Irã: “mulher, vida e liberdade”

O assassinato de uma jovem mulher curda no Irã gerou uma onda maciça de protestos que pode levar a um momento revolucionário na região. Jina (Mahsa) Amini foi presa pela “polícia da moralidade” – supostamente por não estar usando o hijab direito – e foi brutalmente espancada – o que levou à sua morte. Isso gerou uma onda de protestos com palavras de ordem “morte ao ditador”, “morte ao opressor” e “mulher, vida e liberdade”.

As mulheres no Irã sofrem com a violência e opressão por parte do estado que regula seus corpos. São presas e espancadas constantemente pela forma como se portam ou se vestem. O assassinato de Jina ao ser detida não é uma exceção, e sim a forma corriqueira pela qual o Estado lida com as mulheres no Irã. Não se trata, portanto, de um erro dos policiais e sim uma política misógina do Estado.

Ao longo da história, o Estado tentou encobrir o assassinato de mulheres por parte das forças de segurança como se tivessem sido  “ataque cardíaco”, suicídio etc., mas dessa vez não conseguiu e isso gerou uma onda de solidariedade expressada em protestos maciços, greves, ações em frente aos postos policiais. Agora, o clima de “tudo ou nada” permeia esses movimentos que têm as mulheres como vanguarda e os protestos têm o potencial de superar divisões étnicas e de gênero – o que é um elemento chave para atingir o coração do regime iraniano.

O movimento enfrenta repressão violenta

O regime iraniano respondeu com violência e repressão, trazendo tudo o que podia para conter os manifestantes. As forças de segurança estão operando sob a ordem de confronto sem piedade e embora o regime esteja escondendo o número de mortes, estima-se que já esteja em torno de 300. 

Os ataques de drones do Irã contra os grupos curdos no Curdistão ao sul do Iraque representam um aumento da escala da repressão e uma intencionalidade do regime em focar nos movimentos curdos militantes. Ao mesmo tempo, o regime está dividido, com Raisi, presidente do Irã, oscilando entre um discurso mais leve e outro de linha dura. A voz dos religiosos que querem algumas concessões está crescendo, e alguns políticos conservadores também foram críticos à forma como a polícia da moralidade age com mulheres já que, segundo eles, isso afastaria as mulheres da religião.

Papel destacado da juventude

Mas o que eles chamam de “perturbação” já se espalha por todo país e greves generalizadas já atingem as universidades. Não obstante a prisão maciça de estudantes, os protestos continuam na forma de greves, reuniões e marchas nas universidades do país. Dezenas de universidades do país estão em greve e os estudantes declararam que não vão participar das aulas presenciais ou virtuais. Em algumas cidades em que há salas de aula com 200 alunos, apenas 5 comparecem, com os professores se juntando aos alunos nas manifestações.

Os professores inclusive estão demandando maiores ações grevistas e os petroleiros ameaçaram entrar em greve se o governo não acabar com a repressão. Isso seria um grande golpe para o governo. 

O clima radical da juventude é um elemento que inspira a classe trabalhadora, afinal trata-se de uma geração que sofre com a repressão, desigualdade e violência sob o regime de Raisi. Com a crise econômica atual, há fome, pobreza e desespero. Não é a primeira vez que a inflação explode, ano passado foi de 45%.

Ao mesmo tempo, o papel das mulheres nas manifestações tem sido essencial. O assassinato de Jina foi um ato de violência estatal misógina contra mulheres e LGBTQIA+, e desde então outras mulheres assassinadas durante a repressão também se tornaram símbolos de resistência. 

A República Islâmica é construída em cima da necessidade de dividir mulheres e homens, colocando as mulheres na posição de donas de casa para explorá-las ainda mais. Mais de duas mil mulheres são assassinadas todos os anos, e os números não registrados são ainda maiores. Essas mortes não ocorrem só nas mãos de maridos, irmãos ou parentes homens, mas também por parte das forças de segurança misóginas. A pena de morte é a expressão extrema dessa opressão, e é algo que as mulheres experienciam diariamente.

Opressão como pilar do regime

Quando as mulheres se levantam, o regime islâmico é imediatamente ameaçado porque sua ideologia está fundamentada na misoginia. Controlar o corpo e a forma como as mulheres se vestem tem sido um dos pilares do regime desde 1979. Também fizeram isso como uma forma de criminalizar boa parte das ativistas da época e tirá-las das ruas. Eles precisam dessa ideologia para impedir que as mulheres se tornem a vanguarda dos movimentos. Essa misoginia religiosa está profundamente arraigada na sociedade, inclusive na cabeça de muitos homens.

Por isso, não devemos subestimar como é essencial que homens e mulheres no país inteiro, além das regiões curdas, estão se juntando para gritar “mulheres, vida, liberdade”, colocando conscientemente a demanda das mulheres no centro do movimento. Um vídeo tem circulado mostrando um homem batendo numa mulher na rua e, no momento seguinte, um grupo de pessoas, majoritariamente homens, atacando o agressor. Essa não é uma exceção, é um reflexo do que tem acontecido em muitos bairros, locais de trabalho e na consciência.

As mulheres não aceitam mais a misoginia, violência e assédio que experienciam diariamente. Elas resistem e quase sempre inspiram outras a fazer o mesmo. Seja tirando o hijab ou se defendendo fisicamente.

Embora o clima de solidariedade esteja se espalhando pelo mundo, o movimento nas ruas precisa de uma perspectiva real e um programa político para avançar. No momento, é bem espontâneo, explosivo, heterogêneo e confuso em termos de demandas concretas e perspectivas. Os ataques de drones no Curdistão também mostram o perigo de o regime responder militarmente se não houver uma ação coordenada clara para ampliar o movimento e levá-lo ao próximo nível. Não obstante as ações heroicas do povo curdo, está claro que o regime não vai cair por meio de resistência militar, mas sim pelas ações maciças da classe trabalhadora que tem um impacto econômico enorme no Irã.

Embora o regime esteja falando que vai investigar a morte de Jina, não há mais confiança nas instituições, pois são criadas para defender os interesses da classe capitalista. Só haverá uma investigação real através das estruturas da democracia da classe trabalhadora que virão de um movimento revolucionário. Para acabar com essa forma de opressão estatal contra mulheres, o sistema todo precisa ser deposto. As mulheres devem ter direitos iguais e liberdade de escolha sobre o que usar, inclusive o direito a usar um hijab se quiserem.

O sistema serve a uma elite

O sistema do capitalismo só serve a uma minoria dos super ricos no Irã. Eles não sofreram os impactos da pandemia ou da crise econômica. O sistema precisa ser completamente substituído por um socialista que tenha como base a necessidade das massas, da classe trabalhadora, dos camponeses, etc. Se uma direção socialista e revolucionária não for formada a tempo, há uma enorme ameaça de contrarrevolução e até um risco de guerra civil nas regiões curdas. Para construir uma organização a altura das tarefas é essencial que haja um partido revolucionário que possa levantar um programa socialista e se tornar o centro de coordenação das lutas nacional e internacionalmente.

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