A luta contra Bolsonaro e os limites da campanha de Lula

A derrota de Bolsonaro é uma necessidade inquestionável para milhões de trabalhadores. O favoritismo de Lula nas intenções de voto reflete isso e é compreensível que seja assim. Votar em Lula aparece para milhões como a única forma de se derrotar a extrema-direita hoje no poder e todo o rastro de morte e sofrimento que ela tem deixado.

A campanha de Lula e seus aliados aposta todas as suas fichas nessa justa rejeição a Bolsonaro. Apela também a uma memória de outros tempos, quando o custo de vida não era tão alto, o emprego não tão escasso, programas sociais ajudavam uma parcela dos mais pobres e, mais do que tudo, havia alguma expectativa quanto ao futuro.

Complementando isso, a direção da campanha de Lula investe conscientemente no apagamento de qualquer perfil de esquerda e de qualquer aparência de combatividade e radicalismo.

Para eles o voto popular mais “progressista” já estaria garantido. Necessário agora seria conquistar o apoio ou o consentimento dos setores mais conservadores tornando o PT mais palatável às elites.

Peso de Alckmin na campanha

O peso dado na campanha ao vice de Lula, Geraldo Alckmin, reflete isso. Com seu histórico de político neoliberal de primeira linha da burguesia, Alckmin é utilizado como um fiador de Lula junto aos empresários, banqueiros e setores mais conservadores da pequena burguesia.

Na Fiesp, ao lado de Lula, o ex-governador de São Paulo cumpriu o papel de reiterar a seus colegas empresários que foi seu novo aliado do PT quem, na presidência da república, implementou a contrarreforma da previdência de 2003 e que manteve o rigor fiscal e a essência do modelo neoliberal. 

Lula e Alckmin fazem questão de tranquilizar os capitalistas quanto ao papel dos movimentos sociais historicamente vinculados ao PT. O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) é apresentado por Lula no Jornal Nacional simplesmente como o maior produtor de arroz orgânico do Brasil e ponto final. 

Alckmin coloca o MST como exemplo de empreendedorismo “onde o capital não explora o trabalho” nas cooperativas bancadas pelo movimento. O que não se diz é que foi preciso mobilizar camponeses para ocupar terras e enfrentar os latifundiários, justiça e governos (inclusive o de Alckmin) para que essas iniciativas pudessem se viabilizar. 

Para eles, os sindicatos deverão cumprir o papel de mediadores entre patrões e trabalhadores. “Não vamos fazer nada na marra, vamos fazer negociando”, foi o que disse Lula em encontro com as centrais sindicais. Completou dizendo que sua futura mesa de negociação entre trabalhadores e empresários “pode ser comandada pelo vice-presidente, não precisa ser pelo presidente”.

Não há lugar para mudanças profundas

Nessa mesa de negociação comandada por Alckmin e no conjunto do projeto de conciliação de classes que Lula defende hoje mais do que nunca não há lugar para a mobilização e luta da classe trabalhadora. Não há espaço para transformações profundas que garantam direitos legítimos historicamente negados pela classe dominante.

A campanha de Lula olha mais para trás do que para frente e teme assumir compromissos com um programa que aponte mudanças efetivas, mudanças que inevitavelmente implicariam que as elites teriam que perder para que a ampla maioria do povo pudesse obter conquistas.

“Tudo será negociado”

Quando indagado sobre seu programa de governo, Lula em geral responde com generalidades sobre trabalhar no combate à fome e à desigualdade, mas acaba sempre por dizer que tudo será negociado e acordado com o Congresso, com os empresários, com o mercado etc.

Diante da necessidade de revogação das contrarreformas trabalhista e previdenciária de Temer e Bolsonaro, o que se vê por parte de Lula é muita hesitação em assumir uma posição nítida. O que prevalece sempre é a posição de que tudo será negociado.

Promover alguma mudança nas regras do teto de gastos é uma postura que, em maior ou menor medida, a maior parte dos candidatos admite, embora sempre fazendo juras de fidelidade à responsabilidade fiscal. Não é diferente com Lula. 

Apesar de seu plano de governo falar sobre a necessidade de uma “reforma tributária solidária, justa e sustentável”, Lula sempre relativiza isso em suas intervenções. 

Diante dos empresários da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), ele disse preferir não falar mais em reforma tributária e sim em adotar medidas pontuais até conseguir construir “um modelo de tributação em que se possa satisfazer a todas as pessoas”.

Como é possível satisfazer super-ricos e trabalhadores ao mesmo tempo? Alguém sempre sairá perdendo e sabemos bem quem será. 

Não há nenhum comprometimento sério da campanha de Lula com a reversão de medidas neoliberais como a independência do Banco Central ou com a reestatização das empresas que foram privatizadas. 

A candidatura não aponta ou até mesmo rejeita quaisquer mudanças estruturais necessárias do ponto de vista dos trabalhadores, tais como o controle público dos setores chaves da economia ou o desmonte do sistema da dívida pública e o poder dos bancos e do grande capital.

O que diz Lula por exemplo sobre a ameaça de mais de 3600 demissões na Mercedes de São Bernardo do Campo? Um programa da classe trabalhadora

Receita para mais derrotas 

Ao contrário do que pensam muitos petistas e aliados, essa linha política moderada e conciliatória não torna mais garantida a vitória eleitoral. Além disso, é uma receita acabada para crises e contradições em um futuro governo de Lula. 

Essa linha da campanha de Lula é desmobilizadora e defensiva. Lula é hoje, como Haddad foi em 2018, o principal defensor das instituições do sistema político no país. Seu combate a Bolsonaro se dá com base na defesa do Brasil existente antes de 2018 ou, no máximo, anterior a 2016. 

Nesse sentido, sua campanha acaba por deseducar as camadas mais ativas e conscientes da classe trabalhadora e da juventude. Sua mensagem direta ou indireta é: vocês não precisam se mobilizar contra as aventuras golpistas de Bolsonaro, afinal o STF, o TSE e as instituições darão conta do recado. 

Postura que leva a passividade

Mais do que isso, vocês não devem se mobilizar por suas reivindicações legítimas e seu anseio de mudanças radicais, afinal o momento atual exige outra coisa. Para derrotar o mal maior teremos que renunciar aos sonhos que um dia nos fizeram lutar. No limite, essa postura leva à passividade, à uma angustiante espera pelo dia das eleições. 

Enquanto isso, Bolsonaro assume o disfarce de candidato antissistema e adota uma postura ofensiva, de mobilização de sua base social direitista, como vimos no dia 7 de setembro. Com isso, consegue dar passos em seu projeto reacionário.

As chances eleitorais de Bolsonaro são pequenas principalmente em função da enorme rejeição que sofre. Mas, Bolsonaro não é cachorro morto nem nas eleições nem no embate político extraeleitoral. Bolsonaro é um perigo hoje, será no eventual segundo turno, continuará sendo no intervalo entre o segundo turno e a posse do novo presidente e seguirá como uma ameaça depois da posse.

É preciso preparar-se para um combate prolongado

Ao invés de preparar a militância para um combate prolongado e difícil contra o bolsonarismo, incluindo a batalha do segundo turno, a direção de campanha fomenta expectativas em uma vitória garantida já no primeiro turno. No caso de termos um segundo turno, isso exigirá uma capacidade de mobilização e uma combatividade que está sendo minada pela linha adotada na direção da campanha de Lula.

Só existe um jeito de enfrentar e derrotar Bolsonaro, incluindo seu projeto golpista que segue existindo: a mobilização da força social e política da classe trabalhadora e de todos os setores oprimidos e que sofrem com as políticas da extrema-direita no poder e com o capitalismo em crise.

É preciso que se apresente um plano de ação no combate a Bolsonaro e seus planos golpistas que inclua mobilizações de rua e até mesmo a utilização dos métodos de luta da classe trabalhadora, como a greve.

Para mobilizar os trabalhadores e setores oprimidos é preciso que se levante um programa que atenda as principais demandas desses setores e aponte para mudanças radicais.

A conciliação de classes fracassou e não tem como ser bem-sucedida agora

Além de ser um tiro no pé do ponto de vista da campanha eleitoral, a política de conciliação de classes é também um projeto falido para um futuro governo de Lula. Nós já vimos como o projeto de conciliação de classes que marcou todas as gestões do PT entre 2003 e 2016 acabou resultando em uma derrota no final das contas. 

Banqueiros, grandes empresários, mineradoras e agronegócio se aproveitaram da pacificação social promovida pelo lulismo no poder para aumentar seus lucros. Mas, quando a crise veio com força e seus interesses estavam sob risco, romperam com a conciliação e derrubaram o PT do poder com um golpe de Estado sustentado pelas instituições políticas do atual regime.

Por que deveríamos confiar na elite?

Por que deveríamos achar que será diferente em um futuro governo do PT? Que garantia temos que os colegas empresários e banqueiros de Geraldo Alckmin não mudarão de posição e eventualmente optem por uma saída política mais orgânica de sua classe, o que inclui a possibilidade de novos golpes de Estado e eventualmente uma aposta na extrema-direita como já fizeram com Bolsonaro em 2018?

No próximo período, o Brasil não terá nem mesmo a situação internacional relativamente favorável resultante do ‘boom’ das commodities exportadas para o mercado asiático. A guerra na Ucrânia, a iminência de uma nova recessão global, as consequências duradouras da pandemia, a crise climática, tudo isso no contexto da nova guerra fria entre os imperialismos dos EUA e da China, tornam o contexto internacional muito mais complexo e desfavorável.

O próximo período será marcado por uma polarização social e política ainda maior e as organizações da classe trabalhadora e do povo oprimido e a esquerda devem preparar-se para isso e não se esconder da realidade.

A necessidade de uma esquerda socialista

Tanto do ponto de vista da campanha eleitoral como no contexto de um futuro governo, é decisivo recompormos as forças de uma esquerda socialista que entenda a realidade e apresenta uma alternativa ao projeto de conciliação de classes do PT.

O PSOL errou ao decidir não ter candidatura própria nas eleições presidenciais. Isso permitiria que um expressivo polo de esquerda rompesse o silêncio programático e os apelos à passividade da campanha de Lula. 

Sem prejudicar a luta contra Bolsonaro, pelo contrário, ajudando a mobilizar com ele, uma candidatura do PSOL poderia servir para acumular forças para a reconstrução de uma alternativa socialista da classe trabalhadora independente do lulismo e que será absolutamente necessária no próximo período.

No lugar disso o que vemos é uma ampla adaptação de grande parte do PSOL à linha de campanha de Lula e do PT. Muitos abdicaram do papel crítico e diferenciado que poderiam adotar mesmo chamando o voto em Lula. 

As forças de esquerda, dentro e fora do PSOL, que resistem a isso agem corretamente. Elas precisarão apontar um caminho para a reorganização da esquerda sem sectarismo ou autoproclamação, conseguindo dialogar com as camadas mais avançadas dos trabalhadores, a juventude e setores oprimidos da sociedade e defendendo um programa socialista. Nós seremos parte desse processo.