venezuelana” foi produzido em 2004, os eventos se desenvolveram. A TMI produziu outro material, no qual deram uma ênfase diferente à sua abordagem anterior, e revelaram uma falta de consistência em seu método de análise. Todavia, as tentativas que fizeram para corrigir sua posição anterior apenas aumentaram as contradições em sua abordagem, que é comentada neste documento.
Isto, junto com outras questões importantes, é comentado neste documento como meio de tentar clarificar a nova etapa da luta que se desenvolveu na Venezuela.
A vitória eleitoral de Chávez em 2006
A vitória eleitoral de Hugo Chávez em 03/12/2006 sem dúvida representou uma vitória importante e outra derrota da contra-revolução. Após esta eleição, Chávez falou cada vez mais sobre a necessidade do socialismo e declarou seu apoio à “Revolução Permanente” e ao “Programa de Transição” de Trotsky. Também propôs uma série de novas medidas. Estas incluíam mudanças na constituição que lhe permitiam concorrer à reeleição indefinidamente, dando-lhe poderes temporários para governar por decreto, e recusa da renovação da licença de transmissão para cadeia de emissoras privadas RCTV.
Ele prometeu que “Tudo que foi privatizado seria re-nacionalizado” e pôs sob controle público a companhia de telecomunicações CANTV, e a EDC – a companhia elétrica. Hugo Chávez também lançou um novo partido, o Partido Socialista Unido Venezuelano (PSUV).
Chávez ganhou com 63% dos votos em 2006 e esse foi um resultado que a maioria dos políticos capitalistas podem apenas invejar. Reflete claramente o apoio que ele desfruta e a oposição que existe para a direita e a ameaça de contra-revolução. Contudo, é exagero afirmar, como faz Jorge Martin da Tendência Marxista Internacional em um artigo recente, “Os desafios da Revolução Venezuelana” (05/9/07), que: “Não há um precedente real para tal apoio eleitoral massivo para um movimento revolucionário em qualquer outro lugar”. Na revolução portuguesa, os partidos e organizações que proclamavam a idéia do socialismo foram endossados com mais de 66% nas eleições à Assembléia Constituinte em abril de 1975.
O CIO explicou que ao longo da campanha eleitoral de 2006, houve uma mudança decisiva, ocorrida enquanto as massas se levantavam em oposição à Manuel Rosales e a direita. Jorge Martin também comenta corretamente sobre este desdobramento na campanha. Durante a eleição, a contra-revolução de direita foi capaz de se apresentar de forma mais unida desde o referendo revogatório de agosto de 2004. Na campanha eleitoral, ocorreu o maior protesto anti-Chávez, com mais de 300.000 pessoas. Apesar do aumento do apoio à Chávez, o candidato da direita Manuel Rosales conseguiu obter mais de 30% dos votos. Em Caracas, a capital, o voto foi quase empatado. Isto é um alerta da ameaça da direita, que ainda existe. A questão é por que a contra-revolução conseguiu se reagrupar e aumentar seu apoio?
Nas primeiras etapas da campanha eleitoral de 2006, o nível de ativistas participando era consideravelmente mais baixo do que nas eleições anteriores. Chávez limitou-se a falar de “paz” e “amor” e a direita parecia estar reunindo um crescente apoio. Foi apenas quando pareceu que a ameaça da reação era muito real que as massas agruparam-se para votar em Chávez. Foi similar ao que ocorreu durante a tentativa de golpe em 2002 e o “paro patronal” de 2002 e 2003. Face à ameaça de contra-revolução, as massas espontaneamente mobilizaram-se de baixo para derrotá-la. Ao mesmo tempo, Chávez então começou a falar de socialismo e girou ainda mais para a esquerda.
Jorge Martin diz em seu artigo que entre as massas desenvolve-se um “sentimento de impaciência”, um sentimento de que “estamos falando de revolução por muito tempo, mas nada de decisivo parece ter mudado”. Isto sem dúvida é verdade e coloca a questão de quais processos estão em operação na Venezuela, e quão longa a revolução ainda está por derrubar o capitalismo.
Este reconhecimento tardio de algumas complicações e contradições na revolução venezuelana está em contraste com o que a TMI dizia anteriormente. Em “Encontros com Hugo Chávez”, de Alan Woods, abril de 2004, a TMI argumentava: “Chávez entendeu o fato de que a revolução precisa dar seu salto qualitativo”. Ainda estamos esperando isso acontecer! Alan Woods continua: “Há muitas coisas que indicam que Chávez prepara um agudo giro à esquerda”. Ele também argumentou, em 2004 (‘Teses sobre revolução e contra-revolução na Venezuela’): “A revolução venezuelana, seguindo o excelente exemplo da Revolução Americana (1776), igualmente não hesitará em tomar medidas para eliminar o poder econômico da minoria contra-revolucionária”.
Fora o fato de que a Revolução Americana não implementou uma revolução social, na Venezuela o regime tem hesitado em eliminar o poder econômico da “minoria contra-revolucionária”. É por esta razão que existem muitas das contradições e obstáculos atuais.
Se fosse possível através de várias reformas progressivas eliminar definitivamente a pobreza, então isto seria, claro, uma boa coisa. Mas sob o capitalismo, não é possível obter tal coisa. Na época da eleição, no fim de 2006, estas expectativas não foram preenchidas. A contra-revolução, alimentando-se do descontentamento acumulado, estava no processo de começar a reagrupar suas forças. Isto era possível precisamente porque, até agora, o capitalismo não foi derrotado. Apesar das reformas, há uma pobreza generalizada e uma raiva crescente contra a burocracia estatal, que está crescendo. Este ponto não foi esquecido por John Pilger, como pode ser visto em seu recente filme, ‘War on Democracy’. Numa entrevista com Hugo Chávez, o cineasta questiona o líder venezuelano sobre a pobreza generalizada que ainda é evidente na Venezuela e vista nas enormes favelas por qualquer visitante do país, quando se sai do aeroporto de Caracas.
Pobreza e crescimento econômico
Contra o pano de fundo de violentos ataques à classe trabalhadora por governos em toda América Latina e internacionalmente, é compreensível que Chávez, e agora Morales, tenham ganho enorme simpatia dos trabalhadores e jovens por todo o mundo. Junto com Cuba, e agora possivelmente o Equador, eles são vistos como os únicos governos que desafiam o imperialismo dos EUA e oferecem uma alternativa de esquerda radical ao neoliberalismo.
Todavia, ao mesmo tempo, a enorme pobreza continua na Venezuela – mais de 30% da população, segundo dados oficiais. Enquanto os subsídios na saúde, educação e alimentos tenham ajudado milhões, há uma enorme crise na infra-estrutura. A massa da população em Caracas continua presa em sórdidas condições habitacionais nos ‘barrios’, nos morros que cercam a cidade. Embora 90.000 novas casas tenham sido construídas em um ano, o enorme déficit habitacional de 1.5 milhão ainda espera ser resolvido. O desemprego caiu – de 15% em 1999 – mas ainda continua relativamente alto, 8,3%. Isto apesar da economia ter crescido em 76% desde 2003.
O crescimento econômico foi abastecido pela venda de petróleo, que levou uma bonança para setores da classe média e do setor privado. Embora seja verdade que o crescimento foi dirigido pelos massivos investimentos no setor público, não é verdade, como diz Jorge Martin, que o “setor privado estagnou”. Desde 2004, a maioria do crescimento esteve com aqueles setores da economia fora da indústria do petróleo. A manufatura cresceu 91% nos últimos oito anos e a construção em 144%, serviços de comércio e reparos em 127.5%, e comunicações em 99,5%. Neste período, a produção de petróleo não aumentou. Como Alan Greenspan pontua em sua recente autobiografia, “Era da Turbulência – Aventuras em um novo mundo”, a produção de petróleo cru venezuelano caiu de uma média de 3,2 milhões de barris por dia em 2000, para 2,4 milhões de barris por dia na primavera de 2007.
Como a economia se expandiu, os bancos, que continuam intocados, tiveram alguns dos melhores negócios nos mercados financeiros internacionais. Os lucros no setor bancário aumentaram com 33% em 2006, liderado por um aumento de 100% nos empréstimos de cartões de crédito e um salto de 143% nos empréstimos às classes médias para comprarem novos carros. O sistema bancário venezuelano é agora a inveja do mundo capitalista financeiro, com retornos sobre as ações de 33% acima da norma e, entre os maiores bancos, chega até 40%. Como Román Mayoraga, o representante venezuelano do Banco Interamericano de Desenvolvimento, colocou em dezembro de 2005: “Os bancos estão fazendo rios de dinheiro”.
Apesar de todos os protestos da direita e do imperialismo com o crescente controle estatal da economia, o caso é o oposto. Como resultado do crescimento do setor privado e da estagnação da indústria do petróleo, em 2006, o valor total do setor privado foi de 63% do PIB – de 59% quando Chávez chegou ao poder em 1998 e 1999! O gasto do governo central na Venezuela conta com 30% do PIB. Mas continua muito abaixo de países capitalistas europeus, como França (49%) e Suécia (52%) (‘The Venezuelan Economy in the Chávez Years’, julho de 2007, Centre for Economic and Policy Research).
Junto com a inflação, que está chegando perto dos 20%, o fracasso em resolver os enormes problemas sociais leva inevitavelmente a uma frustração e mesmo raiva entre setores significativos dos trabalhadores e pobres urbanos. Isto é reforçado por um enorme crescimento da burocracia, corrupção e favoritismo dentro do setor público. Mesmo as Missiones, que administram as reformas na saúde e educação, estão infectados por esta doença. Embora Chávez continue popular e goze de um apoio massivo, refletido nas eleições de dezembro de 2006, a frustração e raiva com o fracasso em resolver estes problemas sociais para milhões de pessoas, pode servir para minar seu apoio.
Todavia, não é possivel resolver estes enormes problemas sociais que ainda continuam, apesar do programa de reformas, dentro dos marcos do capitalismo. As reformas foram financiadas principalmente pelo enorme crescimento nas rendas do governo resultantes do alto preço do petróleo. O departamento de Estado dos EUA estima que o petróleo conte com 15% do PIB – alguns colocam este dado mais alto, em 30%. Em 2006, a renda de petróleo do governo era de US$ 28.9 bilhões. Metade da renda do governo agora vem do petróleo. Isto significa que a Venezuela ainda está em uma camisa de força econômica, como muitas economias no mundo neocolonial, dependentes de uma mercadoria limitada para exportar. Sob o capitalismo, não é possível desenvolver plenamente estas economias para superar esta limitação por causa do domínio do imperialismo no mercado mundial. No caso da Venezuela, embora possua vastas reservas de petróleo, carece de tecnologia para o refino, tornando-a dependente das potências imperialistas mais industrializadas.
Dependência do petróleo
A dependência do petróleo coloca uma questão: qual seria a conseqüência de uma mudança na situação econômica mundial, que levasse a uma queda no preço do petróleo?
Uma queda nos preços do petróleo resultante de uma recessão econômica mundial teria potencialmente efeitos devastadores na Venezuela. A recessão econômica que atingiu a Venezuela nos anos 70 surgiu após um período de altos preços do petróleo, permitindo crescentes gastos estatais em reformas sociais. Tudo isto foi retomado e desmantelado após o colapso no preço do petróleo, resultado da recessão econômica mundial. Isto é um alerta para a Venezuela hoje, se o capitalismo e o latifúndio não forem destruídos. A questão crucial é como e qual classe vai conseguir isto na Venezuela.
Junto a estas ameaças às reformas introduzidas, há as constantes tentativas de sabotagem da economia pela classe capitalista como um meio de tentar minar o apoio a Chávez. Ocorrem desfalques regulares de carne, açúcar, milho, ovos, gasolina, frango e algumas vezes, café.
Apesar do crescimento econômico, está claro que a pobreza generalizada continua, junto com todos os outros problemas sociais, como a alienação social própria da sociedade capitalista, refletida nos altos níveis de crimes e violência em Caracas e outras grandes cidades. Jorge Martin escreve que o crescimento está “exacerbando todas as contradições, ao invés de resolvê-las”. Mas a principal razão para isto é a continuidade do capitalismo e o fracasso, até agora, em derrotá-lo. As reformas populares que Chávez introduziu e suas outras políticas radicais o levaram a uma colisão com os interesses do capitalismo. Aqui está a contradição clássica do reformismo. A questão crucial é sobre qual programa e organização é necessária para resolver este choque de interesses de classe.
As contradições de Chávez
Jorge Martin, como muitos outros comentaristas na Venezuela, agora reconhece de algum modo as contradições que emergem na Venezuela sob Chávez. Em relação à indústria alimentar, Jorge Martin critica o governo por não “enfrentar a questão de frente” “tomando posse da terra e da cadeia de distribuição” e criar uma estrutura paralela para competir com o setor privado (Mercal – os supermercados subsidiados e dirigidos pelo estado). Esta é uma formulação programática muito vaga. Não é suficiente apenas falar de “tomar posse”, mas sim de levantar uma demanda clara pela nacionalização. Os marxistas devem ser precisos no programa e slogans que apresentam, especialmente em uma luta entre a revolução e a contra-revolução. A demanda pela nacionalização sob controle e gestão democrática dos trabalhadores é o que é preciso.
Jorge Martin também diz: “Chávez claramente as refletia [as contradições na economia] quando ameaçou nacionalizar os bancos e a siderúrgica Argentina SIDOR”. Jorge Martin continua citando Chávez dizendo: “não podemos ter uma situação onde o estado é o único credor dos produtores nacionais para desenvolver a produção”.
Chávez pode ter refletido a contradição existente quando ameaçou nacionalizar os bancos. Mas isto não foi feito e Chávez continua a presidir o que fundamentalmente ainda é uma economia capitalista apesar de suas declarações de apoio ao socialismo.
Os marxistas sempre adotam uma atitude positiva e saúdam os passos progressistas tomados pela classe trabalhadora que levam aos seus interesses. Mas o papel dos marxistas não é dar uma cobertura de esquerda à políticas erradas, deficiências e prevaricações da direção do movimento. Isto não ajuda os trabalhadores e jovens envolvidos na luta a achar um caminho para a revolução e a romper as contradições e obstáculos que existem. Acima de tudo, é preciso ajudar os trabalhadores a construir suas próprias organizações independentes, com um programa para alcançar uma revolução vitoriosa. Esta não é a atitude da Tendência Marxista Internacional. Ao invés disso, a TMI tenta agir como conselheiros benevolentes da direção de Chávez, negligenciado a realidade do que acontece na base.
Em seu documento, Jorge Martin, quando lida com as “nacionalizações” que Chávez realizou, argumenta: “Alguns dizem que não são verdadeiras nacionalizações, porque foram realizadas com compensações”. Jorge Martin continua: “Todavia, se queremos entender o significado real destas nacionalizações, temos que olhar como os trabalhadores e capitalistas reagiram a elas”. Ele então explica que os trabalhadores as saudaram, criaram um “Batalhão Socialista” do recém-formado PSUV e exigiram o controle operário.
Esta reação positiva dos trabalhadores interessados é muito significativa. A entusiástica resposta dos trabalhadores, todavia, reflete mais o que eles pensam que estão ganhando do que o que realmente foi oferecido.
Os capitalistas reagiram reduzindo o investimento estrangeiro direto em US$1,050 milhões no primeiro trimestre de 2007, comparado ao mesmo período em 2006. Sem dúvida, isto refletia o medo do imperialismo dos processos na Venezuela. Mas por mais significativa que seja a reação dos trabalhadores e capitalistas seja, elas não explicam as limitações do que Chávez realmente fez e o que está ocorrendo na economia venezuelana.
A questão da nacionalização
Os marxistas apóiam a nacionalização das grandes companhias. Os imperialistas e grandes capitalistas nacionais que roubaram e saquearam a Venezuela às custas da massa da população não precisam ou merecem compensação. Ao mesmo tempo, se há pequenos acionistas, setores da classe média com alguma poupança, a classe trabalhadora não tem interesse em puní-los. Comitês democráticos, representando os trabalhadores nas empresas, os pobres e a população como um todo, incluindo pequenos empresários e a classe média, devem ser eleitos para investigar todos os pedidos de compensação, que deve ser paga com base na necessidade provada. Uma das tarefas do movimento operário é tentar ganhar o apoio de setores radicalizados da classe média, que são explorados pelo capitalismo e, assim, minar a base de apoio potencial da direita.
Com um genuíno programa revolucionário socialista, o movimento dos trabalhadores precisa tomar todos os passos necessários para dividir a classe média, e não jogá-la nos braços da contra-revolução. A classe média, que também é explorada pelo capitalismo, não é o verdadeiro inimigo da classe trabalhadora, e sim os grandes acionistas, capitalistas e imperialistas, que roubaram e saquearam os recursos do país para seus próprios interesses.
Todavia, a questão posta com as “nacionalizações” na Venezuela é que os maiores monopólios e bancos não foram tocados, e não há uma economia nacionalizada planificada democraticamente. Jorge Martin mais uma vez invoca Chávez, quando este declara: “Todas as companhias privatizadas devem ser nacionalizadas”. Em outras palavras, as privatizadas pelos antigos governos representando os oligarcas que governam a Venezuela. Isto, claro, é apoiado pelos marxistas, mas não é suficiente para tomar o controle da economia da classe capitalista.
Ao mesmo tempo, é preciso levantar claramente a questão de como as indústrias nacionalizadas devem ser dirigidas democraticamente e em interesse da classe trabalhadora. A demanda pelo controle operário das indústrias interessadas foi uma discussão importante na Venezuela. A necessidade de comitês eleitos nos locais de trabalho, responsáveis pelo funcionamento diário das fábricas é uma tarefa urgente. Estes comitês precisam ser eleitos pelos próprios trabalhadores, não devem receber privilégios especiais e devem estar sujeitos à revogação imediata. Isto é distinto dos órgãos apontados pelo governo e sindicatos que foram estabelecidos na Venezuela.
É preciso um sistema de gestão democrática dos trabalhadores sobre as empresas nacionalizadas. Os órgãos de tais companhias devem ser constituídos de representantes eleitos pelos trabalhadores da indústria, da população em geral e representantes de um governo operário e camponês para integrar a indústria no planejamento total da economia. Tal sistema de gestão democrática dos trabalhadores é diferente do controle operário. Este se aplica ao funcionamento diário nos locais de trabalho e também pode ser aplicado em companhias privadas, para agir como uma escola para ensinar os trabalhadores a gerir a indústria e a economia como um todo quando o capitalismo for derrotado.
É preciso distinguir entre frases e atos. O que Chávez fez foi re-nacionalizar a CANTV e a EDC (as companhias de telecomunicações e de eletricidade). Embora seja um passo bem vindo, não é suficiente. Como pontua o Centro para Pesquisa Econômica e Política (CEPR), de Washington, em seu relatório ‘The Venezuelan Economy in the Chávez Years’ (julho de 2007), muito simpático à Chávez: “Estes movimentos [nacionalização da CANTV, EDC e intervenção do governo na indústria do petróleo na bacia do Orinoco] foram geralmente retratados como muito negativos não apenas para os investimentos na Venezuela e para seu futuro econômico. Todavia, é importante ter alguma perspectiva nestas mudanças. O setor de telecomunicações era nacionalizado, e então privatizado no inicio dos anos 90. As recentes companhias nacionalizadas foram compensadas totalmente por seus bens…” Ele então cita o Presidente da AES, Paul Hanrahan, “Penso que este acordo é justo e que respeitou os direitos dos investidores”. O CEPR também pontua que 80% das companhias de eletricidade nacionalizadas já eram, de fato, controladas pelo estado.
Na bacia de petróleo de Orinoco, o governo aumentou os impostos pagos pelo setor privado. Na essência, ele renegociou as joint ventures (empreendimentos conjuntos de capital estatal e estrangeiro), que limitaram a quantidade de bens que empresas estrangeiras podem ter, dando ao estado uma maioria das ações. Na primeira rodada de negociações, 31 de 33 contratos foram acertados, com apenas a Total e a ENI rejeitando os novos contratos. Em negociações posteriores, a Exxon-Mobile também pulou fora.
Todavia, embora os novos contratos aumentem a renda do governo, não fizeram nada de excepcional comparados a outros países produtores de petróleo do mundo neocolonial. A Venezuela é um dos poucos grandes países produtores que permitem investimento estrangeiro na produção de petróleo! Mesmo aliados dos EUA, como México e Arábia Saudita, por exemplo, não o fazem!
É claramente muito positivo que Chávez fale de socialismo, mas a questão decisiva é como obter isso e derrotar o capitalismo. O programa que, até agora, foi introduzido por Chávez, tem muitas das características do reformismo keynesiano introduzido em muitos países nos anos 50, 60 e começo dos 70. Como amigo do regime de Chávez, Tariq Ali explicou em seu livro, ‘Piratas do Caribe – Eixo da Esperança’: “O novo Bolivarianismo combina nacionalismo continental e reformas social-democratas abastecidas pela renda do petróleo”. Em outras palavras, uma versão latino-americana do ‘Velho Trabalhismo” na Grã-Bretanha ou em governos reformistas social-democratas de outros países europeus.
Keynesianismo e reformismo
Nestes casos, através do aumento no gasto estatal e da intervenção estatal na economia, foram introduzidas várias reformas que beneficiaram a classe trabalhadora. Isto foi usado para justificar as idéias da via reformista ao socialismo – de passos progressivos usurpando o capitalismo até que este seja eventualmente substituído pelo socialismo.
Estas idéias nunca permitiram uma transformação socialista vitoriosa. Os capitalistas nunca permitiram tal desenvolvimento sem intervir diretamente para defender seu sistema e seus interesses. Nos períodos onde seus interesses serão decisivamente ameaçados, a classe dominante tentará esmagar a classe trabalhadora de forma sangrenta através de um golpe militar, como no Chile em 1973. Nos anos 30, em um período histórico diferente, os patrões voltaram-se ao fascismo para salvar seu sistema, como fizeram, por exemplo, na Alemanha de Hitler e na Espanha de Franco.
Embora os marxistas defendam todas as reformas ganhas pela introdução das políticas keynesianas, estas não podem ser duradouras dentro do capitalismo. Por esta razão, as reformas conquistas pela classe trabalhadora no período de crescimento capitalista estão sendo destruídas e retomadas do modo mais brutal na Europa, América Latina, Ásia e África.
A Venezuela é um caso único, onde poucos regimes radicais de esquerda que chegaram ao poder no mundo neocolonial possuem tal bonança de petróleo para pagar pelas reformas. Isso deu à Chávez um certo espaço para manobrar e manter sua base de apoio. Sem o petróleo, caso ele não tivesse derrotado o capitalismo e criado uma economia nacionalizada planificada, seria improvável que seu regime fosse capaz de se manter no poder por tanto tempo. Esta questão não foi esquecida por Alan Greenspan, que alertou em sua autobiografia: “Ele [Chávez] precisa de preços sempre altos [de petróleo] para se manter. A sorte pode não sorrir para ele pra sempre”.
A iminência de uma queda ou recessão na economia mundial provavelmente provocará uma queda no preço do petróleo, quando a demanda cair. Alguns dizem que a Venezuela pode enfrentar uma tempestade. O CEPR de Washington, diz que a Venezuela calculou no orçamento de forma conservadora o preço do petróleo (à US$29 por barril – 52% mais baixo que o preço médio em 2006), acumulando uma grande reserva internacional de US$25.2 bilhões. Isto, dizem eles, junto com outros fundos, pode fazer com que o país possa absorver uma queda de 20% no preço do petróleo. Mas, e se o preço cair ainda mais e não se recuperar rapidamente? Até o cenário otimista apresentado pelo CEPR coloca: “Assim, embora uma queda no preço do petróleo não causará uma crise orçamentária [sic], pode levar à redução nos gastos do governo, o que pode reduzir o atual ritmo acelerado da economia…”
Tais acontecimentos ocorreram antes na Venezuela. O governo nacionalista populista de Carlos Andrés Perez foi capaz de introduzir algumas reformas sociais significativas entre 1974 e 79 utilizando os lucros do petróleo. Em 1979, o petróleo alcançou US$ 80 o barril. Todavia, todas as reformas sociais foram brutalmente destruídas e revertidas nos anos 80, quando uma grande recessão tomou conta da Venezuela, após uma queda nos preços do petróleo para US$ 38 o barril. Uma queda de aproximadamente 50%!
Isto teve conseqüências devastadoras e levou a Venezuela a um declínio econômico que durou mais de duas décadas. Entre 1979 e 1999, o PIB per capita caiu dramaticamente em 27%. As pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza subiu de 17% em 1980 para 65% em 1996. Este é uma alerta para Chávez e as massas venezuelanas.
Mesmo se, e este é um grande “se”, o cenário mais otimista do CEPR provar ser correto, significaria um corte nas reformas e uma recessão na economia. Isto certamente levaria a um aumento do desemprego.
A frustração e raiva entre alguns setores dos trabalhadores, pobres urbanos e camponeses hoje, em um período de crescimento econômico, seriam enormemente reforçadas em tal situação. Chávez, já no poder por nove anos, nesta situação, poderia ver um profundo desapontamento afetando grandes camadas das massas, o que poderia minar seu apoio.
Este desdobramento teria um terreno ainda mais fértil para a reação reagrupar suas forças e preparar seu retorno. Isto possivelmente poderia ocorrer de um modo similar como a FSLN sandinista que foi tirada do cargo, quando a direita pró-imperialista ganhou as eleições em 1989, depois da frustração, desapontamento e exaustão com o fracasso da revolução na Nicarágua em ir adiante e derrubar o capitalismo. Agora, Ortega retornou ao poder tendo feito as pazes com o capitalismo, os antigos Contras direitistas e a Igreja Católica e ter concordado escandalosamente em ilegalizar o aborto.
Apesar da vitória eleitoral de Chávez em 2006, a ameaça de uma contra-revolução rasteira continua muito real. Isto foi visto nas primeiras etapas da campanha eleitoral, apesar do giro verbal de Chávez e a adesão ao socialismo, que ele fez durante e depois da campanha eleitoral.
Chávez, Trotsky e tendências populistas
Os últimos discursos de Chávez, apoiando o socialismo e se referindo à Trotsky, representa uma mudança muito importante e um bem vindo passo à frente; mas é também importante para os marxistas distinguir palavras de atos. Chávez não é o primeiro líder a defender Trotsky em palavras, mas falhar em aplicar seus métodos e idéias na prática. Na Espanha nos anos 30, Andrés Nin aderiu ao trotskismo por um período, mas depois rompeu com Trotsky quando ajudou a fundar o POUM (Partido Operário de Unificação Marxista) em 1935. Embora Nin e seu partido ainda fossem apelidados de ‘trotskistas’, contra o conselho de Trotsky, eles uniram-se ao governo pró-capitalista da Frente Popular na Catalunha em 1936.
Mais recentemente, Miguel Rossetto, em 2003, membro do Secretariado Unificado da Quarta Internacional na época, que é partidária do trotskismo, uniu-se ao governo neoliberal de Lula como Ministro da Reforma Agrária. Quando Chavez chegou ao poder, tinha muitas das características de um populista nacionalista radical. Agora, ele está defendendo, em discursos muito radicais, uma versão mais clássica de socialismo reformista.
A tendência populista nacionalista radical de esquerda que Chávez refletia tem uma forte tradição da América Latina, embora possa ser visto também em outros continentes. O populismo, por sua natureza, tem muitos traços e pode ser tanto de esquerda quanto de direita. Um elemento de populismo de direita foi usado por Sarkozy na França e na Grã-Bretanha, no recente giro à “esquerda” de Cameron, líder do Partido Conservador. Todavia, as forças populistas radicais de esquerda que surgiram na América Latina representam um grito das massas contra a exploração e pobreza. Desenvolveu-se geralmente onde organizações independentes dos trabalhadores que defendem as idéias socialistas são fracas. Os líderes desses movimentos refletem a angústia das massas, mas limitam o programa a reformas dentro do capitalismo, incluindo maior intervenção estatal e poder de ziguezaguear nas políticas e métodos que usam.
No caso da América Latina, tais líderes refletem o impasse na sociedade capitalista, mas não mostram uma saída. Os líderes dessas forças geralmente não saíram de organizações independentes ou partidos da classe trabalhadora, mas das fileiras militares ou de partidos radicais de esquerda da pequena-burguesia. Significativamente, isto foi comentado por Alan Greenspan em sua autobiografia. Em relação à Chávez, ele observa: “Vejo o populismo econômico como uma resposta de um povo empobrecido a uma sociedade enfraquecida, caracterizada por uma elite econômica vista como opressora…”. Ele continua: “O populismo econômico procura a reforma, não a revolução”. Em outras palavras, ele não ameaça diretamente o capitalismo, mas procura reformá-lo. Desde que Chávez chegou ao poder numa base populista nacionalista radical, ele verbalmente evoluiu para a esquerda, defendendo a idéia do socialismo e idéias mais clássicas de socialismo reformista.
Há muitos outros líderes do movimento dos trabalhadores no passado que também faziam discursos e declarações sonoras muito revolucionárias e de esquerda. Mas é também uma questão de atos e programa para vencer que são o teste supremo.
Salvador Allende e seu Partido Socialista diziam apoiar o marxismo. O Secretário-Geral de esquerda do PS chileno, Altamirano, em palavras apoiava o armamento da classe trabalhadora. Na Grécia, Andreas Papandreou, fundador do PASOK em 1974, dizia em 1975; “Se o termo marxista significa o método de análise que herdamos de Marx, que fala da luta de classes, da estrutura do poder, se isto é marxista… somos obrigados como movimento socialista a dizer SIM”. Mario Soares, líder do Partido Socialista Português após a revolução de 1974, proclamou o partido como marxista e ofereceu mostrar a porta a qualquer um que não aceitasse isso, embora ele mais tarde girasse à direita.
Quando no governo, muitos destes líderes desafiaram muito mais os interesses do capitalismo do que Hugo Chávez fez até agora. No Chile, Allende nacionalizou 40% da economia. Na Revolução Portuguesa, cerca de 70% da economia do país estava nas mãos do estado.
Como Chávez, todos estes líderes, em certo momento, eram imensamente populares com as massas e jogaram um papel crucial. Mas a luta de classes agudizou-se e alcançou conjunturas cruciais e, em última análise, não foram discursos revolucionários de esquerda ou popularidade que se provaram decisivos. Foi o programa, políticas, métodos e ações que foram o teste supremo. Nenhum destes líderes de “esquerda” defendiam um programa de ação suficiente para derrotar o capitalismo e que permitisse à classe trabalhadora tomar a direção da sociedade.
Allende morreu heroicamente no golpe militar em 1973. Papandreou, que se escondeu de armas na mão, enquanto os militares tomavam o poder na Grécia em 1967, reconciliou-se com o capitalismo e moveu-se para a direita. Mario Soares e o Partido Socialista tornaram-se o veículo pelo o qual o capitalismo pôde restabelecer seu domínio em Portugal.
Na Espanha dos anos 30, Largo Caballero, que serviu o governo ditatorial de direita de Primo de Rivera nos anos 20, radicalizou dramaticamente e surgiu como o líder da esquerda do Partido Socialista (PSOE). Ele estudou Lênin na prisão e passou a apoiar o “Bolchevismo” e o “Leninismo”. Nas eleições de 1933, Largo Caballero apelou que no caso de uma vitória da direita, os trabalhadores pegassem em armas. Seu jornal, ‘El Socialista’, publicou uma manchete em 1934: “Harmonia? Não! Guerra de Classe! Ódio à burguesia criminosa até a morte!” Antes de sua morte em 1946, Largo Caballero sofreria os horrores dos campos de concentração fascista na Alemanha após a derrota da guerra civil espanhola. Todavia, Largo Caballero erradamente uniu-se ao governo de “frente popular” de republicanos, socialistas e comunistas; uma coalizão que incluía o que Trotsky chamou de “sombra” da classe capitalista. A esmagadora maioria da classe dominante aderiu aos fascistas. A política das frentes populares foi aplicada sob a tutela de Stalin e surgia da chamada “teoria das duas etapas” da revolução, que apoiava a idéia de formar uma coalizão com a classe capitalista “democrática” e “progressista”. A revolução socialista seria adiada até o fascismo ser derrotado. Apenas depois de um período de desenvolvimento capitalista a revolução estaria “madura” para o socialismo.
Pela aplicação desta política, as lutas dos trabalhadores e a tentativa dos camponeses de redistribuir a terra e outras ações de massas foram paralisadas. Foi uma ruptura fatal para o magnífico movimento das massas espanholas que foram afogadas no banho de sangue de Franco, após lutarem numa heróica revolução. A “política de etapas”, onde foi aplicada, nunca obteve vitórias para os trabalhadores, terminando sempre em um desastre sangrento.
A história nunca se repete exatamente do mesmo modo, mas há leis fundamentais do processo da revolução e contra-revolução, que precisam ser aprendidas e aplicadas à situação da Venezuela hoje.
Uma economia paralela
O que Chávez está tentando fazer é tentar construir uma economia e estado “paralelo”, ao lado dos monopólios capitalistas e da máquina estatal existente. Sob certas condições, por exemplo, onde existe uma situação de “poder dual”, pode ser possível desenvolver-se temporariamente tal economia “paralela”, e fazer alguns avanços. “Poder dual” é o termo dado pelos marxistas à situação onde a classe capitalista dirigente não está plenamente no controle da economia ou do estado, porque está sendo desafiada por um movimento revolucionário da classe trabalhadora que se desenvolve em tal grau que a classe dirigente não pode governar a sociedade. No entanto, nesta situação, embora tenha desafiado o domínio do capitalismo, o movimento ainda não tomou o poder completamente em suas mãos, derrotando a classe dominante. Tal situação não pode durar indefinidamente e resultará ou na classe trabalhadora tomando o poder e derrotando a elite ou os capitalistas reassumirão seu domínio e controle sobre a economia e a máquina estatal. Mas não é esta a situação que existe hoje na Venezuela.
Apesar das ameaças verbais para nacionalizar os bancos e algumas outras indústrias, Chávez não fez isto. Por exemplo, os supermercados estatais (Mercal) operam junto com as cadeias privadas de alimentos. Chávez também está tentando fortalecer seu apoio dentro das forças armadas para usá-la como um instrumento à “serviço do povo”.
A classe capitalista lutará até o amargo fim para impedir o setor estatal de se fortalecer gradualmente até ele “tomar” e substituir as alavancas econômicas e estatais do poder capitalista. Quando necessário, os capitalistas recorrerão a brutais ditaduras militares. Nos anos 30, quando existia a base social para isto, eles voltaram-se para o fascismo na Espanha, Itália e Alemanha. Na guerra civil espanhola, quando a classe trabalhadora, por um período, controlava quatro quintos da Espanha, o estado e a economia capitalista se desintegraram e a classe dominante temporariamente perdeu o controle da situação. Mas pelo fato da classe trabalhadora não ter derrubado o capitalismo até o fim e tomado o poder em suas mãos criando uma democracia operária, o capitalismo conseguiu se reconstituir, e via facismo, retomou o poder e o controle da sociedade. Na Nicarágua, o estado de Somoza colapsou e a FSLN tomou o poder. Todavia, como o capitalismo e o latifúndio não foram derrubados e não foi estabelecido um novo estado operário democrático, o capitalismo e o latifúndio retomaram o controle da sociedade e restabeleceram seu poder total.
Chávez disse que apóia as idéias da Teoria da Revolução Permanente de Trotsky. Jorge Martin escreve: “O processo na Venezuela é um claro exemplo da revolução permanente”. Bem, sim, no que ilustra as tarefas que estão postas para a revolução. Mas seguramente não no que concerne à política e programa que estão sendo realmente implementados por Chávez e a direção do movimento dos trabalhadores.
Revolução permanente
A Teoria da Revolução Permanente explica que historicamente as tarefas da revolução burguesa – a solução da questão agrária, desenvolvimento da indústria e solução da questão nacional, assegurando uma independência nacional e criando uma democracia parlamentar – foram implementadas pela burguesia nacional. Estas foram realizadas nas revoluções burguesas, principalmente nos séculos XVII e XVIII na Europa, que varreram o feudalismo. Mas na moderna época do imperialismo, nos países neocoloniais, onde as tarefas da revolução burguesa continuam incompletas, elas não podem ser realizadas pela classe capitalista nacional. Esta é muito fraca e corrupta, e está acorrentada ao imperialismo.
A experiência da Revolução Russa de 1917 mostrou que a solução destas tarefas recai sobre a classe trabalhadora nos países neocoloniais com o apoio dos camponeses pobres, setores radicais da classe média e outros explorados pelo capitalismo e o latifúndio.
Contudo, tendo tomado o poder, a classe trabalhadora imediatamente entra em colisão com o capitalismo e o latifúndio. Derrubá-los e criar uma economia nacionalizada e democraticamente planejada é o único meio de desenvolver as forças produtivas. Para alcançar isto e começar a tarefa de desenvolver os recursos necessários à construção do socialismo, essas ações tornam-se totalmente interligadas com a expansão da revolução socialista para o resto do mundo, inclusive os países imperialistas industrializados.
Mas a idéia da “revolução permanente” também pode ser usada erroneamente e distorcida totalmente para justificar uma política de passos graduais – um por vez, pouco a pouco, até o capitalismo eventualmente desaparecer e o socialismo “florescer”. Neste sentido, é dito que a revolução é “permanente”. Na guerra civil espanhola, os stalinistas contrapunham às idéias da revolução permanente à “teoria das etapas”, primeiro derrotar os fascistas, então desenvolver o capitalismo, e apenas quando estas tarefas forem concluídas, a revolução socialista poderia ser colocada.
É extremamente positivo que Chávez coloque a idéia da revolução permanente na agenda política da Venezuela. A questão crucial é como ela é entendida e aplicada.
Jorge Martin cita favoravelmente Chávez, quando ele convidou a classe dominante a participar no desenvolvimento da economia nacional. Se ela recusasse, Chávez alertou: “Tomaremos as alavancas do poder que eles têm, um a um”. [Minha ênfase – TS]. Martin admite que o estado venezuelano ainda é, “no principal, um aparato estatal capitalista” e se “continuar intocado, se tornará uma ferramenta para esmagar a revolução”. Mas ele já está sendo usado para atacar trabalhadores que se envolveram na luta. Mais de 5 mil petroleiros em Anzoátegui entraram em greve, em setembro deste ano. Estes trabalhadores continuaram a trabalhar durante a greve patronal de 2002 e 2003. Em uma manifestação, a polícia atacou os manifestantes e abriu fogo com munição verdadeira, ferindo três trabalhadores. Os trabalhadores da saúde que ocuparam o Ministério do Trabalho foram sujeitos a um violento ataque e presos no prédio do governo por bandidos, sem comida e água por vários dias. Estes e outros ataques a trabalhadores envolvidos na luta refletem um setor da máquina estatal que ainda apóia a reação de direita e também uma camada do regime de Chávez que se opõe que a classe trabalhadora empreenda qualquer luta para defender seus interesses de classe.
Jorge Martin está dizendo que o capitalismo pode ser derrubado tomando as alavancas do poder dos capitalistas “uma a uma”? A experiência da Venezuela já mostrou que os capitalistas iriam lutar seriamente contra tal tentativa de implementar uma revolução por passos graduais. A história do movimento internacional dos trabalhadores está tragicamente manchado com tentativas fracassadas de se chegar ao socialismo por esta via.
Um animal é mais perigoso quando está ferido. Toda tentativa de derrotar o capitalismo deste modo é igual a tentar desarmar um tigre removendo uma garra por vez. Ele irá revidar e atacar qualquer um que tentar fazer isso. O mesmo é verdade para a classe capitalista dominante.
Lições da Revolução Portuguesa
Os desdobramentos na máquina estatal venezuelana, e especialmente no exército, são de crucial importância. Jorge Martin faz alguns comentários muito reveladores sobre as divisões que existem dentro dele. Ele cita um general aposentado, Alberto Rojas, comentando como o exército está dividido: “Há uma esquerda, uma direita, e dentro da esquerda, um setor que se chama socialista, mas não são, e há aqueles como nós [Rojas] que são verdadeiros socialistas, mas que sempre estiveram em minoria”.
Isto levanta importantes questões sobre a correlação de forças no exército. Ele está cada vez mais sendo incorporado ao governo e à direção da sociedade. De 61 ministros que serviram no governo Chávez entre 1999 e 2004, 16 (ou 26%) eram oficiais militares. Depois das eleições regionais de 2004, dos 24 governadores do país, 22 eram apoiadores de Chávez. Destes, 41% vieram de um passado militar. Chávez tem uma importante base de apoio no exército, mas estas forças não são homogêneas. Apesar da camada radicalizada que existe entre os baixos oficiais, o processo de radicalização não foi tão longe como em Portugal de 1974/75.
Após a derrubada da ditadura de Caetano em abril de 1974 pelos baixos oficiais do exército, as massas começaram a entrar na luta e começou a se desenvolver um processo revolucionário. A reação fez repetidos esforços de detê-lo e em 11 de março de 1975, um grupo de oficiais reacionários tentou um golpe. Isso provocou uma massiva explosão social e uma fermentação revolucionária. Em resposta, os trabalhadores tomaram as ruas e fábricas e bancos foram ocupados. O golpe colapsou e não foi possível encontrar um único regimento que pudesse agir pela contra-revolução.
Então, o MFA (Movimento das Forças Armadas), uma organização radical dos oficiais que levou ao levante de abril de 1974, lançou uma declaração dizendo que a revolução é uma “transição ao socialismo”. Depois, uma ala propôs um plano “rumo a uma sociedade socialista e chamou por conselhos de vizinhança e operários”. Setenta por cento da economia foi nacionalizada. O “London Times” publicou um artigo com a manchete: “O capitalismo está morto em Portugal”. Foi quase. Mas, por não ter sido eliminado, o capitalismo conseguiu se reagrupar e retornar. Isto foi feito através da ajuda do Partido Socialista, que começava a girar à direita, aconselhado pelo Partido Social-Democrata Alemão, que, por sua vez, agia como um canal da CIA americana.
Havia diferentes alas no MFA e eram mais radicalizadas do que o exército na Venezuela nesta etapa. A direita do MFA em Portugal, em torno de Melo Antunes, colaborou com o Partido Socialista para começar o recuo da revolução. Todavia, a “esquerda”, que incluía muitos oficiais que genuinamente se consideravam socialistas revolucionários, cometeu erros importantes. Em particular, por carecerem de uma compreensão clara e ampla do papel da classe trabalhadora e o que uma verdadeira democracia operária acarretava, eles tentaram impor suas idéias de cima, sem uma base organizada entre os trabalhadores. Isto permitiu ao Partido Socialista e outros se apresentarem como “defensores” da democracia contra os “oficiais do exército antidemocráticos” e os stalinistas liderados pelo Partido Comunista. Isto tem importantes lições para a Venezuela.
O documento de Jorge Martin é revelador da avaliação da Tendência Marxista Internacional (TMI) sobre a situação na Venezuela. Martin alerta corretamente sobre os diferentes elementos no exército e no estado. Ele até pontua que Chávez “reflete até dentro dele mesmo todas as contradições da revolução na Venezuela”. Isto não é o que a TMI nos dizia alguns anos atrás. Então, o líder da TMI Alan Woods dizia: “Chávez entendeu o fato de que a revolução precisa dar um salto qualitativo”. E em relação a Portugal e a tentativa de golpe de 11 de março de 1975, lemos: “o mesmo se aplicaria exatamente à Venezuela dois anos atrás” [na época do golpe em 2002]. Claramente, não era o caso. Os eventos após o golpe na Venezuela não ocorreram como em Portugal. Em parte, devido ao papel jogado por Chávez após a derrota do golpe. Ele equivocadamente adotou uma política de “reconciliação nacional” e pediu que as pessoas voltassem para casa.
A revolução cubana
Jorge Martin então continua a ponderar sobre que tipo de regime seria criado se Chávez fosse até o fim e derrubasse o capitalismo e o latifúndio: “Seria errado pensar”, diz Jorge Martin, “que a abolição do capitalismo deste modo [Chávez tomando as alavancas capitalistas de poder uma a uma] levaria à criação de um regime stalinista como os que existiam na União Soviética ou Alemanha Oriental”.
A derrubada do capitalismo, sem dúvida, representaria um enorme passo a frente. Mas como é feito, e por qual classe, é importante para determinar o caráter do regime que emergiria e a atitude que os marxistas e a classe trabalhadora deveriam adotar para com ele.
Significativamente, Jorge Martin cita países onde existiam economias planificadas, mas omite a menção a Cuba. Embora se esquivando de qualquer comentário direto a Cuba, Martin insere uma política de seguros e diz corretamente: “Claramente, o socialismo não é um sistema que possa ser decretado de cima. Ele exige a participação consciente dos trabalhadores no planejamento democrático da economia e construir tal estado de coisas… a expropriação do capitalismo, mesmo se implantada de cima, abriria uma situação de enorme fermentação revolucionária, participação de massas, criação de comitês operários, que duraria por um período de tempo”.
Jorge Martin corretamente diz que há um forte sentimento anti-burocrático entre a base na Venezuela. Mas então continua a dizer: “qualquer tentativa de impor uma estrutura burocrática não seria fácil e apenas surgiria do isolamento da revolução, pressão imperialista e “desmoralização das massas por um longo período de tempo”.
Isto levanta uma das mais importantes questões das lutas que ocorreram na Venezuela desde a chegada de Chávez ao poder. A questão da organização consciente e independente da classe trabalhadora e sua capacidade de se colocar na direção da revolução socialista. É a classe trabalhadora, por sua consciência coletiva e seu papel na produção, que pode jogar o papel dirigente na derrubada do capitalismo e lançar as bases para a construção do socialismo através da criação de um estado operário democrático. Sem este controle coletivo e democrático, mesmo forças genuínas vindas de setores radicalizados do exército ou de organizações de guerrilha adotam uma posição de cúpula. Eles quase sempre querem o apoio das massas, mas não querem a classe trabalhadora liderando o movimento.
Esta perspectiva foi claramente expressa por Hugo Chávez no passado. O escritor britânico Richard Gott (muito simpático à Chávez) em seu livro “à sombra do Libertador”, dá um relato revelador de uma reunião envolvendo Chávez antes do golpe fracassado que liderou em 1992. Foi discutida a questão de envolver civis e chamar uma greve geral na tentativa de remover o velho governo corrupto de direita. Chávez, segundo um participante, interveio asperamente, declarando: “civis atrapalham o caminho ”.
A experiência da revolução cubana (omitida por Jorge Martin) é muito importante neste aspecto e tem lições importantes para a Venezuela. A abolição do capitalismo e do latifúndio em Cuba representou um enorme passo à frente. As conquistas da revolução, na forma da economia planificada, sistema de saúde gratuito, abolição do analfabetismo e outros ganhos sociais, são defendidos e apoiados por todos os socialistas e pelo CIO.
O regime que tomou o poder, com Fidel Castro à frente, era tremendamente popular e desfrutava de apoio massivo. Durante e após a revolução, houve uma explosão revolucionária. O governo criou comitês populares, os Comitês para a Defesa da Revolução – CDRs. Nestes, muitos trabalhadores participaram inicialmente. Houve até mesmo elementos de controle operário nas fábricas, em relação ao funcionamento diário da administração e da produção.
Ao mesmo tempo, também havia importantes fraquezas. Embora as massas apoiassem entusiasticamente a revolução, ela não foi liderada por um movimento politicamente consciente da classe trabalhadora. Devido uma combinação de fatores, foi o movimento guerrilheiro, sob a direção do “Movimento 26 de Julho” de Castro, que liderou a revolução. A classe trabalhadora jogou um papel auxiliar, e apenas entrou na luta, de modo desorganizado, quando a guerrilha já tinha ganhado.
Isto teria conseqüências cruciais para o caráter do regime que foi criado. Ele era muito popular, mas não era um regime de democracia operária. Desde o início, era um regime burocrático que governava de cima. Os CDRs, de fato, tornaram-se correias de transmissão para as decisões do regime. O elemento crucial de democracia operária estava ausente, e privou a economia planificada do oxigênio essencial que precisava para se desenvolver.
Ele não tomou a mesma forma horrível das grotescas ditaduras que surgiram na antiga União Soviética ou foram impostas no Leste Europeu. Mas uma casta burocrática chegou ao poder e não havia uma verdadeira democracia operária. Às vezes, também tomava medidas repressivas contra os adversários. Alguns trotskistas (que cometeram erros políticos) entre outros, foram presos, o que indicava o caráter burocrático do novo regime cubano.
Chávez poderia eventualmente derrubar o capitalismo, sem a direção e organização consciente da classe trabalhadora, sem a criação de uma democracia operária, e um regime burocrático inevitavelmente seria o resultado. Este é um elemento crucial no processo que agora se desenvolve na Venezuela.
Jorge Martin escreve que os contratos renegociados e as joint ventures na bacia do Orinoco “assemelham-se fortemente ao modo como a revolução cubana procedeu nos primeiros dois ou três anos”. Isto é uma superestimação tanto do ritmo quanto da etapa de desenvolvimento da luta na Venezuela. A revolução cubana desenvolveu-se muito mais rapidamente quando Castro tomou o poder em janeiro de 1959. E isto após a decisão dos EUA de cortar as importações de açúcar em resposta à reforma agrária decretada em Cuba, e a nacionalização das companhias estrangeiras de petróleo em junho de 1960. O petróleo foi importado da Rússia, mas as companhias americanas em Cuba recusaram-se a refiná-lo. O governo cubano nomeou administradores em todas as refinarias da Texaco, Esso e Shell, e então as nacionalizou. Quando as importações de açúcar foram cortadas, Castro imediatamente nacionalizou todos os bens estrangeiros. Em outubro, as 383 maiores indústrias cubanas foram nacionalizadas, junto com os bancos, e o capitalismo eliminado em menos de um ano.
Na Venezuela, os processos ocorrem em uma escala de tempo muito mais prolongada e não foram tão longe. Diferentemente de Cuba, o comércio entre Venezuela e os EUA continua e até cresceu. Os EUA continuam sendo principal parceiro comercial da Venezuela. Em 2006, os EUA exportaram US$8,2 bilhões em mercadorias para a Venezuela, tornando-a seu 22º maior mercado. As exportações venezuelanas chegaram a US$34,4 bilhões para os EUA, tornando-se a 9ª maior fonte de mercadorias importadas dos EUA. O Departamento de Estado, em julho de 2007, relatou que 500 empresas dos EUA ainda têm representantes na Venezuela.
Como explicado antes, apenas um punhado de empresas foi realmente nacionalizado na Venezuela. Chávez agora já está no poder por uma década, e apesar dos protestos da classe dominante e do imperialismo dos EUA, as incursões contra os interesses capitalistas são muito menores do que nas revoluções espanhola, chilena, nicaragüense e portuguesa.
É verdade que a revolução espanhola desdobrou-se entre 1931-1937, e na Nicarágua enfrentou a contra-revolução por dez anos para reassumir o controle da situação. Mas, durante estes eventos, a revolução tomou passos muito maiores antes de ser derrotada como conseqüência das políticas erradas adotadas pela direção do movimento.
Embora o capitalismo não tenha sido derrubado na Venezuela, já há a emergência de fortes elementos burocráticos dentro do movimento bolivariano e da máquina estatal. Isto é um reflexo dos métodos de “cúpula” que foram empregados pelos líderes do movimento em cada etapa. É também um reflexo de uma importante fraqueza que ainda permanece no movimento: a ausência de um movimento dos trabalhadores forte, independente, consciente e organizado, e a falta de um genuíno partido socialista revolucionário de massas.
Organização independente da classe trabalhadora
Se espera-se realizar a revolução socialista na Venezuela e criar uma genuína democracia dos trabalhadores e camponeses, estes obstáculos precisam ser superados. Estas complicações surgem de dois importantes fatores, tanto internacionais quanto nacionais.
Primeiro, refletem o retrocesso da consciência e organização política do movimento operário internacional, após o colapso das ditaduras burocráticas em 1989-1992. Os regimes do Leste Europeu e da antiga União Soviética baseavam-se na economia nacionalizada planificada que, apesar da monstruosa natureza dos regimes que governavam em nome do “socialismo”, fortaleciam a idéia de que uma alternativa socialista ao capitalismo é possível. O colapso destes regimes deu a oportunidade para a classe dominante mundial lançar uma ofensiva ideológica contra a idéia do socialismo e da luta de classes. Os líderes dos antigos partidos operários adotaram o capitalismo e transformaram-nos em partidos abertamente capitalistas. A falta de uma poderosa alternativa socialista para combater estas idéias fez com que a consciência e organização política da classe trabalhadora retrocedessem. A nova onda de lutas na América Latina representa os primeiros passos importantes de uma nova geração de trabalhadores e jovens para superar este retrocesso.
Segundo, a questão das tradições da classe trabalhadora em cada país também é muito importante. Na América Latina, há duas principais tradições no movimento dos trabalhadores. Em países como Chile, Bolívia e Brasil, o movimento conseguiu construir suas próprias organizações políticas independentes.
Elas normalmente surgiram da existência de um poderoso setor de operários industriais e do impacto da Revolução Russa de 1917, levando à criação de fortes partidos comunistas. Isto refletia o imenso apelo da revolução russa e as tentativas dos trabalhadores de todo o mundo de seguir seu exemplo. Embora os partidos comunistas quase sempre começassem com forças muito pequenas, rapidamente cresceram e criaram uma poderosa base de apoio. Apesar das políticas erradas depois adotadas pelos líderes destas organizações, eles deixaram uma poderosa tradição de organização e luta independente dos trabalhadores. Nos países onde existiam, isto ainda molda parcialmente a consciência política e a perspectiva da classe trabalhadora.
De outro lado, há a tradição de movimentos nacionalistas populistas radicais de esquerda, liderados por setores da burguesia ou da pequena-burguesia, muitas vezes de uma tradição militar. Estes foram especialmente poderosos em países como Peru, Argentina e também na Venezuela. Isto freqüentemente resulta no movimento de massas procurando “o líder”, o “caudillo”, para introduzir reformas sociais e econômicas de cima, ao invés de organizar um movimento consciente de baixo. Historicamente, há, sem dúvida, um forte elemento disso presente no movimento na Venezuela.
Movimentos de massas de baixo
A revolução, para os marxistas, significa que as massas entram na arena da luta e, pela primeira vez, começam a tomar seu destino em suas próprias mãos e a moldar seu futuro.
Na Venezuela, as massas em conjunturas específicas entraram na luta – de um modo espontâneo vindo de baixo, quando a ameaça de contra-revolução estava posta. Por exemplo, na época do golpe em 2002, no “paro” patronal de 2002/3, na tentativa de remover Chávez pelo referendo revogatório em 2004. Mais recentemente, na eleição presidencial, em 2006, quando no primeiro momento parecia que havia uma séria ameaça da direita. Após cada movimento, que era espontâneo e vindo de baixo e não um resultado da direção, ocorria uma radicalização política. Uma vez tendo o regime Chávez se estabilizado, havia um retrocesso no envolvimento e participação ativa das massas.
Os eventos em torno da tentativa de golpe e do movimento espontâneo de baixo estão bem retratados no excelente documentário ‘Chávez – Inside the coup’ de Kim Barley e Donncha O’Brian. As massas tomaram as ruas após o golpe, exigindo que Chávez fosse reinstalado como presidente. Elas marchavam gritando: “O creme da nata – os ladrões do velho regime voltaram”. Significativamente, o diário espanhol El País, relatou (15/04/2002) o que ocorreu na ilha de Ochila, onde Chávez estava preso. O novo regime falsamente anunciou que Chávez renunciara. Um jovem soldado de base esperava com Chávez enquanto os oficiais deixavam a sala de espera. O soldado perguntou a Chávez, “Meu comandante, esclareça-me uma coisa. É verdade que você renunciou?” Chávez respondeu: “Não filho, não renunciei e não renunciarei”. O soldado disse: “Mas isto é o que está sendo dito por todo o país. Eles dizem que você renunciou e deixou o país”. O soldado então pediu a Chávez que deixasse uma nota na lata de lixo e que voltaria mais tarde para pegá-la. O soldado assim o fez e mandou a declaração via fax para Caracas, onde foi distribuída aos milhares para os manifestantes. O movimento de massas para defender Chávez explodiu a partir de baixo e não foi preparado ou planejado pela direção.
Todas as revoluções têm seu próprio ritmo e tempo, passando por diferentes fluxos e refluxos. A Revolução Russa de 1917 passou pela revolução de fevereiro, o período de reação durante as jornadas de julho e outras fases importantes, antes da classe operária tomar o poder em outubro de 1917. Ela foi possível por causa da avaliação correta e precisa do sentimento e consciência da classe operária e das massas em cada etapa pelo partido bolchevique e, em particular, no papel crucial jogado por Lênin e Trotsky. Na revolução espanhola, houve muitos fluxos e refluxos enquanto a luta se desenvolvia entre 1931-37.
Todavia, na Venezuela, o processo está se desenvolvendo por um período extremamente prolongado, com muitos poucos ataques, até agora, sendo feitos ao capitalismo. Isto porque Chávez tem sido capaz de financiar as reformas com a renda do petróleo, junto com a fraqueza na consciência política, na direção e no nível de organização das massas.
Existe um apoio para as reformas e o medo das massas de uma ameaça da contra-revolução. Ao mesmo tempo, não há uma compreensão política ampla e uma organização independente das massas a respeito de como levar a revolução adiante. Há uma ausência de organizações e partidos independentes dos trabalhadores – construídos pela luta e moldados através da experiência acumulada dos ativistas.
A UNT e o PSUV
A construção de organizações independentes da classe trabalhadora – partidos políticos e sindicatos combativos, democraticamente controlados pelos trabalhadores, e comitês democráticos de luta e defesa é uma das tarefas cruciais da classe trabalhadora venezuelana.
Chávez e a direção do movimento formaram sindicatos por cima, através da criação da UNT (União Nacional dos Trabalhadores). Mais recentemente, lançaram um partido, o PSUV, e chamaram uma “explosão do poder comunitário”. Conselhos de trabalhadores, conselhos comunitários e outras organizações foram decretadas por Chávez. A propaganda do governo agora chama pela “transferência progressiva de todo o poder, político, social, econômico e administrativo, ao poder comunitário”, para se livrar “das velhas estruturas do estado burguês capitalistas que apenas servem para deter o impulso revolucionário das massas”.
O lançamento do PSUV poderia ser um passo bem vindo. Mas para se tornar um genuíno instrumento independente de luta para a classe trabalhadora não pode simplesmente ser construído como resultado de um decreto. Qualquer organização formada deste modo, a menos que seja tomada e transformada pela classe trabalhadora, inevitavelmente será burocrática, cupulista e não um instrumento de luta dos trabalhadores.
A formação da UNT, que reúne cerca de 12% da força de trabalho, embora represente um passo à frente, ao mesmo tempo é enormemente burocratizada. A direção continua não eleita e ainda não se desenvolveu em um instrumento real de luta para os trabalhadores. Ela foi formada, em parte, refletindo a demanda dos trabalhadores por uma nova central sindical, oposta à corrupta e pró-capitalista CTV (Confederação dos Trabalhadores Venezuelanos), e também da necessidade de Chávez de criar uma base sindical depois do paro patronal, que foi apoiada pela CTV.
Segundo muitos relatos, o PSUV, que Chávez afirma ter lançado para combater a burocracia, tem uma grande filiação. Mas há alertas e perigos de como ele está sendo construído pela direção. Chávez apontou um comitê para organizar o novo partido, inclusive dois antigos generais do exército. Todos os partidos da coalizão governamental, como o MVR (Movimento pela V República de Chávez), o social-democrata PPT (Pátria para Todos) e PODEMOS receberam ordens de se dissolverem no novo partido. Muitos partidos do governo fizeram isso sem nem mesmo uma discussão e debate internos. Foi dito a todos os grupos políticos que apóiam Chávez que deveriam agora se unir ao PSUV. O PCV (Partido Comunista) recusou-se a aceitar isto neste momento. Se o PSUV for dirigido deste modo e se tornar apenas um amálgama dos partidos existentes sem ter uma base ativa entre a classe trabalhadora, ele não se desenvolverá em um genuíno partido independente de massas dos trabalhadores.
A direção abordou a formação deste partido como a criação da “única força revolucionária”. Como Chávez colocou: “Precisamos de um partido, não de uma sopa de letrinhas onde tropeçaríamos uns nos outros com mentiras e iludindo o povo” (Reportagem de Gregory Wilpert – Venezuelanalysis.com 18/12/06). Um genuíno partido revolucionário socialista não se basearia naqueles que “mentem e iludem o povo”. Mas a insistência na formação de um partido é um meio genuíno de unificar o movimento em uma base democrática, ou é uma tentativa de controlar, de cima, opiniões divergentes da esquerda?
Claro, seria melhor se houvesse um partido unificado e democrático dos trabalhadores no qual possam se organizar e ocorrer debates, lutas e discussões. Em alguns países europeus, como Grã-Bretanha e Bélgica, esta foi a tradição por um certo tempo. O Partido Trabalhista Britânico, baseado nos sindicatos, apesar de sua direção reformista pró-capitalista, agiu por muitos anos como o ponto de referência político de discussão e de luta dos trabalhadores. Nele, ocorreu uma luta entre a esquerda e os reformistas de direita, e também com aqueles que lutaram pelas políticas e idéias marxistas, como a Tendência Militant, antecessora do Partido Socialista. Estes debates foram, em último caso, sobre qual política, programa e tarefas precisariam ser adotadas pelo movimento dos trabalhadores. Mas isto chegou ao fim quando o Partido Trabalhista, como outros partidos social-democratas, abraçou totalmente o capitalismo nos anos 80 e 90, e isto significa que a construção de novos partidos amplos da classe trabalhadora está posta em muitos países hoje. Tais partidos poderiam unificar os trabalhadores na ação, enquanto forneceriam a arena na qual a alternativa socialista ao capitalismo poderia ser debatida por todas as tendências e grupos dentro do movimento.
Contudo, a criação de um partido da classe trabalhadora não pode ser decretada de cima. Outros partidos de esquerda podem ainda surgir e o Partido Comunista continua fora do PSUV. Orlando Chirino, um dos líderes de esquerda da UNT, foi contra unir-se ao PSUV e chamou a criação de outro partido independente. Se isto ocorrer, seria errado insistir que todas estas forças se dissolvessem no PSUV. Os marxistas, em tal situação, defenderiam que se adotasse os métodos da frente única. Todos os partidos que se opõem à direita e a contra-revolução, que apóiam o socialismo, devem lutar juntos em questões comuns e contra a ameaça da contra-revolução. Em tais lutas, seria possível um debate democrático e aberto sobre a política e programa necessários para implementar uma revolução socialista.
Houve alguma publicidade sobre a afiliação massiva no novo partido. Jorge Martin ecoa a afirmação de Chávez de que 5,6 milhões de pessoas se filiaram ao PSUV – dois terços dos que votaram em Chávez na eleição de 2006! Jorge Martin argumenta e mostra a “enorme reserva de apoio e entusiasmo para a revolução entre as massas”.
Todavia, é preciso perguntar o que este processo realmente representa. Qual é o nível real de participação da classe trabalhadora no PSUV? Jorge Martin afirma que sua base ativista é de 1,5 milhão. Segundo informes de marxistas na Venezuela, em um dos maiores distritos operários de Caracas, 3.300 filiaram-se ao PSUV. Segundo as diretrizes da Comissão Presidencial, isto deveria significar a formação de 10 seções do partido com 300 membros cada. Mas, na reunião de diretório, segundo alguns ativistas da área, o comparecimento foi de aproximadamente 5% deste dado. Muitas seções são, na verdade, controladas e dirigidas por velhos vereadores do antigo MVR e de outros partidos.
Uma camada de trabalhadores sem dúvida se filiou ao PSUV procurando um meio de levar a revolução adiante. Quantos outros viram seus nomes transferidos das listas eleitorais ou se aderiram – como é tradição na Venezuela – como um meio de assegurar seu emprego no setor público, ainda é preciso ser esclarecido.
Isto não significa que os membros do CIO não participam do PSUV. Todavia, se ele se tornar um genuíno instrumento independente de luta dos trabalhadores, será preciso lutar para que se torne plenamente democrático, com uma base ativa e um programa socialista revolucionário. Será preciso incluir o direito de tendências e plataformas políticas organizadas e abertas ao debate e discussão verdadeiros e não simplesmente dirigidos por funcionários dos velhos partidos. Acima de tudo, é preciso um programa revolucionário socialista para derrubar o capitalismo. Infelizmente, a Tendência Marxista Internacional (TMI) não comenta como o PSUV foi formado ou qual estrutura, programa e tipo de partido são necessários.
O decreto de Conselhos de Trabalhadores pelo governo Chávez não é o mesmo que a construção de comitês de luta da classe trabalhadora. No Chile, entre 1970-1973, a classe trabalhadora formou os “Cordones Industriales”. Eram comitês de luta formados pelos trabalhadores nas fábricas. Delegados eram eleitos e sujeitos à revogação. Em Santiago e Concepción, estes comitês começaram a se ligar em uma base distrital e até municipal.
Eles eram, embrionariamente, um tipo similar de organização ao que a classe operária criou nas revoluções russas de 1905 e 1917 – os sovietes. Embora inicialmente propostos pela ala menchevique do Partido Operário Social-Democrata Russo na revolução de 1905, os sovietes tornaram-se organizações de massas multipartidárias dos operários e camponeses, através dos quais conduziram as lutas e revoluções. Eles foram a base para o governo operário e camponês criado em outubro de 1917. Uma das fraquezas da revolução espanhola foi não ter construído tais organizações.
Os Conselhos de Trabalhadores e Comunitários que o governo venezuelano criou não se baseiam na eleição de delegados nos locais de trabalho ou comunidades, sujeitos à revogação. Estes conselhos não estão ligados em uma base local ou municipal e têm um nível muito limitado de participação. Eles têm mais em comum com os CDRs, criados depois da revolução cubana e que se tornaram correias de transmissão das decisões do governo, vindas do alto. Contudo, os CDRs tinham um nível maior de participação do que é o caso atual dos conselhos na Venezuela. Em Cuba, os CDRs não foram a base para um regime de democracia operária, onde a classe trabalhadora e os camponeses pobres tinham o governo e a administração da sociedade.
Os marxistas não têm fetiches com formas organizacionais. Em Cuba, inicialmente os CDRs tinham uma enorme participação das massas. Nesta situação, os marxistas teriam lutado para transformá-los em genuínos conselhos democráticos de luta, como a base para criar uma verdadeira democracia operária e dos camponeses. Se os conselhos propostos na Venezuela tiverem uma participação generalizada e tornarem-se referência para as massas, os marxistas também lutariam para transformá-los em instrumentos reais da luta.
Não é possível completar e desenvolver vitoriosamente a revolução socialista em um país. Isto é especialmente o caso no mundo neocolonial, embora se aplique a todos os países. O domínio da economia mundial, a necessidade de desenvolver a economia nacional e a base material para o socialismo, e também a resistência à ameaça das potências imperialistas para derrotar um governo dos trabalhadores e camponeses, faz com que a revolução precise se espalhar internacionalmente. No período recente, Chávez perseguiu uma política externa que colocou seu regime cada vez mais em conflito com o imperialismo dos EUA. Através do uso de enormes reservas de petróleo, esta política se baseou em dois elementos: de um lado, fornecer ajuda material a alguns países, como Bolívia e Nicarágua e também Cuba, enquanto, por outro lado, Chávez procura estabelecer acordos bilaterais de comércio com vários países, incluindo China, Rússia e, mais recentemente, Irã.
Política externa socialista
O papel da política externa de um governo socialista é de crucial importância. A globalização e integração da economia mundial e as inevitáveis tentativas do imperialismo para sabotar e derrubar uma democracia operária significa que o socialismo não pode ser construído isolado em um só país. Como a experiência da Revolução Russa também demonstrou, para desenvolver a base material e as forças produtivas necessárias à construção de uma sociedade socialista, a revolução precisa se espalhar internacionalmente, aos países industrializados e economicamente desenvolvidos.
Isto também se aplica à revolução socialista na Venezuela. Apesar das vastas reservas de petróleo, a economia da Venezuela não é auto-suficiente, especialmente na agricultura. A Venezuela importa cerca de dois terços de suas necessidades alimentares.
Uma democracia dos trabalhadores e camponeses, com um programa revolucionário socialista, precisaria de uma clara perspectiva de espalhar a revolução – começando com os outros países latino-americanos. A idéia de criar uma Federação Socialista Democrática da Venezuela, Bolívia e Cuba, ofereceria a perspectiva de integrar estas três economias, baseadas em um plano estatal democrático da produção e na democracia operária, e espalhando a revolução para o resto do continente. Isto, junto com um apelo à classe trabalhadora dos EUA por solidariedade e apoio, é o caminho para derrotar o imperialismo e desenvolver a base internacional de uma revolução socialista.
Infelizmente, isto não forma a base da política externa do regime de Chávez. Ao invés disso, Chávez procura formar acordos comerciais com vários regimes pró-capitalistas, violentamente anti-classe trabalhadora, na Rússia, China e Irã, tentando criar uma aliança anti-EUA – independente de quais interesses estes regimes representam. Chávez assinou acordos com o Irã desde 2001, no valor estimado de US$20 bilhões em investimento potenciais.
Escandalosamente, isto levou Chávez a entoar louvores a Putin, o regime chinês e, mais recentemente, ao presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. Durante a visita à Venezuela do presidente iraniano, em setembro de 2007, Chávez louvou Ahmadinejad como “um dos maiores lutadores antiimperialistas”. Referindo-se à visita de Ahmadinejad aos EUA, Chávez comentou: “Um porta-voz imperialista tentou desrespeitá-lo chamando-lhe de um cruel tiranete. Você respondeu com a grandeza de um revolucionário. Sentimos como se você fosse nosso representante”. Este mesmo Ahmadinejad reprimiu brutalmente motoristas de ônibus em greve no Teerã e outros que lutam por seus direitos.
Um governo operário e camponês com uma política correta pode se ver isolado por um período limitado de tempo, e ser obrigado a procurar acordos comerciais temporários com vários governos capitalistas. Os bolcheviques enfrentaram esta situação após a Revolução Russa. Todavia, embora seja necessário manter relações estatais formais, isto não significa que é correto louvar supostos “revolucionários” como os reacionários Ahmadinejad e Putin.
Para um governo socialista revolucionário, qualquer relação formal também precisaria ser combinadas com apelos abertos, diretos e atos de solidariedade dos sindicatos e do partido revolucionário de um país socialista aos trabalhadores e as massas no Irã, Rússia e outros países.
Mas a abordagem que Chávez adota com estes regimes dá mais uma arma para o imperialismo atacar a Venezuela. Também prejudica o regime de Chávez aos olhos dos trabalhadores internacionalmente, não menos entre os trabalhadores e jovens no Irã e Rússia, que lutam contra Putin e Ahmadinejad.
A necessidade de uma genuína política socialista internacionalista, com a perspectiva de espalhar a revolução para outros países, começando na América Latina, junto com um apelo às massas latinas nos EUA e à classe trabalhadora como um todo, é uma parte essencial do programa, política e ação necessárias para uma revolução socialista vitoriosa na Venezuela. Tal política é o único modo efetivo de derrotar a ameaça do imperialismo e da contra-revolução.
Os tumultuosos eventos que estão ocorrendo na Venezuela, Bolívia, Equador e outros países da América Latina, levantam questões cruciais sobre como conseguir a transformação socialista da sociedade. Este documento é apresentado como uma contribuição a esta discussão, com o objetivo de ajudar a esclarecer como isto pode ser obtido. Através de uma combinação de experiências nas lutas que se desenrolam e uma troca de opiniões que tirem as lições das experiências históricas internacionais da classe trabalhadora, o Comitê por uma Internacional Operária (CIO) está confiante de que a classe trabalhadora venezuelana irá encontrar o caminho para construir as organizações e o programa necessários para implementar uma vitoriosa revolução socialista, como passo integral para a criação de uma Federação Socialista Democrática da América Latina. Isto, por sua vez, pode ser um passo para derrotar o imperialismo e o capitalismo e construir um mundo socialista.