A polêmica sobre a legalização do aborto: Quem decide?
As questões referentes à mulher ainda são vistas por muitos como um grande tabu, um assunto a ser deixado sempre num segundo plano. Muitas vezes só os encaramos quando a água já está no pescoço.
No entanto, a vitória do Severino Cavalcanti como presidente da Câmara fez com que ressurgisse nacionalmente uma dessas questões – a legalização do aborto. Constatamos a grande polêmica em torno deste assunto e a importância de fazermos a discussão, mostrando a necessidade de encamparmos essa bandeira de luta intimamente ligada com as reivindicações da classe trabalhadora.
“O proletariado não pode atingir a liberdade completa sem conquistar a plena liberdade para a mulher.” Lenin
O aborto no Brasil nunca foi tido como um fato legal. Em 1940, em pleno Estado Novo, a Constituição assegurava o direito ao aborto em casos de estupro e em casos de risco de vida para a mulher. Com as pressões exercidas pela igreja católica, a constituição de 1988 não contemplava mais as ressalvas em relação à ilegalidade do aborto, o mote é o direito à vida e toda forma de aborto é considerada ilegal. Mesmo o código penal reafirma esta ilegalidade, somente não impõe a pena em casos de estupro e risco de vida para a mãe.
Anencéfalos
O aborto realizado em casos de fetos anencéfalos, fetos que não têm a estrutura cerebral desenvolvida – incapazes de sobreviver em 100% dos casos – é considerado crime. Hoje em dia existe já jurisprudência que dificulta a punição, mas, mesmo assim, as mulheres envolvidas não estão isentas da sanção prevista no código penal. Em outubro no ano passado o STF, sob a pressão da igreja católica derrubou a liminar do ministro Marco Aurélio de Mello que em julho havia liberado o aborto nesses casos sem autorização judicial específica.
Em hipótese alguma é garantido à mulher o direito de escolher sobre o que vai fazer com o seu corpo, pois este é visto como sendo um aparelho reprodutivo ou como objeto de consumo da mídia e da sociedade machista em que vivemos. Logo, a gravidez, mesmo que não desejada pela mãe, deve ser levada até o final, pois dessa forma ela estará cumprindo o papel social reservado a ela pelo “mito da maternidade”, ou seja, de garantir a reprodução da espécie. Em um país onde não existe medicina preventiva, onde não se tem trabalho e tão pouco condições dignas de vida, a legalização do aborto é tratada através de argumentos morais e cristãos. Os responsáveis por esses argumentos durante anos fazem pressão no Congresso Nacional a fim de garantir os seus interesses.
No Brasil a cada cem mil operações realizadas em clínicas clandestinas, cem mulheres morrem, isso sem contar com aquelas que fazem o aborto em casa, com remédios, agulha de crochê, dentre outras coisas, que não entram nas estatísticas nacionais. Em um dossiê do Instituto Alan Guttmacher para avaliar o número de abortos clandestinos em 2000, o resultado indicou uma variação entre 700 mil e 1,4 milhões de abortos clandestinos realizados, considerando apenas os dados de internação no SUS. Isso é absurdo para não dizer monstruoso.
Abortos clandestinos
Os dados do SUS ainda comprovam que 85% das mulheres que se internam com hemorragia abortiva sofreram abortos provocados ou clandestinos. Mesmo os 15% que seriam considerados abortos naturais, poderiam ser evitados com uma política publica de saúde da mulher, pois os fatores que aumentam a sua ocorrência estão associados à: pobreza, desigualdade, exclusão, gravidez indesejada, e outros – fatores também presentes nos abortos que são provocados.
Portanto, não temos como discutir esta questão do aborto se não levarmos em consideração a discussão de classe. É evidente que as mulheres da classe trabalhadora sofrem de maneira muito mais contundente o descaso da saúde publica e do moralismo cristão-burguês do estado capitalista. A opressão contra a mulher perpassa todas as classes sociais, mas as mulheres trabalhadoras ainda recebem o ônus de serem largadas ao descaso da saúde pública.
É assustador o número de mulheres que morrem por ano devido à realização de abortos clandestinos. Não podemos fechar os olhos e tão pouco negar esses fatos concretos. Devemos sim lutar contra o descaso de Estado burguês e as injustiças fadadas às mulheres. Sabemos que para além da pressão das autoridades religiosas cristãs, os abortos realizados em clínicas clandestinas no mundo representam a terceira atividade ilegal mais lucrativa, segundo a ONU, perdendo apenas para tráfico de drogas e de armas.
Devemos ressaltar a importância em garantir à mulher o direito de escolher, de gerir o seu próprio corpo. O que defendemos não é a utilização do aborto enquanto um método contraceptivo, mas sim como última alternativa. Para tanto, defendemos também um programa de saúde pública para a mulher, que inclua o acesso a contraceptivos gratuitos para adolescente, medicina preventiva (câncer de mama, de colo de útero, etc), saúde reprodutiva (exames pré-natais), informativos sobre métodos anticoncepcionais e a disposição destes nos postos de saúde.
No Brasil são raros os postos de saúde que possuem ginecologistas disponíveis para a realização de tais exames e são altos os índices de mulheres que morrem de câncer de mama e útero, número este que poderia ser facilmente reduzido com a medicina preventiva.
Grupo sem saída
Recentemente o governo Lula criou um Grupo de Trabalho (GT) para discutir questões sobre o aborto, a partir de audiências públicas. O GT proporá leis ao congresso no que concerne à regulamentação das formas de aborto que devem ser aceitas. Contudo, já são mais de 33 propostas paradas no legislativo devido ao lobby religioso e ao dos demais interessados.
Sabemos que este GT não irá dar em nada. Não devemos ter nenhuma ilusão neste tipo de política, até porque não vemos o menor interesse do PT em bater de frente com esse grupo que é parte de sua base (como o PL).
Severino Cavalcanti, um (in)digno representante da antiga UDN e do caudilhismo, só veio agravar a discussão. Este se coloca prontamente na briga contra a legalização do aborto, representante da ala mais conservadora e moralista do Congresso Nacional, Cavalcanti ficou ainda mais famoso por se colocar de forma contrária a uma norma técnica de “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra as Mulheres e Adolescência”. Esta norma tinha como objetivo disciplinar a realização dos abortos em casos de estupro em hospitais públicos.
Luta concreta
A vitória de Severino Cavalcanti é resultado dos conchavos do governo Lula que prioriza a luta e a disputa institucional, de sua política neoliberal e da sua falta de democracia interna do partido. Isso só nos mostra que não podemos ter qualquer forma de ilusão na política institucional e que a única forma de garantirmos uma sociedade mais justa, democrática e igualitária é através da mobilização e da destruição do sistema capitalista.
Contudo, a luta pelo socialismo, única forma de destruir o sistema do capital, não é uma luta abstrata – é real, possível e bastante concreta. Devemos nos organizar e através da luta cotidiana criar condições para uma vida mais justa.
Companheiras, as soluções para os nossos problemas não são as ONG’s e tão pouco devemos ter alguma ilusão nas feministas que foram assimiladas e cooptadas pelo governo, legitimando GT’s mesmo sabendo que a única possibilidade de avançarmos é através da luta nas ruas, nos sindicatos e nas escolas.
Sabemos que só iremos conquistar o nosso direito de decidir com muita luta, pondo abaixo as injustiças e construindo assim os alicerce para a revolução socialista. Por isso devemos formar comitês organizados nos sindicatos, nas escolas, universidades, associações de moradores a fim de levar a discussão, encampar lutas concretas, conjuntamente com toda a classe trabalhadora, tendo como objeto o nosso fortalecimento e a nossa vitória!
- Pela legalização do aborto!
- Por uma política pública de saúde da mulher!
- Por maiores verbas para a saúde pública – SUS!
- Por uma política de medicina preventiva e informativa!
- Acesso a contraceptivos gratuitos em postos de saúde!