Iraque: crescem os problemas pós-eleição

George Bush parabenizou os eleitores iraquianos por ”colocar seu país no caminho da democracia e da liberdade.” Trinta e oito anos antes, um de seus antecessores, Lyndon Johnson, proclamou as eleições no Vietnã do Sul como um ”encorajamento ao crescimento dos processos constitucionais.”

O saldo da Guerra do Vietnã foi de 2 milhões de vietnamitas mortos e 58,000 soldados americanos mortos em batalha.

O fato de que as eleições não abriram um período com mais estabilidade foi brutalmente mostrado pelo ataque suicida com um carro-bomba de 28 de fevereiro, que matou pelo menos 125 pessoas em Hilla.

A eleição iraquiana do ultimo mês, feita sob a ocupação militar americana e com a maioria dos árabes sunitas se abstendo, é definida com o termo ”democracia”.

Para o conjunto dos iraquianos, a eleição da assembléia geral para redigir uma nova constituição traz a perspectiva de uma sangrenta guerra civil. Agora mesmo as divisões étnicas e religiosas estão sendo alargadas com as manobras por poder dos líderes dos diferentes blocos eleitorais.

Foram contados 8,5 milhões de votos, uma alegada presença de 58% de eleitores. Como era esperado, o partido xiita do aiatolá Ali al-Sistani se tornou o maior grupo da nova assembléia nacional de ‘transição’, com 48% dos votos.

A aliança curda do PUK e do KDP veio em segundo lugar, com 2.2 milhões, 26%. A lista do candidato-capacho dos EUA, o antigo ‘primeiro ministro’ Iyad Allawi, ganhou apenas 14% dos votos – apesar do fato de ser apoiado pela mídia e pelo poder militar americano.

A principal lista eleitoral xiita – a Aliança Iraquiana Unida, do clérigo pró-iraniano Aiatolá Ali al-Sistani – está exigindo a introdução da lei islâmica. Tal lei iriam se chocar com a secular Aliança do Curdistão. Essa coalizão curda também pode se fragmentar em dois pedaços principais – o KDP e o PUK – lutando cada um pelo poder no norte.

O primeiro-ministro será Ibrahim al Jaafari, líder do partido Dawa, um dos principais partido da Aliança. Os outros cargos ainda estão em disputa. Longe de estar conduzindo para um período de calma, os resultados deram lugar a uma movimentação frenética

Pela primeira vez na história moderna, os xiitas (60% da população) são nominalmente a principal força política no Iraque; sob os impérios otomanos e britânico, a monarquia e a ditadura de Saddam Hussein, o poder estava concentrado em seções da minoria sunita.

A preocupação dos poderes imperialistas é em assegurar que os influentes partidos e clérigos xiitas, especialmente o Supremo Conselho para a Revolução islâmica no Iraque, e o Daawa, dividam o poder com outros grupos.

Eles temem um regime teocrático que entre em termos amigáveis com o Irã, o foco dos ataques verbais de Bush e de sua Secretária de Estado, Condoleezza Rice.

Divisões étnicas

Enquanto tentam consolidar sua parte no governo, os grupos xiitas terão que chegar a um acordo com os curdos ou com o partido de Allawi. Os curdos esconderam suas profundas diferenças entre si – ao menos temporariamente – para maximizar seus votos e terem um maior poder de barganha na assembléia. Eles tentarão garantir sua autonomia dentro da constituição.

Contudo, muitos curdos desejam uma independência completa, e travam uma luta feroz pelo controle de Kirkuk, uma cidade perto dos importantes campos de petróleo do norte. Embora Kirkuk esteja fora da área curda, os partidos curdos exigem a posse da cidade. No entanto, também há reivindicações iguais por parte dos árabes sunitas e dos turcomanos

O governo turco assiste a isso com grandes preocupações. Ele se opõe completamente a um estado curdo independente, que pode inflamar a questão curda dentro do seu território, e que pode levar a uma intervenção militar- sob o argumento de ajuda à minoria turcomena, se os curdos tomarem o controle completo de Kirkuk.

Qualquer movimento que leve a independência curda pode resultar em movimentos similares dos xiitas do sul para manter o controle dos campos de petróleo do norte.O papel do Islã na sociedade iraquiana também será um ponto de controvérsia nos próximos meses, pois os curdos se opõem a qualquer tentativa de introdução da Sharia – a lei islâmica.

Boicote

Outra preocupação para a assembléia nacional e as forças imperialistas é como levar os sunitas para dentro daquela e legitima-la, e acabar com o boicote promovido por eles – 20% da população. Na província de Anbar, onde estão Fallujah e Ramadi, apenas 2% votaram, e 17% em Nínive, onde está Mosul.

Uma assembléia dominada pelos xiitas irá aumentar a alienação e ressentimentos dos sunitas, e junto com ela a resistência, mas esta pode adquirir um perigoso caráter sectário. Desde as eleições têm havido ataques especificamente contra civis xiitas.

Após quase dois anos de ocupação a maioria dos iraquianos estão em situação pior do que a que viviam sob a ditadura de Saddam Hussein. Borbardeios, assassinatos e execuções se tornaram a norma. A água e a eletricidade são cortadas regularmente. Escolas, hospitais e a infra-estrutura do país continuam em ruínas. O desemprego e a pobreza atingem níveis alarmantes.

A maioria dos iraquianos querem que os EUA saiam do Iraque, como refletiram as eleições. Todos os candidatos, mesmo Allawi, colocaram esta demanda. Acima de tudo, o povo iraquiano quer o fim das privações de guerra: os cortes de água e energia, o desemprego, a miséria e o medo.

O verdadeiro poder militar e econômico continua, contudo, nas mãos dos EUA, e a frustração com a continuidade do sofrimento e da brutalidade irá aumentar a raiva contra as forças de ocupação.

Mas, dadas as profundas divisões que crescem na sociedade iraquiana, e a falta de fortes organizações da classe trabalhadora, a resistência pode se manifestar por uma guerra civil, opondo-se a uma campanha unida de libertação nacional que pode levar adiante as demandas das massas iraquianas, independentemente de suas composições étnicas, religiosas ou seculares

Um movimento de massas da classe trabalhadora é necessário para superar todas as divisões étnicas e construir uma força capaz de por fim à ocupação.

Só então será possível fazer um chamado para uma constituinte de delegados democraticamente eleitos para preparar um governo dos trabalhadores e camponeses, e uma confederação socialista do Iraque com direitos e garantias para as minorias.

 

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