Uma hora a casa cai… a terceirização na Saúde
Não é novidade para ninguém: a agenda do governo brasileiro em seus diferentes níveis segue uma privatização silenciosa, tanto quanto for possível, e um discurso entusiasmado pelas conquistas mentirosas, carregadas de ilusão para descer goela abaixo da população que precisa dos serviços públicos e seus servidores.
É preciso agir antes que tudo desabe sobre nossas cabeças. Com a área da Saúde não é diferente. Campinas, vivendo hoje uma conjuntura surpreendente de denúncias de corrupção (como se não fosse previsto o dia do desmoronamento!) ainda está por protagonizar um dos mais contundente fiasco no atendimento à saúde mental da população. A situação é tão crítica que tem sido difícil até mesmo caracterizá-la: os dados que mostram o que de fato acontece no cotidiano de postos de saúde ou centros de referencia para o atendimento de pessoas com transtornos psicológicos ou problemas mentais são, absolutamente, distorcidos, porque não há notificação que possa revelar a realidade. É por meio dos “desabafos” nos espaços institucionalizados de controle social (como o conselho municipal de saúde, por exemplo) ou nas conversas com servidores em momentos de organização da luta cotidiana, que a verdade aparece.
Os convênios – ferramentas afiadas de privatização
Um estado que não dá conta do que é preciso pede ajuda àqueles que se tornam parceiros! Uma síntese, tão inocente e simples desta, esconde a verdadeira intenção política de um jogo maior e mais agressivo de minimizar o estado para que a iniciativa privada ( o capital) assuma serviços básicos. Com esta máxima – os cenários vão se configurando, de tal modo, a deixar de lado a qualidade, a abrangência dos serviços e a estabilidade dos servidores. Para atender à política de descentralização dos serviços, uma forma implementada desde 1990 foi o convênio ( para repasse do dinheiro público ) com entidades privadas para a prestação dos serviços. O convênio de co-gestão da secretaria Municipal de Saúde de Campinas com o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, no início “era” uma alternativa para a burocratização da gestão pública, bem como para baratear os custos dos serviços sob responsabilidade do “ setor público”. De modo claro, servidores custam mais caros do que funcionários de ONGs. Hoje, embora juridicamente com especificidades, o convênio, como uma forma “branda” de terceirizar, revela seu mais amargo e verdadeiro lado: quem paga o preço do sucateamento dos serviços e desmandos das gestões públicas é o trabalhador!
O convênio está sob auditoria do Ministério Público, e, por esta razão a prefeitura que se utilizava da parceria para executar outros serviços não previstos neste mesmo convênio, ou de forma irregular, correu para se “arrumar”: legalizar o que é ilegal. A consequência imediata foi a formulação de convênios distintos para serviços distintos e assim, são firmados dois convênios: um com a Atenção Básica (Programa de Saúde da Família – PSF) e outro com a Saúde Mental que é a função primeira da instituição Candido Ferreira, em questão, um hospital psiquiátrico filantrópico da cidade fundado em 1924, como resultado de um movimento de solidariedade aos “dementes pobres” que não tinham onde ser tratados, pois o único “sanatório” do estado de São Paulo (Hospital do Juqueri – mantido pelo governo do estado, era longe da cidade e vivia superlotado).
Os convênios, embora sejam ferramentas jurídicas que justificam a contratação dos profissionais para o atendimento à Saúde, ao mesmo tempo servem para um cotidiano embate e uma instabilidade e precarização sem precedentes em todos os seus postos de serviço, passando por cortes e prorrogações em momentos de grande desgaste para trabalhadores e usuários. Esta condição se traduz em instabilidade do trabalho e consecutivamente, a alta rotatividade de trabalhadores para um serviço que exige qualificação e especialidade.
A crise econômica e os rescaldos para os serviços de Saúde
Recentemente a Prefeitura Municipal de Campinas, que já não paga a dívida junto ao “Cândido” há anos, não vem cumprindo o acordo e não tem repassado a verba de custeio daquele serviço. O que isso significa? Além da dívida que, por exemplo, significa que todos, ou quase todos, os trabalhadores “Cândido” não têm depositado seu Fundo de Garantia regularmente, agora estão sob ameaça de não receber a cesta básica, o vale-transporte e até o salário. A desculpa é sempre a mesma – a crise econômica!
Já há alguns anos o “Cândido” repassa o pagamento com irregularidade. Atrasos são freqüentes e a diretoria da entidade se justifica dizendo que a prefeitura não cumpre o prazo para o pagamento da verba conveniada. Neste clima, um grupo de trabalhadores chamou uma assembléia e organizou um ato para dar visibilidade ao que esta acontecendo: não assinatura de dissídio da categoria, não abertura de novos serviços necessários, não contratação de profissionais em espaços de precarização dos serviços. O ato contou com mais de 300 trabalhadores e usuários dos serviços. Uma comissão composta por 7 trabalhadores foi recebida pelo alto escalão da Secretaria Municipal de Saúde e pelos gestores do “Cândido”, que responderam à pauta de reinvindicações se aproveitando da ingenuidade de nossos representantes, de forma evasiva. Mas mesmo assim, o movimento vem amadurecendo e ganhando novos adeptos.
Servidores ou não servidores – Onde está o Sindicato?
Diante desta dualidade, a quem cabe a defesa dos trabalhadores da saúde neste espaço? Não sendo servidores públicos, o Sindicato dos Servidores Municipais não toma para si a causa, apesar de oferecer ajuda. O Sindsaude, filiado à CUT, se ausenta do debate dizendo não ser este um movimento legítimo dos trabalhadores. Trabalhadores questionam a função e a necessidade de um sindicato. As assembleias são convocadas com a participação da gestão e de representantes dos usuários e dos trabalhadores. Mas a dinâmica das discussões ainda não permite um avanço na compreensão do que efetivamente acontece. Há problemas de todas as ordens, sobretudo na identidade profissional. Muitos trabalhadores não se dão conta de que fazem o mesmo serviço dos concursados pela secretaria municipal de saúde em condições de trabalho completamente diferente. Muitos usuários não conseguem diferenciar os profissionais, exatamente porque todos são trabalhadores na saúde e desempenham com competência seu papel: para trabalhos iguais condições de trabalho e contrato desiguais, salários desiguais!
Por onde seguir?
A organização dos trabalhadores é o melhor caminho. O debate franco é o modo onde possibilidades de avançar a consciência se tornam presentes. É preciso buscar informações de todos os lados. Tentar entender a legalidade do movimento e montar em conjunto uma pauta de reivindicações. Construir o movimento é um dos principais passos neste momento.
O movimento é novo, mas conta com pessoas que estão à frente dos debates de saúde em Campinas, alguns que nesse processo todo vêm tomando posicionamentos cada vez mais coerentes com o rompimento com a política conservadora e privatizante que se espalha pelo país. Embora seja um espaço importante de formação para novos militantes, são pequenas as perspectivas de ganhos concretos. Mesmo assim, temos nossas bandeiras:
- Isonomia salarial e de direitos com os servidores municipais.
- Não à privatização dos serviços básicos de saúde.
- Direito à organização sindical combativa.
- Apoio jurídico do MP aos funcionários terceirizados.
- Usuários são também trabalhadores e não podem ser excluídos do sistema formal de trabalho, mesmo nos programas de “economia solidária” que é um dos programas anunciados pelo governo como meio de inserção social de quem se afasta ou perde emprego por diagnósticos de problemas mentais.