Lula mantém ‘paloccismo’ sem Palocci

As ilusões em um possível giro ‘desenvolvimentista’ por parte do governo Lula neste segundo mandato serviram como forte arma de propaganda para conquistar os votos mais à esquerda no segundo turno das eleições presidenciais.

Não faltaram dirigentes da mal chamada ‘esquerda petista’ e mesmo dos movimentos sociais mais atrelados ao governo, argumentando que, dessa vez, seria possível empurrar o governo à esquerda e que o voto em Lula ainda tinha sentido apesar de quatro anos do mais puro neoliberalismo.

 Desenvolvimentistas?

Logo após as eleições, os mais ingênuos chegaram a acreditar que havia uma disputa real entre uma ala ‘desenvolvimentista’ e um setor ‘paloccista’ no governo. Várias foram as duchas de água fria nessas vãs ilusões.

Primeiro, foi o próprio Lula desancando publicamente seu ministro Tarso Genro, que chegou a declarar que a “Era Palocci” havia terminado. Lula defendeu Palocci e o conjunto da política econômica do primeiro mandato. Tarso Genro acabou reconheceu os méritos de Palocci.

Depois foi o senador Aloísio Mercadante que, tentando recuperar-se do fiasco eleitoral em São Paulo, assume em discurso na tribuna do Senado a bandeira de um suposto ‘novo desenvolvimentismo’ e defende mudanças na política econômica do governo. Quais mudanças? Mercadante quer mais cortes nos gastos públicos e coloca a reforma da previdência como parte central da nova política!

Com desenvolvimentistas como esse, quem precisa de neoliberais? 

Os cortes de Mantega

Mas, não acaba aí. O ministro Guido Mantega, também considerado do time dos ‘desenvolvimentistas’, apresentou a Lula um pacote de medidas de ajuste fiscal, supostamente para permitir mais investimentos públicos e a retomada do crescimento. Quais são essas medidas?

Entre outras, Mantega propõe prorrogar a DRU (Desvinculação das Receitas da União), mecanismo que hoje desvia 20% dos recursos orçamentários amarrados aos gastos de educação e saúde, por exemplo, para pagar os juros da dívida. Mas, não se trata de simples prorrogação. Mantega propõe ampliar de 20 para até 40% a possibilidade de cortes permitidos pela DRU.

Além de cortes nas despesas correntes do governo, Mantega propõe uma alteração do critério de correção dos recursos destinados à saúde. Ele propõe que o reajuste não seja mais de acordo com a variação do PIB, mas sim um novo mecanismo que deve representar ainda menos verbas para a saúde a cada ano.

Lula, porém, reclamou publicamente das propostas de Mantega. Quer mais ousadia ou, para bom entendedor, quer cortes mais profundos.

Nenhum dos próceres ‘desenvolvimentistas’ sequer menciona a possibilidade de estancar a sangria do pagamento da dívida pública aos grandes tubarões capitalistas. Esse tema é intocável. No máximo, falam em reduzir taxas de juros. Mas, o superávit primário (economia para pagar a dívida) de pelo menos 4,25% do PIB é consenso entre todos. 

Reforma trabalhista

O discurso do desenvolvimento econômico e do crescimento da ordem de 5% ao ano só tem servido para que o governo justifique a necessidade de mais ataques sobre os trabalhadores. Os cortes nos gastos públicos serviriam para que o governo pudesse investir mais. A reforma da previdência seria uma necessidade absoluta dentro dessa lógica.

Da mesma forma, a retórica do crescimento tem servido para justificar a reforma trabalhista, mesmo que não usem esse nome. Desonerar o empresário dos custos relacionados à mão de obra, para o governo e toda a mídia governista ou não, ajudaria o país a crescer. Por isso, retirar direitos como o 13° salário, Fundo de garantia, férias, licença maternidade, etc, seriam necessidades para garantir crescimento e emprego.

É isso que estão implementando com a nova Lei das micro e pequenas empresas, o chamado ‘super simples’. Com ela, não há fiscalização efetiva sobre os empregadores e estes têm muito mais liberdade para deixar de pagar direitos aos seus trabalhadores. Querem generalizar isso para toda a classe trabalhadora.

Mas, nós já conhecemos essa estória de trocar direitos por emprego. No final, acabamos ficando sem direitos e sem emprego! 

Oposição ao governo Lula

O fato é que o segundo mandato de Lula não representará nenhuma ruptura em relação ao primeiro que, por sua vez, não representou rigorosamente nenhuma descontinuidade com a política econômica dos oito anos de Fernando Henrique Cardoso.

Como fez desde o início, Lula usa sua autoridade de ex-dirigente operário para tentar confundir e frear as lutas contras as medidas neoliberais que busca implementar. Traveste essas medidas com uma roupagem progressista. Contra-reformas na previdência, na legislação trabalhista e sindical, nas universidades, acabam sendo apresentadas como medidas progressivas em favor do desenvolvimento, emprego, justiça social e blá, blá, blá.

Não há no interior do governo ou das forças que o sustentam qualquer pólo progressista conseqüente com condições de fazer diferença. As diferenças pontuais se acomodam no ‘bem bom’ dos privilégios da máquina pública e do exercício do poder.

Só existe um jeito de impedir que Lula e seus aliados promovam mais ataques através de cortes nos gastos, retirada de direitos e a continuidade de sua política neoliberal. É preciso unificar os setores combativos da esquerda e dos movimentos sociais na organização da resistência, mas sempre na perspectiva da derrota desse governo e não a disputa de seus rumos.

A resistência também precisa se armar em torno de um programa positivo, um projeto político para o país que represente uma alternativa real ao neoliberalismo. Esse programa precisa dizer claramente que a suspensão do pagamento da dívida aos tubarões capitalistas é uma necessidade para a retomada do desenvolvimento.

Deve deixar claro também, que a estatização com controle dos trabalhadores dos recursos naturais, dos bancos e dos principais setores da economia, assim como a integração dessa economia planificada pelos trabalhadores em toda a América Latina, é a única forma de romper com a lógica do capitalismo em crise e abrir caminho para a construção da sociedade socialista. Só assim é possível promover desenvolvimento econômico com igualdade social e respeito ao meio ambiente. 

A privataria petista 

Além de manter intactas as escandalosas privatizações da “Era FHC”, aprofundar a privatização da exploração das reservas de petróleo e gás e privatizar diretamente bancos estaduais, como os do Maranhão e Ceará, Lula no poder também criou o “modo petista de privatizar”. São as chamadas PPPs, Parcerias Público Privadas.

Mais uma vez, tudo isso é feito em nome dos investimentos em infra-estrutura necessários para o crescimento econômico. Como escreveu Elio Gaspari na Folha de S. Paulo (25/10/06), se o tucanato vendeu a Rede Ferroviária federal, os petistas querem vender ferrovias, portos e estradas inexistentes. 

Lucro garantido

Com as PPPs, o governo entra com boa parte do dinheiro (através do BNDES e ouros fundos) e dá garantia de lucros aos investidores privados. Esses nunca, nunca mesmo, poderão sair perdendo. Todo o contrário, tem enormes possibilidades de lucrar muito mais do que o esperado explorando esse serviços e não pagam um centavo a mais ao Estado por isso.

Um dos exemplos mais claros da unidade entre tucanos e petistas na defesa dos interesses do capital privado é a implementação da política de PPPs na Linha 4 do metrô de São Paulo. Ela vai representar precarização e retirada de direitos dos trabalhadores do metrô, além de aumentos nas tarifas de transporte. Para os investidores privados, há a garantia de lucros inclusive com repasse de mais verbas públicas caso seja necessário.

PT e PSDB têm origens muito diferentes, isso não se discute. Hoje, porém, são instrumentos de representação e defesa dos interesses da classe dominante brasileira. Cada um com seu estilo, suas contradições internas e sua dinâmica própria de relação com sua base social.

Defender privatizações não é um privilégio específico do PSDB. O PT usa a autoridade de um passado de esquerda, ainda não totalmente perdida, para confundir os trabalhadores, frear suas lutas e maquiar as políticas neoliberais com uma fachada progressista.

É esse o caso, além do já mencionado, da reforma universitária que repassa verbas públicas para donos de faculdades privadas e é apresentada como uma política de inclusão e democratização do acesso ao ensino superior. Enquanto isso, a educação pública continua em estado lamentável.

Não à privatização do petróleo e gás brasileiros

 Lula acusou Alckmin de pretender privatizar a Petrobrás se vencesse as eleições. Alckmin, legítimo herdeiro do governo privatista de FHC, negou de pé junto. Ambos, porém, estão comprometidos com a perda do vínculo da Petrobrás com os interesses públicos e sua entrega ao chamado ‘mercado’. A quebra do monopólio estatal do petróleo foi obra do governo FHC e aprofundada pelo governo Lula.

Mal terminou o segundo turno das eleições e o governo Lula promove no final de novembro mais uma rodada de licitações de blocos exploratórios de petróleo e gás. Através desses leilões, as grandes corporações internacionais recebem uma concessão para explorar livremente nossas reservas de petróleo e gás por até 30 anos.

Embora a Bacia de Campos (a maior do Brasil) não participe desse 8° leilão, a Agência Nacional do Petróleo já anunciou que pretende integrá-la novamente aos leilões no próximo ano. Sua intenção deliberada é “quebrar a hegemonia da Petrobrás” na exploração do petróleo brasileiro.

A resistência contra os novos ataques do governo Lula começa já. É preciso aproveitar a rejeição popular às privatizações e protestar contra os leilões de reservas de petróleo, exigindo a estatização plena da Petrobrás e a retomada do monopólio estatal do petróleo com controle democrático dos trabalhadores.

Um verdadeiro governo dos trabalhadores no Brasil buscaria a integração da exploração dos recursos energéticos dos diferentes países da América Latina para garantir os interesses dos povos e não das grandes corporações multinacionais do petróleo e gás. A integração e estatização plena da exploração dos hidrocarbonetos no Brasil, Bolívia, Venezuela, Equador, etc, com controle democrático dos trabalhadores, seria uma base fundamental na direção de uma América Latina livre do imperialismo e socialista.