A necessidade de uma esquerda socialista independente

As eleições ocorrem em um momento dramático da história do Brasil, com índice de fome equivalente à década de 1990, aumento do custo de vida em 72% em relação a 2019. 

Nesse período dramático, a esquerda socialista encontra-se em uma encruzilhada e em debate sobre como derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo. O que de início apontava para a necessidade de um “voto crítico” no Lula, evoluiu para uma adesão à chapa Lula-Alckmin com implicações além do voto, colocando em risco o projeto do PSOL como força independente.

Nesse contexto, boa parte da esquerda se diluiu dentro da adesão ao projeto lulopetista, alegando uma imposição do período, diante do risco de uma escalada autoritária, golpe militar ou avanço do fascismo.

Isso levou o PSOL a abrir mão não só de candidatura à presidência, mas também a outros cargos majoritários, em prol de alianças com o PT e outros. Isso foi o caso em São Paulo, apoiando Haddad a governador, no Rio de Janeiro, apoiando Marcelo Freixo do PSB, e no Rio Grande do Sul, apoiando Edegar Pretto. Nesses casos, o partido também abriu mão de candidatura ao senado.

Em São Paulo, a escandalosa decisão do PSOL de se colocar na suplência ao senado de Márcio França (PSB) é mais uma pedra que pavimenta o caminho do partido em direção à capitulação diante da política de conciliação de classes.

No Rio Grande do Sul, o partido realizou uma conferência colocando a importância da candidatura própria ao governo e, poucos dias depois, em uma reunião de cúpula, aceitou ser vice-governador junto com o PT!

A Federação com a Rede como estratégia para conseguir ultrapassar o coeficiente eleitoral é outro problema grave. O efeito mais dramático se deu no Espírito Santo onde a candidatura pela Federação será a de Audifax Barcelos, um político tradicional de direita – que escolheu dois cristãos conservadores para compor a chapa como vice-governadora e senado.

Essa política de adesão se expressa também nas lutas, de forma que o PSOL não protagonizou nenhum chamado para atos sem a anuência do PT, o que fez com que as mobilizações em geral sejam espaçadas e o mais controladas possíveis, algumas mais se assemelhando a grandes comícios. 

“Unidade”?

O argumento de que a “unidade” é necessária para enfrentar um cenário excepcional da conjuntura é utilizado de forma recorrente. Esse argumento não é novo, vindo do PT, que sempre acusou o PSOL de “fazer o jogo da direita” por se apresentar como uma alternativa.

Mas, o PSOL tem uma trajetória de 18 anos que prova, na maior parte do tempo, ser coerente como alternativa de esquerda, acumulando uma força independente ao projeto lulopetista de conciliação de classes, sem deixar de construir a unidade com esses setores nas ruas e até mesmo pontualmente em torno de projetos no parlamento. 

O PSOL e a esquerda socialista enfrentavam a direita mesquinha, conservadora e podre que condenava o PT por fazer programas de compensação de renda como o Bolsa Família. Muitas vezes, o PT estava aliado a esses mesmos setores que depois se voltaram contra ele, ligados à bancada “do boi”, da “bíblia” e “da bala”. 

O PSOL nunca deixou de criticar pela esquerda o PT quando este buscava conciliar com esses setores. Ao mesmo tempo que sancionou conquistas históricas como a lei de cotas ou a PEC das domésticas, fruto de muita luta dos movimentos sociais, o PT também também manteve as regras neoliberais como a Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionou a lei de drogas e a lei antiterrorismo. 

O PSOL corretamente fez a crítica e levantou a necessidade de auditar e suspender o pagamento da dívida pública. Colocou a importância de investir na educação pública e denunciou as privatizações que o PT apresentou. 

Todas essas críticas não impediram de o PSOL ter uma postura coerente em denunciar o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, colocando a importância de convocar grandes atos de massa contra um golpe institucional da direita e a prisão arbitrária para impedir que Lula disputasse a eleição em 2018.

Esse perfil independente está em risco agora. Nos encontramos então em uma situação em que o PSOL não só não terá um destaque, mas também será agora associado a figuras e partidos com históricos de direita e com o risco do partido acabar participando em governos do PT. 

Qual a tática para enfrentar a extrema direita?

É verdade que a situação do país e para muitas pessoas, especialmente as camadas mais pobres, é devastadora. Bolsonaro e o bolsonarismo precisam ser derrotados em todas as esferas, e é um debate fundamental no PSOL como conseguiremos derrotá-los.

A retórica de uma “situação excepcional” tem servido para construir uma política que se limita a uma tática eleitoral. Mas, essa “situação excepcional” é menosprezada, ou minimizada, quando respondemos desde o início do governo Bolsonaro que é necessário desde já construir lutas e as condições para tirar Bolsonaro do poder. 

Está profundamente errado quem acha que, após as eleições deste ano, com uma derrota de Bolsonaro e eleição de Lula, a situação será pacificada, as coisas voltarão ao “normal” e Bolsonaro será lembrado como um “acidente” na história.

Historicamente, o que assegurou as liberdades democráticas no Brasil e no mundo foi a classe trabalhadora em ação, fazendo greves e grandes mobilizações. O fato de setores do PT estarem apostando todas as fichas na eleição de Lula como a saída para os problemas que enfrentamos hoje é um erro, especialmente fazendo isso repetindo a política de conciliação de classes, onde haverá a cobrança de uma contrapartida sob a forma de conter as lutas.

O bolsonarismo seguirá sendo um problema

A extrema-direita é uma expressão das crises que se aprofundam no mundo que irão permanecer após as eleições. O bolsonarismo, enquanto expressão da extrema-direita, seguirá sendo um problema a enfrentar no próximo período. Sem uma esquerda organizada, fazendo uma oposição consequente e apresentando-se como alternativa, deixaremos a direita canalizar as insatisfações que certamente virão. 

Por isso, manter coeso, presente e organizado esse setor mais avançado que tirou conclusões corretas diante dos governos do PT é uma tarefa fundamental para hoje e para o futuro. É possível ter unidade em torno de pautas concretas, nas ruas, sem deixar de se colocar como uma força independente. 

As candidaturas de Vera Lúcia (PSTU), bem como de Leonardo Péricles (UP) e Sofia Manzano (PCB), apesar de evidentemente minoritárias, mostram que existe espaço para apresentar um programa socialista e existem pessoas que estão buscando uma alternativa à esquerda de Lula e Alckmin nessas eleições. No primeiro debate presidencial, veiculado pelo “pool” da TV Band, Cultura, Folha e UOL, ficou evidente a falta que fez uma representação do PSOL. Faltou uma candidatura para trazer um programa consistente de combate à fome, o desemprego. Que falasse sobre o genocídio do povo negro e os povos indígenas. Que denunciasse as privatizações e apresentasse um programa radical. 

Apresentar uma alternativa socialista não é um obstáculo para derrotar Bolsonaro e a direita. Pelo contrário, no caso das eleições, uma candidatura que não estivesse comprometida em fazer concessões com a classe dominante poderia falar diretamente com quem tem fome, com quem não consegue emprego ou está no sufoco a cada mês para pagar o aluguel, e mostrar como a agenda conservadora e nefasta de Bolsonaro caminha junto com a agenda neoliberal, e apresentar uma saída antissistêmica pela esquerda.

Construir as condições necessárias para novas greves e lutas de massas

Nós da LSR defendemos um voto pela independência de classe no primeiro turno, chamando voto nas candidaturas socialistas. Mesmo assim, estamos junto àqueles e àquelas que votarão em Lula desde o primeiro turno no dia a dia das lutas e construindo comitês “Fora Bolsonaro” em diversas cidades. No segundo turno estaremos juntos nas ruas defendendo um voto crítico em Lula para derrotar Bolsonaro.

A unidade da luta nas ruas é extremamente importante e deve ser construída sem rebaixar nossas bandeiras e o nosso programa nesse processo. A tarefa de construir as lutas está diretamente ligada à construção de uma alternativa da esquerda, como foi o propósito do PSOL desde sua fundação. 

Precisamos desmascarar a farsa do bolsonarismo e da extrema-direita que tentam se apresentar como antissistêmicos e mostrar como são parte dessa ordem nefasta que impõe à classe trabalhadora pagar com as crises enquanto os bilionários seguem enriquecendo. 

É possível e necessário defendermos a unidade nas lutas sem deixar de construir um perfil próprio da classe trabalhadora e setores oprimidos, que aglutine todas as lutas – nos locais de trabalho, nos bairros, contra a destruição do meio ambiente, contra todas as formas de opressão – em torno de um programa socialista. Preparar o futuro, essa é uma tarefa fundamental que está colocada para nós e não pode ser resumida à uma tática eleitoral.